Renato M. S. Opice Blum e Marcos G. da Silva Bruno
O NOVO CÓDIGO CIVIL E AS RELAÇÕES JURÍDICAS VIRTUAIS
Renato M. S. Opice Blum Marcos Gomes da Silva Bruno
I – INTRODUÇÃO:
Como é notório, a cada dia a Internet está mais presente na vida de todos os cidadãos brasileiros, e hoje já pode ser considerada uma importante ferramenta, não só de comunicação, mas também de negócios.
Esse positivo crescimento mobiliza novos mercados, gera novos empregos, e fomenta a circulação financeira, além de outros reflexos positivos, mas, ao mesmo tempo, gera cada vez mais discussões, dúvidas, incertezas, e diversos outros questionamentos jurídicos que envolvem as relações virtuais.
A grande maioria desses conflitos, alguns que já estão até sendo submetidos à apreciação do Poder Judiciário, são decorrentes de relações civis e comerciais realizadas através da grande rede de computadores.
Assim, com o advento do Novo Código Civil, amplamente divulgado pela imprensa, e que vigora desde o dia 11 de janeiro de 2003, é importante ao operador do direito, e ao leigo em geral, verificar no que a nova lei implica às relações eletrônicas.
Criticado por muitos como sendo um código obsoleto e já ultrapassado, pelo fato de somente em 2002 ter sido aprovado o texto do projeto que datava de 1972, cabe salientar que, realmente, em muitos pontos pecou legislador, com disposições que preferimos denominar confusas e contraditórias, ao revés de ultrapassadas. No entanto, em muitos pontos é digno de aplausos o novo sistema legislativo civil.
No tocante à regulação das relações jurídicas via Internet, não trouxe a jovem lei dispositivos específicos. Porém, com uma minuciosa análise do texto do Novo Código Civil, é possível identificar uma série de comandos legais que têm reflexo direto na resolução das lides mais freqüentes que hoje se encontram nos negócios eletrônicos.
Dentre estas questões corriqueiras, destacamos a responsabilidade dos administradores das empresas, a forma de interpretação da manifestação da vontade ao contratar via Internet, a polêmica prova eletrônica, a responsabilidade civil dos sujeitos que figuram nas relações virtuais (consumidor, fornecedor, hospedeiro de sites, spammers, etc), e a privacidade do usuário da grande rede, que serão analisadas no presente trabalho.
II – A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES
Já prevista pela antiga Lei das Sociedades Anônimas, a responsabilidade dos administradores sofreu um reforço legal no texto do Novo Código Civil.
No livro do Direito de Empresa, inexistente no revogado Código Civil, e introduzido pela nova lei civil, o legislador incluiu importante disposição, pela qual se exige, por força de lei, que o administrador da sociedade deverá ter, na administração de seus negócios, todo o zelo e diligência necessários, respondendo, inclusive, solidariamente à sociedade perante terceiros prejudicados por sua culpa no desempenho das funções de administrador.
Em uma análise superficial pode parecer que tal disposição não traz implicações à Internet. Porém, não é verdade. Uma análise profunda do comando legal acima comentado revela que, a partir de agora, os sócios das empresas, para se prevenirem de responsabilidades e reparações que podem atingir até mesmo seu patrimônio pessoal, têm o dever legal de exigir de diretores, gerentes ou CSOs (Chief of Security Officers – Chefes de Segurança) “fechem” as vulnerabilidades nos sistemas eletrônicos, evitando, assim, repercutir qualquer tipo de dano a terceiros.
Da mesma forma, deverão os sócios ter o total empenho e diligência em identificar e processar os responsáveis por invasões, fraudes, e outros ilícitos digitais, sob pena de incorrerem em má gestão, e responderem com seu patrimônio pessoal perante aqueles terceiros lesados com tais eventos, que não foram devidamente apurados pela empresa, e que não tiveram seus responsáveis sujeitados ao devido processo judicial.
