JONNY MAIKEL DOS SANTOS
Juiz de Direito na Bahia
Ex-professor substituto da UFRN
Ex-Coordenador Jurídico, Supervisor Jurídico e Advogado da CEF
Ex-Procurador do Município e Advogado no RN.
SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2 – Execução de alimentos. 3 – Salário mínimo e prestação alimentar. 4 – Poder familiar, maioridade, parentesco e obrigação alimentar. 5- Procedimento de exoneração, revisão ou majoração de alimentos após a maioridade 6 – Mudança de paradigma e alimentos em decorrência da afetividade e da desbiologização. 7 – Alimentos: cônjuge e companheiro. 8 – Conclusão.
1 – Introdução.
A noção de entidade familiar passa por um novo momento histórico com mudanças de paradigmas (afetividade e desbiologização).
Na elaboração do Código Civil de 1.916, fundado nas lições do Código Civil Francês e nas relações familiares patriarcais, a entidade familiar era lastreada na família centrada econômica, social e afetivamente na figura do pai ou de outro homem da casa (na ausência do cônjuge varão) e priorizava o interesse deste em detrimento dos demais integrantes da entidade.
Atualmente o direito de família é fundado nos anseios e interesses dos diversos integrantes da entidade familiar considerados tanto de forma global quanto individualmente, passando a priorizar os interesses das crianças, dos adolescentes e das relações afetivas.
A era da desbiologização da paternidade está começando em nosso direito, isso significa que nas relações jurídicas deve ser considerado o laço afetivo e não apenas o estrito laço genético ou biológico ou “registral”.
A nova era não-sangüínea influência todos os sistemas do direito de família principalmente as esferas ligadas aos alimentos, a colocação em família substituta, a sucessão e a divisão de bens.
Neste artigo cabe falar sobretudo da prestação alimentar.
Alimentos são prestações que objetivam atender às necessidades vitais e sociais básicas (como por exemplo, gêneros alimentícios, vestuário, habitação saúde e educação), presentes ou futuras, independente de sexo ou idade, de quem não pode provê-las integralmente por si, seja em decorrência de doença ou de dedicação a atividades estudantis, ou de deficiência física ou mental, ou idade avançada, ou trabalho não auto-sustentável ou mesmo de miserabilidade em sentido estrito.
Com base nos princípios da solidariedade familiar e capacidade financeira são devidos alimentos aos parentes, cônjuges, companheiros ou pessoas integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas (por exemplo, relações sócio-afetivas e homoafetivas) quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento, podendo o inadimplente ser constrangido à prisão civil (nos termos do art. 5º, inciso LXVII, da CF) e/ou incorrer em ilícito penal (por exemplo, arts. 244 e ss. do CP).
O dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores (tecnicamente crianças e adolescentes), enquanto não atingirem a maioridade civil ou por outra causa determinada pela legislação, decorre do poder familiar (arts. 229, primeira parte da CF/88; art. 22 da Lei n o. 8.069/90 – ECA, arts. 1.630, 1.634 e 1.635, inciso III, do NCC); e, por outro lado, alguns parentes (arts. 1.694, 1.696/1.698 do NCC), cônjuges (1.566, inciso III, 1.694, 1.708 do CC atual) companheiros (arts. 1.694, 1.708, 1.724 do NCC) ou pessoas integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas (por exemplo, relações sócio-afetivas e homoafetivas) podem buscar alimentos com base na obrigação alimentar, no direito à vida e nos princípios da solidariedade, capacidade financeira, razoabilidade e dignidade da pessoa humana.
Diante do objetivo dos alimentos, ou seja, atender às necessidades vitais e sociais básicas do alimentando, impossível restrição ou ampliação das prestações sem a garantia do contraditório e da ampla defesa.
Ressalto que, a noção de família passa por um novo momento histórico com mudança de paradigma.
Tento, neste pequeno ensaio, falar sobre temais atuais e controvertidos que envolvem o direito de família nomeadamente no campo dos alimentos.
2 – Execução de alimentos.
A execução da prestação alimentar é regulada pela Constituição Federal (art. 5º, inciso LXVII), pelos arts. 732 e ss. do CPC e pela Lei n o. 5.478/68 (no que não conflitar com a Carta Magna e com o estatuto processual).
A execução da prestação de alimentos deve obedecer primeiramente, quando possível, a regra do art. 734 do CPC (“Art. 734. Quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentícia. Parágrafo único. A comunicação será feita à autoridade, à empresa ou ao empregador por ofício, de que constarão os nomes do credor, do devedor, a importância da prestação e o tempo de sua duração”).
Somente quando inviável a aplicação do art. 734 do CPC (com o efetivo desconto em folha da prestação alimentícia) devem ser aplicadas às regras do art. 733 do mesmo Estatuto; e, por último, os ditames dos arts. 732 e 646 e ss., todos do referido Código.
Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, provisórios ou definitivos, em regra, atuais, o juiz mandará, a pedido do credor, citar o devedor para, em 03 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. No caso do devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 01 (um) a 03 (três) meses, independentemente de prévia manifestação do representante do Ministério Público. O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
Ressalto que, a prisão civil coativa não deve ser decreta de ofício.
A decisão que decreta a prisão civil, nos termos do art. 733 do CPC, deve ser fundamentada, mesmo que o devedor não apresente qualquer justificativa.
A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a prisão civil coativa (art. 733 do CPC) não é aplicável se o credor dos alimentos tarda em executá-los.
