Celso Antônio Três
TUBARÃO (SC) – O fragoroso “não” da sociedade à proibição do cidadão ter arma à proteção de seu domicílio explicita a irresignação com a brutal prevaricação da defesa social.
Estado do direito ao infrator e da pena à vítima.
Um dos argumentos pela vedação às armas (SIM) é emblemático: devem ser proibidas, pois o delinqüente subtrai as regularmente adquiridas pelas pessoas.
Em suma, ao invés de punir o criminoso que furta ou rouba armas, pune-se a vítima, impedindo o acesso dela ao instrumento de defesa.
Tirante algumas raras exceções, a exemplo da proteção a testemunhas e ofendidos (Lei nº 9.807/99), além de lesado pelo delinqüente, o cidadão também é vitimizado pelo processo penal.
Questões comezinhas, a exemplo de assegurar a inquirição de testemunhas e vítimas sem a ameaçadora presença do acusado, preservação do endereço residencial acautelando sejam abordadas pelo imputado, etc., são ignoradas.
Pelo contrário. Denúncias oferecidas pelo Parquet cuja cópia são entregues em domicílio aos acusados por ocasião da citação freqüentemente mencionam as testemunhas e respectivos domicílios.
A brutal insegurança pública é produto da abulia, letargia a que o Estado é submetido, castrando a ação das forças repressivas.
Esta inércia, passividade, é o idêntico resultado de concepções político-ideológicas antagônicas, esquerda e direita.
À esquerda, ainda rescaldando as cicatrizes da ditadura militar, segurança é sinônimo de atropelo aos direitos fundamentais, manipulação do Estado subordinado aos interesses do statu quo, forças repressivas destinadas à defesa da elite político-econômica.
À direita, em contrapartida, tem-se as decorrências do neoliberalismo.
Pregando a incontida auto-restrição do Estado, os diversos órgãos de segurança restam inevitavelmente mutilados dos recursos humanos e materiais. As fronteiras, por onde adentram armas, drogas e contrabando, tem vigilância pífia, insignificante. O efetivo de policiais é brutalmente aquém ao mínimo necessário.
Nesses 20 anos de democracia pós-vintenária didatura, quem foram os titulares do Ministério da Justiça?
Todos com idêntico perfil: advogados identificados com políticos que se opuseram ao regime militar os quais ascenderam ao poder pela eleição.
Invariavelmente, eles centraram sua atuação na afirmação dos direitos individuais. Nenhuma política efetiva em otimizar a atuação do Estado na repressão ao crime e defesa da sociedade, vítima dos delitos.
“Cachimbo deixa torta a boca” . Quem sempre ocupou-se em defender acusados de crimes, jamais desenvolveu preocupação com as vítimas.
À testa do Ministério da Justiça jamais teve destacado quadro da Polícia, Ministério Público ou Judiciário, ou seja, pessoa oriunda de órgãos com o compromisso da efetividade da Justiça.
O atual Ministro Thomaz Bastos sempre advogou, especialmente em prol dos poderosos, acusados de milionários delitos do “colarinho branco”, sonegação fiscal, crimes contra o sistema financeiro, a exemplo de Paulo Maluf, diretores do Banco Econômico de quebra fraudulenta, e tantos outros.
Agora, apreensivo com revelações da corrupção nos altos escalões da República, empreendeu campanha para frear a delação premiada, instituto previsto em vários estatutos(v.g., Leis nº 9.034/95, 9;807/99, etc.), o qual enseja redução e até remissão do infrator que contribuir no desbaratamento de quadrilhas.
Encomendou sugestão de alteração legislativa ao IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), associações civis dominadas por advogados cujo ofício essencial é a defesa de réus integrantes da elite econômica da nação.
Em contrapartida, óbvias e simples medidas ao incremento da persecução penal à investigação criminal não têm atenção do Ministério da Justiça.
Uma delas é que a acusação, Ministério Público, contrariamente à defesa que, via habeas corpus em cascata (v.g., Paulo Maluf que em poucos dias fez reunir o TRF-3, STJ e STF para ouvir sua razões, quais sejam, que a milionária fortuna produto de propina no exterior em seu nome não é dele, que ele não é ele, etc.), exaure todas as instâncias, não dispõe de recurso rápido, de forma que, na prática, contra o ius persequendi, o juízo de 1º Grau é “Suprema Corte”.