III – A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE:
Questão bastante polêmica desde o advento da Internet, a manifestação da vontade dos contratantes eletrônicos sempre gerou dúvidas e discussões, que talvez não terminarão com o advento do novo Código, mas, com certeza, poderão ser reduzidas.
É certo que o revogado Código Civil já trazia a previsão de manifestação tácita da vontade para o aperfeiçoamento do contrato, que podia ser celebrado entre presentes ou ausentes, ocasião em que era perfeitamente válido.
No entanto, o Novo Código Civil trouxe pequenas inovações que em muito contribuem para a validade da manifestação eletrônica da vontade.
Deflui da nova legislação que esta, ao dispor sobre os Fatos Jurídicos, exaltou os princípios da boa-fé, da finalidade social, e dos usos e costumes.
Essa inovação, por menor que possa parecer, é bastante aplicável à questão da manifestação da vontade, eis que a utilização dos usos e costumes possibilita uma consistente demonstração de que o contrato eletrônico foi aceito pelas partes, que manifestaram sua vontade livre e consciente, ainda que por um simples “clicar” do mouse, eivado de boa-fé e para os fins determinados no contrato.
III – A PROVA ELETRÔNICA:
Embora ao longo do tempo a jurisprudência esteja cada vez mais se pacificando pela validade do documento eletrônico como prova judicial, tal questão ainda gera grandes discussões na doutrina.
O primeiro passo para a plena validade do documento eletrônico foi o advento da Medida Provisória 2.200/01, que conferiu segurança à assinatura digital devidamente reconhecida pela ICP-Brasil (Infra-estrutura de Chaves Públicas – Brasil).
O segundo passo ocorreu com o Novo Código Civil, que, ao dispor sobre a Prova, estabelece a validade de qualquer reprodução eletrônica de fatos como prova, colocando fim a qualquer discussão de validade ou não de tal conteúdo probatório.
IV – RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil sofreu inúmeras alterações com o Novo Diploma, mudando bastante a sistemática antiga, baseada na culpa extra-contratual, ou aquiliana, gerando reflexos diretos naqueles que desenvolvem negócios virtuais, em todos os níveis (fornecedor, consumidor, hospedeiro, spammer, etc).
O Novo Código Civil introduziu a responsabilidade objetiva, decorrente do risco do negócio, o que significa dizer que, para determinadas atividades onde se deve assumir os riscos implícitos a ela, o que pode se aplicar a quase a totalidade das relações jurídicas que envolvem o meio virtual, haverá a responsabilidade independente de culpa, bastando o efeito dano à vítima para que lhe seja devida a indenização.
Assim, fornecedores de serviços e produtos através da Internet deverão ter especial atenção na elaboração de seus contratos, ainda que padrões e de adesão, visando elidir tal responsabilidade.
Da mesma forma, hospedeiros de conteúdo deverão, em caráter de urgência, adequar todos os contratos com seus usuários, visando a inserção de inúmeras cláusulas de reserva que se tornarão vitais à atividade, vez que pela introdução da responsabilidade objetiva, qualquer lesado poderá pleitear a indenização diretamente ao provedor de hospedagem, sem sequer se preocupar em identificar o verdadeiro culpado pelo ato ilícito.
Quanto ao spammer, aquele que envia mensagens não solicitadas de conteúdo publicitário, as vezes até ofensivas à moral e aos bons costumes do destinatário, mais difícil se tornará sua atividade, pois a nova lei conceitua como ato ilícito o abuso de direito, ainda que para um fim econômico ou social determinado.
Assim, poderá o spammer ser não só responsabilizado pelos danos materiais e morais que vier a causar, mas também ser impedido de exercer aquela conduta, que excede os limites que a lei lhe confere, o que é uma grande inovação do Novo Código, vez que anteriormente pouco se podia fazer após o recebimento da mensagem não solicitada, quando o direito do destinatário ficava restrito à indenização. Inclusive, tais modificações deverão intensificar a atuação do Ministério Público no combate aos spammers.