A prisão só pode ser decretada se as prestações dos últimos três meses deixarem de ser pagas incluídas, além destas, na execução, as parcelas que vencem após o início da execução, pois pensar de modo diverso levaria a conclusão incoerente de que a demora no caminhar processual beneficiária o devedor em detrimento do necessitado, expondo este a restrições indevidas, conforme os obstáculos e incidentes criados pelo devedor.
Em regra, a incidência do procedimento previsto no art. 733 do CPC somente é aplicável quando a execução tratar das três últimas prestações devidas à data do mandado de citação acrescido das vincendas no curso do caminhar processual, ficando a cobrança da dívida pretérita não prescrita para o rito do art. 732 do mesmo diploma (sem possibilidade de prisão civil). Sobre o tema, veja-se:
“EMENTA: Alimentos. Execução. Três prestações vencidas e mais as que se venceram no curso do processo. Precedentes da Corte.
1. O pagamento das três prestações vencidas antes do ajuizamento, sem o pagamento daquelas vencidas no curso do feito, não é suficiente para extinguir a execução.
2. Recurso especial conhecido e provido. (RESP 470246 / DF ;
RECURSO ESPECIAL2002/0119752-2, DJ DATA:25/08/2003 PG:00301, Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO).”
“Ementa RHC. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO. DÉBITO QUE SE ESTENDE AO LONGO DO TEMPO. CONSTRIÇÃO QUE SE LIMITA AO ADIMPLEMENTO DAS PRESTAÇÕES MAIS RECENTES. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM DE HABEAS CORPUS. EMBARGOS ACOLHIDOS EM PARTE. SEM EFEITO MODIFICATIVO.
I. A pena de prisão por dívida alimentar tem como pressuposto a
atualidade do débito, de sorte que determinada a constrição como meio de coagir à quitação de prestações inadimplidas por mais de três meses, cabível é a concessão parcial da ordem para
condicioná-la, apenas, ao pagamento das três últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da execução e as vincendas durante o
trâmite do processo executivo.
II. Embargos acolhidos em parte, sem efeito modificativo (EDRHC 13762 / RJ ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM HABEAS CORPUS
2002/0165684-3, DJ DATA:01/09/2003 PG:00288, Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR).”
Cabe ressaltar, por outra ponta, que a prisão por dívida alimentar tem cabimento relativamente ao temperamento das três últimas parcelas anteriores à propositura da execução quando o devedor não é contumaz, pois se restar constatada a inércia reincidente do executado, este não terá nenhum benefício, ficando preso pelo prazo determinado em lei, enquanto não pagar tudo que deve (HC 11.176-SP – STJ; RESP 157.647-SP-STJ; HC 11.163-MG – STJ; HC 14.841-SC – STJ; HC 16.602-SP – STJ; RO 8.880- DF – STJ e RHC 11.724-SP – STJ), veja-se:
“EMENTA: Alimentos. Prisão.
É da jurisprudência que não se decreta a prisão, tendente a forçar o pagamento de alimentos, quando o credor deixa acumular numerosas prestações, fazendo com que o débito se torne especialmente elevado.
Em tal caso, a coerção se referirá apenas às três últimas.
Entendimento que não é de aplicar-se, entretanto, quando não se verifica inércia do credor que, para receber o devido, se vê forçado a movimentar sucessivas execuções, dada a atitude do alimentante, recusando-se a cumprir o determinado (HC 11176 / SP;HABEASCORPUS,1999/0101703-3, DJ DATA:15/05/2000 PG:00154, REVJMG VOL.:00152 PG:00603, rel. Min. EDUARDO RIBEIRO).”
No caso do devedor não pagar a prestação alimentícia, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 01 (um) a 03 (três) meses, nos termos do art. 733, §1º, do CPC, derrogado, deste modo, o art. 19 da Lei n o. 5.478, de 25.07.68.
O prazo de prisão deve ser, em regra, fixado em um (01) mês, e somente quando o devedor for “reincidente na prisão” ou inadimplente contumaz poderá, o juiz, analisado o caso concreto, fixar prazo superior ao mínimo legal.
A decretação da prisão acima do prazo mínimo deve ser expressamente fundamentada.
A prisão não pode ser banalizada, mas sempre deve ser decretada quando presentes os requisitos legais combinados com os temperamentos do princípio da razoabilidade.
3 – Salário mínimo e prestação alimentar.
Prescreve o art. 1.710 do NCC:
“Art. 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido.”
A regra prevista no art. 1.710 do NCC determinando que as prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido é lacunosa e desnecessária, posto que pode o julgador fixar a pensão alimentícia com base em salário mínimo sem ofensa ao art. 7º, inciso IV, da CF, já que os alimentos têm por finalidade garantir aos beneficiários as mesmas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores.
Sobre o tema segue decisão proferida pelo STF antes do novo CC:
“Ementa: AÇÃO DE ALIMENTOS. FIXACÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA COM BASE EM SALÁRIO MÍNIMO. ALEGAÇÃO DE MALTRATO AO ARTIGO 7., INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A fixação de pensão alimentícia tem por finalidade garantir aos beneficiários as mesmas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral pelo texto constitucional. De considerar-se afastada, por isso, relativamente a essa hipótese, a proibição da vinculação ao salário mínimo, prevista no inciso IV do artigo 7. da Carta Federal. Recurso Extraordinário não conhecido (RE 134567 / PR PARANA,RECURSOEXTRAORDINÁRIO,Relator(a): Min.ILMAR GALVAO, Julgamento: 19/11/1991 ,PRIMEIRA TURMA, Publicação: DJ DATA-06-12-91 PP-17829 EMENT VOL-01645-03 PP-00378 RTJ VOL-00139-03 PP-00971).”