Sabido que os elementos de convicção aptos à condenação da criminalidade mais contundente, organizada, “colarinho branco”, viabiliza-se apenas com provas invasivas (v.g., interceptação telefônica, dados bancários, busca domiciliar etc.), somada à inexorável tendência legal/jurisprudencial de ampliar cada vez mais o rol de provas condicionadas à reserva da jurisdição, o indeferimento de qualquer delas pelo Juízo A Quo, na realidade, fere de morte qualquer possibilidade de êxito na investigação.
Simplesmente inexiste previsão legal de recurso contra a denegação. Em desespero de causa, lança-se mão do mandado de segurança, correição parcial, etc., instrumentos estes, além de inapropriados, mesmo quando excepcionalmente providos, regra geral, ineficazes (v.g., delonga que faz perecer a efetividade da prova, a exemplo da interceptação telefônica cujo momento da escuta é crucial, contraditório e/ou vazamento da apuração em instância recursal, de forma que o investigado destrua provas etc.)
O estatuto do desarmamento criou a identidade nacional das armas, centralizando na Polícia Federal o registro e outorga do porte.
Todavia, ao cidadão brasileiro, o Estado sequer consegue dispor identidade idônea.
Hoje, apesar da norma asseverar o efeito erga omnes (Lei nº 7.116/83), na prática, inexiste carteira nacional de identidade, reconhecida pelos diversos segmentos sociais. Embora existam inúmeras de caráter nacional, a exemplo das outorgadas por todos os conselhos profissionais(Lei nº 6.206/75), a agentes públicos, como Membros da Magistratura, Ministério Público, etc., de caráter universal, dotado de controle centralizado, não há.
Usa-se o cadastro fiscal, CPF, único que inspira certa confiança, credibilidade. Tanto é verdade que, recentemente, quando a Receita Federal anunciou medida de absoluta lógica, qual seja, extinção dos CPF’s pertinentes às pessoas que não apresentam declaração do imposto de renda, houve pânico geral. O sistema bancário, creditício, v.g., entraria em colapso. Criou-se, então, a aberração da declaração de isento, ou seja, declaração de quem nada tem a declarar.
Os Estados, autonomamente, procedem a identificação. Unicamente mediante certidão de nascimento (art. 2º da Lei nº 7.116/83), de contrafação corriqueira, obtém-se carteiras de identidade distintas, nas diversas unidades federadas.
Mesmo o bizarro criminoso exime-se dos antecedentes, facilmente assumindo nova identidade. A fortiori, a delinqüência organizada. Inexiste qualquer controle nacional, centralizado, quanto à numeração, nome, filiação, impressão dactiloscópica, fotografia, etc., atualmente perfeitamente catalogáveis em meio magnético, informatizado, de forma a otimizar consultas e atualizações.
Os cidadãos, não obstante há mais de meia década vigente norma que assim o determine (Lei nº 9.545/97), projeto da autoria do senador Pedro Simon, contudo, ainda não tiveram o tratamento que os automóveis(placa nacional) e armas já fizeram jus.
Ante essa letargia, inanição do Estado frente à criminalidade, é preciso bradar que a punição dos criminosos é, sim, direito fundamental dos cidadãos, sociedade, tendo idêntico status às garantias processuais dos investigados.
Subtraído da autotutela, reserva-se ao cidadão/vítima o elementar direito subjetivo a que o Estado, a quem ele delegou o monopólio da Justiça, seja inexorável na persecutio criminis.
O não à proibição da arma à defesa domiciliar rechaça o laxismo do Estado com o infrator.
Deve ser entendido pelos agentes do Estado Brasileiro, não apenas Executivo e Legislativo, mas também do Judiciário e Ministério Público, cuja parcela de seus Membros freqüentemente negligenciam a defesa social, afrontando a lei dando-se ao capricho de mergulharem em elucubrações academicistas (v.g., garantistas, minimalistas etc.), faina que nada mais faz senão engessar o Estado, impedindo a repressão aos criminosos, penalizando a vítima.