Também é importante ressaltar que o Novo Código Civil introduziu o instituto do enriquecimento sem causa, que recebe um capítulo específico na nova lei, e é uma válida inovação, principalmente para tutelar direitos relacionados à proteção de idéias, sistemas, métodos, projetos, planos, esquemas, etc, que beiram o campo do direito autoral e da propriedade industrial, mas, em certos casos, fogem a tal proteção, e, a partir de agora, se tornaram condutas ilícitas e repudiadas pela nova lei civil.
Por fim, cabe salientar as implicações do Novo Código Civil ao consumidor. A princípio, como pode se auferir pelos parágrafos acima, o consumidor passa a ter, a partir de agora, argumentos e direitos ainda mais eficazes contra aqueles que os lesem através de qualquer conduta ilícita, sendo certo que o também recente Código de Defesa do Consumidor, aliado ao Novo Código Civil, se tornam ferramentas bastante eficazes a tutelar os direitos e deveres dos consumidores virtuais.
V – PRIVACIDADE:
O Novo Código Civil também trata da privacidade, ainda que de forma genérica.
Ao dispor sobre os Direitos da Personalidade, a legislação ampliou o poder do magistrado, que poderá, de acordo com sua convicção, adotar providências necessárias para a proteção da intimidade e privacidade das pessoas, o que inclui a imposição de multas e outras restrições adequadas ao ambiente eletrônico.
VI – CONCLUSÃO:
Concluindo o presente trabalho, podemos afirmar que, embora o legislador não tenha se preocupado em tratar especificamente das implicações jurídicas dos negócios virtuais, é nítido que pequenas regras introduzidas pelo Novo Código Civil já poderão surtir efeitos no mundo virtual, sendo positiva a entrada em vigor da nova legislação civil brasileira, embora fosse preferencial que a nova legislação já apresentasse disposições específicas e adequadas ao ambiente digital, reduzindo a discussão dos mais de cento e cinqüenta projetos de lei sobre o tema que atualmente se encontram em tramitação no Congresso Nacional, sendo salutar, talvez, incentivar a discussão para incorporar ao Código Civil atualmente vigente alguns pontos de tais proposições legislativas.
RENATO M. S. OPICE BLUM: Advogado e economista; Professor coordenador de pós-graduação em Direito Eletrônico; Professor da Florida Christian University, Fundação Getúlio Vargas, PUC, Centro Técnico Aeroespacial, Fenasoft e outras; Pós-graduado pela PUC-SP, com extensão na Eastern Illinois University; MBA Essentials in Economics (University of Pittsburgh); Fundador e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI); Presidente do Conselho de Comercio Eletrônico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo; Ex-Presidente e Fundador do Comitê de Direito da Tecnologia da Câmara Americana de Comércio; Autor / Colaborador das Obras: “Direito Eletrônico – a Internet e os Tribunais”, “Comércio Eletrônico”, “Direito & Internet – aspectos jurídicos relevantes”, “Direito da Informática – temas polêmicos”, “Responsabilidade Civil do Fabricante e Intermediários por Defeitos de Equipamentos e Programas de Informática”, “O Bug do Ano 2000 – aspectos jurídicos e econômicos” e outras. E.mail: renato@opiceblum.com.br
MARCOS GOMES DA SILVA BRUNO – Advogado – Sócio da Opice Blum Advogados Associados – Especialista em Direito Eletrônico; Fundador e Ex-diretor do GU de Legislação da SUCESU/SP – Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações de São Paulo; Professor convidado da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Palestrante convidado em várias instituições, tais como Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Camara-e.net), Federação da Indústria do Estado de Minas Gerais (FIEMG), Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), International Business Communications (IBC), e Academia de Desenvolvimento Profissional e Organizacional (ADPO), Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações do Paraná (SUCESU/PR), entre outras; Autor de diversos artigos relacionados ao Direito da Informática e a Internet; Colaborador em diversos veículos de informação; Autor da monografia “Os Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico”; Autor do livro “Resumo Jurídico de Direito Civil – Obrigações e Contratos no Novo Código Civil”. E.mail: mbruno@opiceblum.com.br – www.opiceblum.com.br