4 – Poder familiar, maioridade, parentesco e obrigação alimentar.
Sobre o poder familiar prescreve o art. 1.630 do NCC:
“Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”
O poder familiar substituto do pátrio poder do revogado Código Civil de 1.916 é um sistema de direitos e deveres, limitado pelas normas jurídicas, que permeia a relação entres os pais e seus filhos na qualidade de crianças ou adolescentes, não emancipados ou não sujeitos a outra restrição familiar legal ou judicial, propiciando legitimamente a forma como devem ser cumpridos os ditames impostos pela legislação para formação da pessoa em desenvolvimento com dignidade social e humana na entidade familiar e na sociedade.
O poder familiar é exercido pelos pais, quanto à pessoa dos filhos, competindo, enquanto não atingirem a maioridade civil ou por outra causa determinada pela legislação, dirigir-lhes a criação e educação; mantê-los em sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade até a maioridade ou cessação da incapacidade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; e, exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
E, extingue-se, o poder familiar, pela morte dos pais ou do filho; pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único do NCC; pela maioridade; pela adoção; e, por decisão judicial, na forma do artigo 1.638 do NCC (“art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo 1.637”).
Sobre a maioridade civil e cessação da incapacidade ensinava o revogado Código Civil:
“Art. 9o Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.
§ 1o Cessará, para os menores, a incapacidade: (Parágrafo único renumerado pelo Decreto nº 20.330, de 27.8.1931)
I – por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;
II – pelo casamento;
III – pelo exercício de emprego público efetivo;
IV – pela colação de grau científico em curso de ensino superior;
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.
§ 2o Para efeito do alistamento e do sorteio militar cessará a incapacidade do menor que houver completado 18 (dezoito) anos de idade. (Redação dada pelo Decreto nº 20.330, de 27.8.1931)”
O atual Código Civil estatui diversamente sobre a maioridade civil e a cessação da incapacidade, veja-se:
“Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II – pelo casamento;
III – pelo exercício de emprego público efetivo;
IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”
A modificação trazida pelo novo Código Civil quanto à maioridade civil informado que a menoridade cessa aos dezoito anos completos não exclui, por si só, a obrigação dos pais de prestarem alimentos aos filhos, devendo prevalecer o princípio da solidariedade familiar e da dignidade da pessoa humana.
Após a maioridade dos filhos e a cessação do poder familiar, nos termos dos arts. 5º e 1.630 e ss. do NCC, não cessa definitivamente a obrigação de prestar alimentos.
Com a maioridade cessa somente o dever de sustento, porém é mantido o parentesco, assim desaparece o dever, e, em regra, sem solução de continuidade, é mantida à obrigação alimentar em decorrência da relação de parentesco.
O dever de sustento dos filhos se extingue com a maioridade, quando cessa o poder familiar, entretanto, a obrigação alimentar decorrente da relação de parentesco pode continuar se comprovado o prolongamento da necessidade do alimentando.
Os genitores têm o dever quase que absoluto de assistir, criar e educar os filhos até a maioridade destes em decorrência do poder familiar (art. 5º e 1.630 do NCC).
Vale notar que, inexiste direito absoluto a alimentos, entretanto, a obrigação de prestar alimentos somente deixará de ser exigida no caso de inadimplemento involuntário e escusável de obrigação alimentícia.
Ressalto que, desde muito tempo, o Judiciário tendo como um dos fundamentos históricos à aplicação do Regimento do Imposto de Renda (art. 82, § 3º do Dec. 58.400, de 10.05.1966 e Lei 1.474, de 26.11.1951) passou a garantir a prestação alimentícia até que o filho completa-se 24 anos de idade, desde que estivesse cursando estabelecimento de ensino, salvo na hipótese de possuir rendimento próprio. Assim, desde muito tempo, não se aplica à maioridade, por si só, como parâmetro automático para cessação da prestação alimentar.
Sobre o tema, veja-se:
“São considerados encargos de família, os filhos que até 24 anos de idade estejam cursando estabelecimento de ensino superior não gratuito”. (TJSC, Apelação Cível n. 98.004021-3, de Joinville, rel. Des. Orli Rodrigues, Primeira Câmara Civil, j. 18.8.98).
“… Cursando o filho escola universitária, presume-se a necessidade de alimentos até que complete 24 anos” (RT 640/77).
“ALIMENTOS – Exoneração pretendida – Filha que completa 21 anos, que não tem rendimentos próprios e cursa estabelecimento de ensino superior – Prestação devida pelo pai – Confirmação da sentença” (RJTJSP 60/40).
Vale notar, que mesmo quando o alimentando (contando com 21 anos de idade), efetua trabalhos esporádicos e ainda não cursa estabelecimento de ensino superior, mas, apenas, 2º Grau, podem ser devidos alimentos pelo genitor, veja-se:
“O autor da ação de alimentos tem direito à percepção destes desde a citação até completar a maioridade civil ou até 24 anos se for estudante ou estiver desempregado.”
“Apresenta-se razoável a fixação dos alimentos em 10% dos rendimentos do varão ao alimentante, jovem, que tem de suprir complexo variado de necessidades, efetua trabalhos esporádicos e ainda cursa, aos 21 anos, o supletivo de 2º Grau.” (TJSC, Apelação cível n. 00.017798-9, de Barra Velha.Relator: Des. Carlos Prudêncio).
