O NOME DA MULHER NO DIVÓRCIO

Evandro Ferreira de Viana Bandeira

A matéria versada neste artigo refere-se à questão do uso do nome do ex-marido pela mulher quando do divórcio e que é abordada sob os diversos aspectos, concluindo com a posição que sustentamos no foro local em processo que tivemos a oportunidade de patrocinar. A norma do art. 25, § único, nº I a III, da Lei nº 6.515, de 26-12-77 (Lei do Divórcio), com a redação dada pela Lei nº 8.408, de 13-2-92, dispôs que “art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges existente há mais de um ano, contada da data da decisão, ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou. § único. A sentença de conversão determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair matrimônio, só conservando o nome da família do ex-marido se a alteração prevista neste artigo acarretar: I – evidente prejuízo para a sua identificação; II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos na união dissolvida; III – dano grave reconhecido em decisão judicial.”
A interpretação meramente literal dessa norma jurídica, considerando-se a utilização da expressão “a sentença de conversão determinará”, não admite a possibilidade de se cogitar de que a questão do nome da mulher se insira em outro momento, qual seja, no da “sentença de separação judicial”, posto que é curial que quando se referiu à “sentença de conversão” fixou exata mente a existência de dois processos judiciais autônomos e distintos, posto que naquele o objeto é a extinção da sociedade conjugal e, neste, a finalidade é a extinção do vínculo conjugal. Assim sendo, a questão se insere quando da sentença de conversão da separação judicial em divórcio e não em qualquer outro momento.

Por outro lado, o emprego pela referida disposição legal da expressão determinará revela que o comando normativo não traduz uma mera faculdade para que o juiz possa dispor se a mulher deva voltar ou não a usar o nome de solteira, mas sim uma imposição que somente não alcançará as hipóteses expressamente contempladas pela própria norma. A literalidade da norma revela, portanto, que o seu sentido é o de que a perda do uso do nome da família do ex-marido pela mulher quando do divórcio se constitui, assim, a regra geral cogente por expressa e literal determinação legal, que só admite as exceções previstas na mesma lei.

Outrossim, a interpretação sistemática da aludida norma também conduz igualmente à conclusão apontada, porquanto, ao se casar, a mulher pode “acrescer” aos seus os apelidos da família do marido, ex vi, art. 240, parágrafo único, do Código Civil, dispondo que “art. 240. A mulher, com o casamento, assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos de família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta. § único. A mulher poderá acrescer aos seus os apelidos do marido.”

Porém, se o divórcio “põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso”, a teor do que prescreve o art. 24, da Lei nº 6.515, de 26-12-77 (Lei do Divórcio), fazendo desaparecer, em definitivo, os vínculos resultantes do casamento, restabelecendo a possibilidade, inclusive, de os ex-cônjuges poderem contrair novo matrimônio, é evidente que a mulher que acrescentou, com o casamento, aos seus os apelidos da família do ex-marido, deve perder o direito de continuar usando o nome de casada, sendo constrangida, assim,a ter que retornar ao nome de quando solteira, eis que os vínculos decorrentes do matrimônio terão cessado de forma irremediável com o divórcio. A manutenção do nome após o divórcio poderá, ainda, acarretar situações indesejáveis como a resultante da possibilidade de a mulher, contraindo novas núpcias, levar para o novo status os apelidos de família do cônjuge anterior.

Teleologicamente, pode-se afirmar que o nome integra o chamado direito da personalidade, que tem por fundamento primeiro, conforme leciona LIMONGI FRANÇA, “no direito natural que tem os indivíduos à própria identificação, pressuposto do exercício de todos os demais direitos.” (Nome Civil, in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro organizado por CARVALHO SANTOS, Vol. XXXIV, Rio de Janeiro, Ed. Borsoi, pág. 176). O nome da pessoa incorpora-se ao que se convencionou denominar um dos direitos da personalidade humana, assinalando DE CUPIS que “il diritto al nome è il diritto volto a tutelare, a proteggere il bene, inerente alla persona, della sua identità, considerato nella sua più importante forma de attuazione: è dunque, per il carattere stesso del suo oggaeto, un diritto della personalità.” (in Trattato di Diritto Civile e Commerciale, I dirittti della personalità, Milano, A. Giuffrè Editore, 1982, pág. 427).

Na composição do nome, adverte SANTOS CIFUENTES, “Ante todo, hay que analizar la composición del nombre. Para que cumpla íntegra-mente los fines previstos se lo divide em “prenombre” y “apellido”. El primero individualiza enel seno de la familia, el segundo, dentro de las relaciones más amplias de sa sociedad. Unidos formam el conjunto que, toda persona, debe llevar para ser identificada e individualizada. O sea que, forzosamente, tiene unidad conceptual y compuesta.” (in Los Derechos Personalissimos, Lerner Editores Associados, Buenos Aires, 1974, pág. 17).

