O nazismo morreu? Ou estaria de volta numa versão adulterada e igualmente nociva?

Conforme Arnaldo Spindel, “Estado e Partido, de mãos dadas, dominaram a totalidade da sociedade alemã, ampliaram os lucros dos grandes trustes econômicos, venderam a idéia de proletariado racial ao povo e levaram o mundo à Segunda Guerra Mundial”.

Maria Lucia Victor Barbosa

Não há ideologia mais forte do que o nacionalismo, essa argamassa intelectual capaz de unificar um povo e dar-lhe o sentido de destino comum. O nacionalismo assume sua forma positiva no patriotismo, sentimento através do qual cultivamos valores cívicos, respeitamos os símbolos nacionais, oferecemos a própria vida se a pátria amada for ultrajada. O patriotismo é patrimônio cultural de toda uma nação e não instrumento para a realização das ambições de poder de alguém ou de um grupo que, demagogicamente, manipula emoções coletivas para alcançar objetivos pessoais de domínio.

Mas o nacionalismo pode converter-se na prepotência bestial de um comando sem escrúpulos, no desvio de legítimos ideais pátrios para abomináveis práticas totalitárias, na sede desmesurada de poder pelo poder, no preconceito estribado em falso sentido de superioridade, no cerceamento da liberdade que torna a vida desgraçada, na imposição do autoritarismo que deturpa a autoridade pela violência.

O mais famoso caso que se estudou nesse sentido foi o regime nacional-socialista (nazista) alemão. Evidentemente, foi um caso bastante peculiar no sentido de que essa ideologia encontrou respaldo nas condições político-econômicas da Alemanha, na década de 20. O nacional-socialismo inculcava nos alemães a idéia de que representavam a raça ariana pura e superior, que devia subjugar as demais.

Na revolução de 1918, o Partido Social-Democrata foi o grande responsável pela implantação da República na Alemanha e nos seus primeiros governos representou um compromisso com partidos de centro, pois havia se afastado das idéias marxistas de ruptura com o sistema político existente, passando a defender ações reformistas de cunho social.

Na crise de 1929, foi a vez do Partido Nazista ter notável crescimento. Além de enorme penetração popular, passou a ser encarado pela classe alta como representante de seus interesses econômicos. Aos poucos todos os partidos foram se submetendo à liderança de Hitler.

Em 1933, o Partido Nazista chegou ao poder e se transformou em partido único com a eliminação paulatina, através de leis, dos outros partidos. Ao mesmo tempo, militantes mais esquerdistas foram afastados e muitos mortos. Enquanto isso Hitler ia se impondo de maneira incontestável, seduzindo a nação pela força de seu carisma aliado à intensa propaganda produzida pelos meios de comunicação de massa, e dominando através de eficiente aparelho repressivo. Ele já não era mais o primeiro-ministro mas o ditador que, em empolgantes discursos acentuava a esperança e prometia-se ao povo alemão um futuro brilhante numa linguagem que podia ser compreendida até pelas pessoas mais simples.

Possíveis insatisfações e ódios eram canalizados para os judeus, o que desviava a atenção de problemas concretos. Desse modo o Holocausto foi aceito como natural, como purificação da raça superior ariana, com a vantagem de que a eliminação dos judeus abria espaços para a classe média alemã nas atividades do comércio e da pequena indústria onde os primeiros atuavam.

Muito útil também a utilização de símbolos e conceitos marxistas, devidamente adaptados à ideologia nazista. Assim, o proletariado tornou-se proletariado racial e a luta de classes deslocou-se para a guerra proletária contra os Estados Capitalistas. Não se falava mais na utopia da sociedade sem classes, mas numa futura comunidade do povo alemão que dominaria o mundo. Todas essas idéias permeavam a totalidade da vida dos alemães e norteavam seu comportamento.

Aos poucos o Estado totalitário foi substituindo o “Estado burguês”. O processo incluiu certas providências como a extinção do Poder Legislativo através do cerceamento de suas prerrogativas. Consequentemente, deu-se o fortalecimento do Executivo, que assumiu o poder de legislar através do ditador e dos seus auxiliares diretos. Simultaneamente foi implementado o controle completo da burocracia estatal ou aparelhamento do Estado. Conforme Arnaldo Spindel, “Estado e Partido, de mãos dadas, dominaram a totalidade da sociedade alemã, ampliaram os lucros dos grandes trustes econômicos, venderam a idéia de proletariado racial ao povo e levaram o mundo à Segunda Guerra Mundial”.

Claro que isso não se repetirá jamais de forma idêntica. Foi tudo levado a cabo dentre de certas circunstâncias de um dado país, numa certa época e sob o influxo de uma sui generis personalidade carismática. Mas as sementes do nacional-socialismo, que floresceram no nazismo, não seriam passíveis de novas floradas trágicas, com outros nomes, em outras épocas, em outras sociedades?

Será que o nacional-socialismo (nazismo) morreu, ou está de volta nesse mundo através de uma versão incompetente, adulterada, inferiorizada, longe anos-luz da envergadura carismática e maligna de um Hitler, mas igualmente nociva?

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga, escritora autora de “O voto da Pobreza e a Pobreza do Voto: a Ética da Malandragem (Jorge Zahar Editor) e América Latina: Em Busca do Paraíso Perdido” (Editora Saraiva).
E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

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