Ensinam os 229 e 230 da CF que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade; e, a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Complementado as determinações constitucionais e independentes de fatores como a maioridade, sexo, ou de limite de idade o NCC no seu art. 1.694 prescreve que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação, devendo ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
Ressalto, desde logo, que o art. 1.694 do NCC, acompanhado os avanços da jurisprudência, ensina que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros alimentos para atender às necessidades ligadas à educação.
E, ainda, os arts. 1.696/1697 do NCC correspondentes aos arts. 397/398 do CC/1916 prescrevem que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros; e, na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Ultimamente, por um vértice, o Judiciário é flexível quanto à inexistência de limitação de idade ou sexo para prestação de alimentos fundada na relação de parentesco; e, por outro, a maioria dos tribunais reconhece como sendo rígida e taxativa a restrição quanto aos parentes que devem prestar alimentos.
Quais parentes devem prestar alimentos?
A obrigação de prestar alimentos primeiramente nasce entre pais e filhos independente de idade, sexo ou condição social. Assim, por exemplo, o filho deve pedir alimentos ao pai e a mãe, e, se estes não tiverem condições, pode postular perante todos os ascendentes, de forma exclusiva ou proporcionalmente, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, ou seja, avós paternos ou maternos, e na impossibilidade total ou parcial destes, bisavós paternos ou maternos, caminhando sempre sucessivamente em linha reta.
Porém, se todos os ascendentes não tiverem condições de prestar satisfatoriamente a obrigação alimentar, caberá a obrigação aos descendentes guardada a ordem da sucessão, ou seja, filho(s), depois neto(s), bisneto(s) e assim por diante em linha reta.
Mas, persistindo a necessidade, na falta dos ascendentes e descendentes, cabe, por fim, ressalva a responsabilidade do Estado Democrático de Direito e a decorrente das relações afetivas (duradouras, públicas e contínuas), a obrigação alimentar aos irmãos colaterais de segundo grau (germanos – filhos do mesmo pai e mãe; ou, unilaterais – filhos de pais diversos) de forma conjunta e proporcional. Assim, em regra, ficam excluídos todos os demais parentes que ultrapassem a linha colateral em segundo grau, como por exemplo, o tio em relação ao sobrinho ou os primos entre si. Nesse sentido:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS. TIOS E SOBRINHOS. DESOBRIGAÇÃO. DOUTRINA. ORDEM CONCEDIDA.
I – A obrigação alimentar decorre da lei, que indica os parentes obrigados de forma taxativa e não enunciativa, sendo devidos os alimentos, reciprocamente, pelos pais, filhos, ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, não abrangendo, conseqüentemente, tios e sobrinhos.
II – O habeas corpus, como garantia constitucional contra a ofensa à liberdade individual, não se presta à discussão do mérito da ação de alimentos, que tramita pelas vias ordinárias, observando o duplo grau de jurisdição.
III – Posicionando-se a maioria doutrinária no sentido do descabimento da obrigação alimentar de tio em relação ao sobrinho, é de afastar-se a prisão do paciente, sem prejuízo do prosseguimento da ação de alimentos e de eventual execução dos valores objeto da condenação (HC 12079 / BA ; HABEAS CORPUS, 2000/0009738-1,DJ-DATA:16/10/2000,PG:00312, JBCC,VOL.:00185,PG:00446,RBDF VOL.:00008 PG:00112
RT VOL.:00786 PG:00215, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA)”.
Chamo a atenção para o disposto no art. 1.698 do NCC de natureza material e processual, sem correspondência no CC/1916, que, com base no princípio constitucional da razoabilidade, estabelece que se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Por outro ponto, os cônjuges ou companheiros não são parentes em relação aos respectivos integrantes do casal, mas, independente do sexo, podem exigir alimentos com fundamento no princípio da solidariedade social. Esclareço, desde agora, que este ponto será tratado mais adiante.
Também, conforme será visto abaixo, podem ser exigidos alimentos em decorrência das relações afetivas duradouras, públicas e contínuas.
Vale dizer, que, a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, competindo ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação. E, no caso de cônjuges separados judicialmente devem contribuir na proporção de seus recursos para a manutenção dos filhos.
O direito a alimentos é irrenunciável, portanto, mesmo que o credor não o exerça lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora e a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694 do NCC (mas, advirto que, somente nos limites da força da herança).
O prazo prescricional é de dois anos para exercício da pretensão das prestações alimentares vencidas contado da data em que se vencerem (art. 206, § 2º, do NCC).
5 – Procedimento de exoneração, revisão ou majoração de alimentos após a maioridade.
A coisa julgada no direito de família é flexível e cada vez mais surgem novidades sobre o tema.
A relativização da coisa julgada no direito de família não é só possível nas lides de alimentos, mas também nas ações de investigação de paternidade com pedido julgado improcedente por falta de provas (REsp n. 226.436-PR, DJ 04/02/2002 e RESP 330172/RJ, DJ DATA:22/04/2002, pg.:00213
RSTJ VOL.:00158, pg.:00409), diante das próprias peculiaridades destas (ações de estado etc.).
Neste ensaio cabe falar somente sobre as lides de alimentos.
Na linha já narrada outrora, também entende o STJ que, o simples fato da maioridade nem sempre significa imediata cessação da prestação alimentar, nesse sentido:
“EMENTA: AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. CONSIDERANDO NÃO PROVADOS OS FATOS ALEGADOS NA INICIAL, NÃO E POSSIVEL JULGAR-SE PROCEDENTE AÇÃO, LEVANDO EM CONTA O PROCEDIMENTO DO PROPRIO AUTOR, QUE TERIA DESATENDIDO AOS DEVERES DO CASAMENTO. AUSENCIA DE RECONVENÇÃO DA MULHER QUE, AO CONTRARIO, OPÕE-SE A SEPARAÇÃO.