Entre nós, CARLOS ALBERTO BITTAR, modernamente, ensina que “O bem jurídico tutelado é a identidade, que se considera como atributo ínsito na personalidade humana. O direito essencial é ao nome, mas também recebem proteção os acessórios.” (in Os Direitos da Personalidade, Rio, Ed. Forense Universitária, 2ª ed., 1995, pág. 121). Para LIMONGI FRANÇA, que deu tratamento monográfico à matéria, o nome é “a designação pela qual se identificam e distinguem as pessoas naturais, nas relações concernentes ao aspecto civil da sua vida jurídica.”

Ora, se a mulher, com o casamento, tem a faculdade de acrescentar aos seus os apelidos da família do marido, vale dizer, de se fazer identificar como pertencente e passar a integrar o núcleo familiar do consorte, é por demais evidente que, com o rompimento do vínculo do casamento com o divórcio, a mulher tenha que deixar de usar o nome da família do ex-marido, à qual não mais integra e com ela, portanto, não tem qualquer identificação ou mantém qualquer vínculo, podendo, inclusive, estabelecer uma nova união matrimonial e fazer acrescer aos seus os apelidos da família do novo marido. A mulher não pode continuar mantendo um dos atributos da personalidade do homem com quem contraiu matrimônio quando não mais existe o vínculo do casamento, posto que com ele não mais pode ser identificada e tampouco com o núcleo familiar do ex-marido. Os apelidos de família que integram o nome do marido fazem parte de personalidade deste e que não podem ser objeto de apropriação pela mulher quando não mais existe o vínculo matrimonial. O uso pela mulher do nome de casada depois do divórcio viola o direito da personalidade do ex-marido.

Tal posição já encontrava ressonância no âmbito pretoriano muito antes da edição da Lei nº 8.408, de 13-2-92, dando nova redação ao art. 25, da Lei do Divórcio, como revela o v. aresto proferido pelo 1º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento dos embargos infringentes na apelação cível 9.158, proclamando a tese colhida no voto vencedor, da lavra do Desembargador MARCELO SANTIAGO COSTA, do qual se destaca “Extinto o vínculo matrimonial, não mais se justifica a subsistência de um de seus efeitos, que é o uso , pela mulher, dos apelidos do marido, que ela assumiu com o casamento, juntamente com a condição de sua companheira, consorte e colaboradora nos encargos de família (art. 240 do CC, na redação anterior e que lhe foi dada pela referida lei.” Prossegue o ínclito julgador, “Se ela deixa de ter essa condição quando se divorcia, pela mesma razão deve deixar de usar o nome do marido já que nada mais os une em termos de vinculação pelo casamento. Não se trata de aplicar-lhe uma sanção, mas, sim, de extrair do divórcio as suas naturais conseqüências.” Arrematando, “Há mais, porém. Se se admitir que, após o divórcio, a mulher possa continuar com os apelidos do marido incorporados ao seu nome, tal como na constância do casamento, terá ela a possibilidade de transmiti-los a filhos que vier a ter com outro homem e até usá-los depois de casar-se novamente. Nesta última hipótese, poderá compor o seu nome com os apelidos do ex-marido e do novo, transmitindo os do primeiro à prole do segundo casamento.” (RT-553/190).

A posição atual da doutrina mais autorizada é no sentido da perda, porquanto, como observa MARIA HELENA DINIZ, “os julgados que antes da Lei n. 8.408/92, admitiam à divorciada o uso do nome de casada baseavam-se no fato de que ela podia conservá-lo porque assim fora disposto no anterior acordo de separação judicial. Entendíamos, sem embargo, o direito de usar o apelido do ex-marido, pois com o divórcio rompe-se definitivamente o vínculo matrimonial.” Conclui, destarte, a ilustre professora que “Com a edição da Lei n. 8.408/92, eliminou-se essa problemática, pois a divorciada deverá voltar a usar o nome de solteira, só conservando o apelido da família do ex-marido nos casos previstos pelo art. 25, parágrafo único, I a III.” (in Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito de Família, 5º Vol., São Paulo, Ed. Saraiva, 1993, pág. 205).