ALIMENTOS – FILHOS. O FATO DA MAIORIDADE NEM SEMPRE SIGNIFICA NÃO SEJAM DEVIDOS ALIMENTOS. HIPOTESE EM QUE O ACORDO QUE ESTABELECEU A PENSÃO FOI CONCLUIDO QUANDO OS FILHOS JA ERAM MAIORES (RESP 4347/CE, 1990/0007451-7, DJ DATA:25/02/1991 PG:01467, Min. EDUARDO RIBEIRO).”
A questão está em saber como se há de agir processualmente em casos tais.
Estatui o art. 15 da Lei n. 5.478/68:
“A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados”.
Diante da determinação do art. 15 da Lei n. 5.478/68 duas posições imperam, veja-se:
A) – uma corrente entende que os alimentos fixados por sentença, em favor dos filhos “menores” (tecnicamente crianças e adolescentes), se extinguem ipso jure e automaticamente com a maioridade civil dos favorecidos; e, assim , pode a prestação cessar de ofício por iniciativa do julgador ou mediante provocação por meio de simples petição protocolada pelo interessado, sem a garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido:
“Alimentos – Obrigação alimentar – Filho – Maioridade atingida – Cessação automática do dever de pagá-los (…) (TJSP, 1º CC, Agravo por instrumento n o. 260.325-1-SP, Rel. Dês. Renan Lotufo, j. em 19.9.1995, in Boletim AASP no. 1.950, de a 14.05.1996, p. 36-e).”
Em que pese o respeito ao posicionamento adotado na decisão acima, entendo que esta posição fere o disposto no art. 5º, incisos LIV e LV da CF, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Assim passo a falar, no meu entender, sobre a posição mais consentânea com a ordem constitucional.
B) – a segunda corrente consentânea com a Constituição Cidadã entende que para a extinção da prestação alimentar, já fixada em sentença, é necessária a iniciativa do devedor em pedido dirigido ao juiz, nos próprios autos originários em que foi fixada a obrigação, com ouvida da parte contrária e produção de provas; ou, em processo autônomo de revisão ou exoneração de alimentos; sendo certo que, em ambas as situações, deve ser garantido o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, com observância do art. 5º, incisos LIV e LV, da CF e possibilidade de manifestação do Ministério Público (não obrigatoriedade, salvo casos justificados, como por exemplo, requerido deficiente físico).
É praxe dos alimentantes, por economia processual, requerem, nos próprios autos da ação originária, o cancelamento da obrigação alimentar ou a proporcional redução da pensão, diante da maioridade de algum dos filhos; e, neste caso, os juízes geralmente aceitam esse procedimento e determinam a intimação dos interessados, com deferimento incontinente do pedido somente no caso de concordância do credor; e, por outro lado, se o alimentando alegar que ainda necessita da prestação, podem ser adotadas as seguintes alternativas:
B. 1 – ) o devedor é encaminhado à ação de exoneração ou revisão de alimentos; ou,
B.2 – ) é instaurado, nos mesmos autos, o contraditório e o magistrado decide pela procedência (total ou parcial) do pedido ou pela manutenção da prestação alimentar.
Creio que quaisquer das posições referidas (no ponto “B” acima) devem ser aceitas, pois garantam o disposto no art. 5º, incisos LIV e LV da CF.
Sobre o tema ensina o Min. RUY ROSADO DE AGUIAR no RESP 347010/ SP:
“Verifico que, realmente, o fato da maioridade é causa extintiva ipso jure do dever que decorre do pátrio poder, por isso não é razoável se imponha ao alimentante a iniciativa de uma ação de exoneração, com todos os inconvenientes que disso decorrem. De outro lado, é também muito comum que o filho, ao atingir a maioridade, ainda necessite da contribuição paterna, pelas muitas razões que a experiência do foro revela, dadas suas condições sociais, físicas, educacionais e financeiras, especialmente entre os da classe média, que freqüentam curso superior. “O fato da maioridade”, disse o Min. Eduardo Ribeiro, “nem sempre significa não sejam devidos alimentos” (REsp 4347/CE). Tal seja o caso, não seria razoável o automático cancelamento da prestação, a exigir do filho ingressar com ação de alimentos para manter a prestação alimentar, uma vez que se trata de simples continuidade da situação existente. Por isso, chego à conclusão de que acertados estão os juízos de família que adotam a praxe de extinguir a obrigação mediante solicitação do obrigado, nos autos do processo em que consignada a obrigação, ouvidos os interessados e o Ministério Público. Se concordes, e isso também é comum e vezes tantas o pedido já vem acompanhado da anuência do beneficiário, o juiz decide pela extinção. Com a discordância, cabível a produção sumária de prova, com sentença decidindo pelo cancelamento ou, ao reverso, assegurando a continuidade da prestação. Quando não for possível decidir a questão nos próprios autos da ação originária em que o alimentante atravessou o seu pedido, então seria de encaminhar as partes para a ação de alimentos (a ser instaurada pelo filho) ou para a ação de exoneração ou de modificação (de autoria do pai).”