O ilustre mestre ARNOLDO WALD ensina que, antes de fevereiro de 1.992, a mulher, quando vencedora ou não, sendo dela a iniciativa da separação, podia optar entre continuar a utilizar o nome da família do ex-marido ou, ainda, a qualquer tempo renunciá-lo, mas que, todavia, “A nova legislação desvincula o não uso do nome do marido da existência de culpa da mulher e, em princípio, determina que ela volte a se identificar pelo que tinha antes do seu casamento, resguardando-se alguns casos excepcionais.” (in Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito de Família, Vol. IV, 9ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1992, revista, ampliada com a colaboração de LUIZ MURILLO FÁBREGAS, pág. 132)

A posição crítica de SÍLVIO RODRIGUES ao que denomina de “exorbitância” do legislador, pois entende que o nome traduz um interesse meramente privado, não altera a conclusão de que, em face da norma, “a mulher deverá retornar ao nome de solteira”. (in Curso de Direito Civil, Direito de Família, vol. 6, São Paulo, Ed. Saraiva, 1993, pág. 252).

Nesse mesmo sentido, a lição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO ao dizer que “a mulher que, ao se casar, tem a faculdade de adotar ou não o patronímico do marido, ao ter decretado o divórcio, como conseqüência da ruptura do vínculo, perde o direito de conservá-lo, exceto nos casos previstos pelo legislador.” (in Curso de Direito Civil, Direito de Família, 2º vol., São Paulo, Ed. Saraiva, 1994, pág. 222).

A mesma orientação é seguida por WILSON DE OLIVEIRA quando afirma que “dissolvido o casamento pelo divórcio, isto é, pela vontade de um ou de ambos os cônjuges, não há motivo algum capaz de justificar a perduração desse efeito.” (in Direito de Família, Rio Ed. Forense, 1995, pág. 173)

No já clássico “DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO”, de YUSSEF SAID CAHALI, em sua 8ª edição de 1995, sob a égide das inovações legislativas ocorridas em 1992, afirma o ilustre mestre que “No exercício da competência que lhe é inerente, o legislador faz agora uma opção, ainda que definida em termos, e de maneira prolixa pelo entendimento minoritário anterior, estabelecendo de maneira expressa, como regra, a perda automática do patronímico do marido como conseqüência necessária do decreto de divórcio em qualquer de suas modalidades;” (pág. 1457), acrescentando, outrossim, que “Na sistemática da nova lei, devendo a sentença “determinar” a perda do nome de família da divorciada, a exceção de sua conservação deve ser “alegada e provada” pela mulher, se nisto tiver interesse.” (pág. 1467).

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, em questão que tivemos a oportunidade de patrocinar, a matéria foi suscitada em sede de recurso de apelação cível, tendo a Segunda Turma Cível, por maioria, em v. acórdão n° 43.705-4, da lavra do Desembargador JOENILDO DE SOUZA CHAVES, prolatado em 7-11-95, proclamado que “A regra que deflui do art. 25, parágrafo único, da Lei do Divórcio é de natureza impositiva, isto é, não estando configuradas quaisquer das exceções previstas nos três incisos, quando da conversão da separação em divórcio, o juiz deverá determinar que a mulher volte a usar o nome de solteira.” (nosso grifo)

A decisão proferida nesse v. aresto foi mantida, por unanimidade, pela 2ª Seção Cível do mesmo Tribunal, que, em v. acórdão Embargos Infringentes – Classe B -X – n° 43.705-4/01 (DJ de 19-12-96), decidiu, conforme o voto do relator Desembargador OSWALDO RODRIGUES DE MELO, que, com a decretação do divórcio, o art. 25 da lei especial impõe a perda, no nome da mulher, dos apelidos do ex-marido, regra que deverá ser observada, não obstante disposição em contrário na ocasião da homologação da separação judicial, ainda que consensual, sendo admitido a sua mantença apenas nas hipóteses excepcionalmente previstas nos incisos I, II e III, da citado dispositivo, cujo ônus “probandi” incumbe à mulher.

Outrossim, não se deve cogitar de direito adquirido ao uso do nome da ex-marido, pois como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça, através de julgamento de sua 3ª Turma, em 18-12-95, v.u., relator Ministro COSTA LEITE, “Não concorrendo motivo que se enquadre nas exceções da lei, quando da conversão da separação judicial em divórcio, a sentença determinará que a mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair matrimônio. Trata-se de norma cogente, de incidência imediata.” (RT 731/215)

Como conclusão, pode-se dizer que a referida norma jurídica tem natureza cogente, de aplicação imediata e abrange imperativamente todos os casos de conversão de separação judicial em divórcio em que a mulher, com o casamento, tenha feito acrescer ao seu os apelidos da família do ex-marido, salvo os casos expressamente previstos na própria disposição legal e desde que devidamente alegados e provados pela mulher.

Evandro Ferreira de Viana Bandeira é advogado em Campo Grande – MS.

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