Veja-se também:
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. PENSÃO ALIMENTÍCIA PAGA A FILHO ENTÃO MENOR POR FORÇA DE ACORDO EM SEPARAÇÃO CONSENSUAL. MAIORIDADE. PEDIDO DE CANCELAMENTO DA PENSÃO FEITO NOS PRÓPRIOS AUTOS. PROCESSAMENTO COM CONTRADITÓRIO. EXAME DO MÉRITO. MANUTENÇÃO DOS ALIMENTOS. RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7-STJ.
I. Se ao pedido de cancelamento da pensão, formulado pelo pai alimentante no bojo dos autos do processo de separação consensual, em face da maioridade do filho, foi dado processamento litigioso, com observância de contraditório e colheita de provas, não há efeito prático, senão propósito procrastinatório, em perquerir, a tal altura, depois de apreciada profundamente a controvérsia, qual a ação cabível e a quem pertencia a sua iniciativa, se ao filho maior em ajuizá-la para postular a manutenção, ou ao genitor alimentante em pedir a exoneração.
II. Decidido pelo Tribunal estadual, soberano na interpretação da prova, sobre a necessidade do filho maior estudante, a ser provida com pensão alimentícia pelo pai (arts. 396 e 397 do CC), o reexame da questão encontra, em sede especial, o óbice da Súmula nº 7 do STJ.
III. Recurso especial não conhecido (RESP 306791 / SP ; RECURSOESPECIAL,2001/0023817-3, DJ DATA:26/08/2002 PG:00228, Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR).”
“EMENTA: ALIMENTOS. Filhos. Maioridade. Extinção. – Atingida a maioridade do filho, o alimentante pode requerer, nos autos da ação em que foram estipulados os alimentos, o cancelamento da prestação, com instrução sumária, quando então será apurada a eventual necessidade de o filho continuar recebendo a contribuição.
– Não se há de exigir do pai a propositura de ação de exoneração, nem do filho o ingresso com ação de alimentos, uma vez que tudo pode ser apreciado nos mesmos autos, salvo situação especial que recomende sejam as partes enviadas à ação própria.
Recurso conhecido pela divergência, mas desprovido (RESP 347010 / SP ; RECURSO ESPECIAL, 2001/0098626-3, DJ DATA:10/02/2003 PG:00215, RNDJ VOL.:00040 PG:00109, Min. RUY ROSADO DE AGUIAR).”
E, a garantia probatória deve ser mantida com manutenção das regras processuais descritas no art. 333 do CPC, sem qualquer inversão do ônus da prova, ou seja, a parte que requerer qualquer alteração da sentença terá que comprovar os fatos alegados.
Basílio de Oliveira anota:
” (…) a atividade probatória deverá estar centrada na demonstração do desequilíbrio do binômio possibilidade/necessidade, impondo ao autor tomar evidente os seguintes pressupostos essenciais:
a) a diminuição dos seus recursos econômicos;
b) aumento dos recursos financeiros do réu;
c) diminuição ou ausência de necessidade da pensão revidenda;
d) causas de extinção automática da obrigação alimentar” (in Alimentos: Revisão e exoneração, 3a. ed., Ed. Aide, Rio de Janeiro, 1994, pág. 122).
Ensina o art. 1.699 do NCC que sobrevindo mudança na situação financeira de quem preste alimentos fixados ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Decisão, já sob a vigência do NCC, sobre o tema ensina que:
“Ementa: CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS FUNDADA NO DEVER DE SUSTENTO DECORRENTE DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO – MAIORIDADE CIVIL – NÃO REPERCUSÃO – MATÉRIA DE MÉRITO. 1. SE A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DECORRE DE SENTENÇA JUDICIAL CUJO FUNDAMENTO FOI O DEVER DE SUSTENTO DECORRENTE DAS RELAÇÕES DE PARENTESCO (ART. 399 DO ANTIGO CÓDIGO CIVIL), A ALEGAÇÃO DE MAIORIDADE CIVIL DO ALIMENTANDO É IRRELEVANTE PARA A CONSTITUIÇÃO DO DIREITO SUBJETIVO DO ALIMENTANTE. 2. O CABIMENTO OU NÃO DO PEDIDO SE CONSTITUI MATÉRIA DE MÉRITO E DEVE SER ANALISADO APÓS O REGULAR PROCESSAMENTO DA LIDE. 3. APELO PROVIDO. SENTENÇA CASSADA (TJDFT, Classe do Processo : APELAÇÃO CÍVEL 20020510053618APC DF , Registro do Acordão Número : 175532 , Data de Julgamento : 29/05/2003 , Órgão Julgador : 2ª Turma Cível , Relator : ADELITH DE CARVALHO LOPES , Publicação no DJU: 13/08/2003 Pág. : 33, até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3).”
É incontestável que, em regra, o contraditório, o devido processo legal e ampla defesa não podem ser afastados.
6 – Mudanças de paradigmas e alimentos em decorrência da afetividade.
A noção de entidade familiar passa por um novo momento histórico com mudanças de paradigmas (afetividade e desbiologização).
As normas jurídicas devem ser abstratas, porém o aplicador do direito deve observar o fato social para melhor adequar a norma aos fatos e valores sociais.
Na elaboração do Código Civil de 1.916 a entidade familiar era lastreada na família centrada econômica, social e afetivamente na figura do pai ou de outro homem da casa (na ausência do cônjuge varão) e priorizava o interesse deste em detrimento dos demais integrantes da entidade; assim, nesta ótica, o direito de família espelhava regras que colocavam em segundo plano, por diversas vezes, os interesses dos demais integrantes (como, por exemplo, as crianças).
Atualmente o direito de família é fundado nos anseios dos diversos integrantes da entidade familiar passando a priorizar os interesses das crianças, dos adolescentes e das relações afetivas.
A constituição de 1.988 contribuiu para o início das mudanças de paradigmas dentro da família e hoje não se pode interpretar e estudar a normas jurídicas sem observar as diretrizes constitucionais e o fato social.
O conceito de entidade familiar é aberto e abrange além dos relacionamentos decorrentes do casamento, as relações sócio-afetivas, as uniões estáveis heterossexuais, os vínculos monoparentais, as relações homossexuais ou homoeróticas atualmente conhecidas como relações homoafetivas ou uniões estáveis entre pessoas de mesmo sexo.
Com base no princípio da solidariedade familiar e considerando a amplitude de entidade familiar lastreada nas relações afetivas duradouras, públicas e contínuas com objetivo concreto de constituição de família podem ser pleiteados alimentos, por exemplo, entre madrasta e enteado, sobrinhos criados por tios com se fossem filhos, ou entre pessoas do mesmo sexo em união estável homoafetivas, assim, diante do ordenamento constitucional vigente e dos princípios da razoabilidade e lógica do razoável é possível flexibilizar os rigores dos arts. 1.696 e 1.697 do NCC.
A era da desbiologização da paternidade está começando em nosso direito e na jurisprudência, isso significa que nas relações jurídicas devem ser considerados os laços afetivo e social e não apenas o estrito laço genético ou biológico.
As relações sócio-afetivas constituem verdadeiras entidades familiares não-sanguíneas, hoje tão importantes; e, já reconhecidas pelo Judiciário, prevalecendo até mesmo sobre a verdade “registral” ou genética.
Exemplo de relação sócio-afetiva é a popularmente conhecida “adoção a brasileira” na qual o registro de nascimento é realizado com o objetivo nobre de reconhecer a paternidade sócio-afetiva em detrimento da paternidade biológica. Veja-se o exemplo hipotético abaixo.
Um senhor conhecido por “Fulano” apaixonado por uma senhora de nome “Cicrana” tem conhecimento que esta têm dois filhos (“Menino” e “Menina”) e que o genitor biológico “Beltrano” não reconheceu a paternidade destes e também rejeita os próprios filhos.
Então, “Fulano”, depois de muito tempo de namoro, resolve se casar com “Cicrana” e dias depois da “lua de mel”, com concordância desta, vai até o cartório de registro de civil competente e reconhece a paternidade dos filhos de “Cicrana” com se pai fosse o genitor biológico.
“Fulano” passa a tratar “Menino” e “Menina” com verdadeiros filhos sem qualquer preconceito ou distinção no lar ou perante a sociedade local.
Passados mais de quarenta anos de casamento (e já separado de fato há dois anos) “Fulano” conhece uma jovem senhora de nome “Fulaninha” e resolve terminar legalmente o relacionamento com “Beltrana”.
Após o divorcio amigável e a partilha dos bens, “Fulano” confessa a “Fulaninha” que seus dois filhos (“Menino” e “Menina”) não são seus filhos biológicos e que procedeu a conhecida “adoção a brasileira”.
Verificando, “Fulaninha”, que o senhor “Fulano” não tem ascendentes, nem filhos biológicos resolve pressionar o companheiro para que este proponha ação negatória de paternidade.
“Fulano” sucumbindo às pressões de “Fulaninha” propõe ação negatória de paternidade em desfavor dos filhos. Os réus apresentam contestação e alegando que mesmo não estando presente a paternidade genética nunca foram tratados de foram preconceituosa pelo pai, mas pelo contrário sempre foram tratados com amor e carinho com verdadeiros filhos; e, que o amor entre os litigantes continua, sendo comum à visitação diária entre os litigantes, apesar do novo relacionamento do pai.
Durante a instrução o autor (“Fulano”), no seu depoimento pessoal, afirma que procedeu a “adoção a brasileira” e confirma todos os fatos narrados na contestação, mas sustenta que todos da família sabem que não existe paternidade biológica e ratifica o pedido da exordial referente à produção de exame de DNA. Os réus afirmam que não são contrários a realização do exame de DNA e sabem que não são filhos genéticos do autor.
As testemunhas arroladas pelas partes litigantes foram uníssonas em afirmar que o autor sempre tratou os réus como filhos e as pequenas brigas que tiveram somente ocorreram após o divórcio dos pais dos réus; e, que todos os parentes, bem como os réus sabem da “adoção a brasileira” procedida pelo autor, mas ficaram abismados com o comportamento e discriminação do demandante.
Ora, será que a paternidade afetiva de 40 (quarenta anos) deve ser totalmente desconsidera?
Entendo que, no caso hipotético acima referido, a ação de investigação de paternidade deve ser julgada improcedente em decorrência da presença incontestável da paternidade sócio-afetiva; e, ressalto que, em casos devidamente justificados, é possível uma única pessoa ter mais de uma paternidade ou maternidade (afetiva e genética de pais diversos no mesmo registro).
Sobre o tema referido acima, veja-se:
“EMENTA: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAMES GENÉTICOS QUE EXCLUEM A PATERNIDADE. DECADÊNCIA. INTERESSE DO MENOR. EMBORA RESULTADOS PERICIAIS QUE EXCLUEM A PATERNIDADE, NÃO DESTOA DA RAZOABILIDADE O AGIR DE OFICIO DO JULGADOR, QUE EXTINGUE A DEMANDA PELA FLUÊNCIA DA DECADÊNCIA (CC, 178, PAR-3), EIS QUE AS REGRAS MATERIAIS NÃO FORAM REVOGADAS PELA CONSTITUIÇÃO. AO CONTRÁRIO, O ECA RECOMENDA A PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES DO MENOR, POIS A PATERNIDADE, HOJE, É FUNCIONAL, SÓCIO-AFETIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. POR MAIORIA. (12FLS.) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70000849349, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 28/06/2000)”
“EMENTA: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ADOÇÃO “A BRASILEIRA”. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. O REGISTRO DE NASCIMENTO REALIZADO COM O ANIMO NOBRE DE RECONHECER A PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA NÃO MERECE SER ANULADO, NEM DEIXADO DE SE RECONHECER O DIREITO DO FILHO ASSIM REGISTRADO. NEGARAM PROVIMENTO.(7FLS). (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003587250, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: RUI PORTANOVA, JULGADO EM 21/03/2002)”.
“EMENTA: PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. QUEM, SABENDO NÃO SER O PAI BIOLÓGICO, REGISTRA COMO SEU FILHO DE COMPANHEIRA DURANTE A VIGÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL ESTABELECE UMA FILIAÇÃO SÓCIO-AFETIVA QUE PRODUZ OS MESMOS EFEITOS QUE A ADOÇÃO, ATO IRREVOGÁVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. O PAI REGISTRAL NÃO PODE INTERPOR AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA BUSCAR A ANULAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO, POIS INEXISTE VICIO MATERIAL OU FORMAL A ENSEJAR SUA DESCONSTITUIÇÃO. EMBARGOS REJEITADOS, POR MAIORIA. (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 599277365, QUARTO GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 10/09/1999)”.
“EMENTA: NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.REGISTRO FEITO PELO COMPANHEIRO DA GENITOR.ERRO.DESCONSTITUIÇÃO.PRAZO DECADENCIAL. E DE DESCONSTITUIÇÃO DE REGISTRO,OU ANULATÓRIA DE RECONHECIMENTO, A AÇÃO PROPOSTA PELO CONVIVENTE QUE ADUZ VÍCIO DE CONSENTIMENTO.AFASTA-SE O LAPSO TEMPORAL,EIS QUE IMPRESCRITÍVEIS AS AÇÕES DE ESTADO.CONTUDO,NO CASO,RESTA INDEMONSTRADO O VICIO MATERIAL OU FORMAL NECESSÁRIOS A PROCEDÊNCIA,VALORIZANDO-SE A PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. APELO DESPROVIDO. 6 FLS. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003605482, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 13/03/2002)”.
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. DECADÊNCIA. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. EMBORA O RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE DECADÊNCIA DO DIREITO DO PAI REGISTRAL INTENTAR AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE, RECONHECIDO TAMBÉM QUE, PELA PROVA QUE RESIDE NOS AUTOS, OCORREU ENTRE PAI E FILHO VERDADEIRA RELAÇÃO QUE CONFIGURA PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA, IMPÕE-SE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. APELO IMPROVIDO. (7FLS.) – SEGREDO DE JUSTICA – (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003354669, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE, JULGADO EM 29/11/2001)”.
Por outro ponto, a união estável homossexual ou homoafetiva ainda não foi plenamente reconhecida pela Doutrina e pelo Judiciário.
É fato social indiscutível a união de pessoas do mesmo sexo com intenção de constituir família e o direito não pode fechar os olhos para esta realidade, pois o direito é fato, valor e norma.
Especificamente sobre as uniões homoafetivas vigoram duas correntes.
A primeira corrente entende que as relações homossexuais, homoeróticas ou homoafetivas não se constituem em união estável, nem entidade familiar, pois a Constituição (art. 226, § 3º), o Novo Código Civil (arts. 1.723/1.727) e as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 exigem a diversidade de sexos para a união, assim, o relacionamento homoafetivo entre duas mulheres ou dois homens não tem natureza familiar, pois o reconhecimento de uma união estável deve obrigatoriamente possibilitar a conversão desta em casamento de pessoas de sexos diversos; portanto, para a corrente tradicional, as uniões homoafetivas não estão inseridas no campo do direito de família, mas no âmbito do direito das obrigações, sendo inviáveis os pleitos referentes a alimentos e sucessão em decorrência da morte ou dissolução da união dos companheiros.
Ensina SÍLVIO DE SALVO VENOSA (in “Direito Civil – Direito de Família”, Ed. Atlas, 2.000, pág. 49/50):
“a união do homem e da mulher tem, entre outras finalidades, a geração de prole, sua educação e assistência. Desse modo, afasta-se de plano qualquer idéia que permita considerar a união de pessoas do mesmo sexo como união estável nos termos da lei”.
(…) “o relacionamento homossexual, por mais estável e duradouro que seja, não receberá a proteção constitucional e, conseqüentemente, não se amolda aos direitos de índole familiar criados pelo legislador ordinário. Eventuais direitos que possam decorrer dessa união diversa do casamento e da união estável nunca terão o cunho familiar, situando-se no campo obrigacional, no âmbito de uma sociedade de fato”.
Nesse sentido:
“SOCIEDADE DE FATO. CONCUBINATO. LIGAÇÃO HOMOSSEXUAL. Alteridade de sexos, que é pressuposto do concubinato, tratando-se de sucedâneo do matrimônio constitutivo da família e não dele decorrente. Hipótese que trata de uma sociedade patrimonial de fato, destituída de vínculo com o instituto” (TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo, relator DESEMBARGADOR NEY ALMADA, in PROFESSOR SÍLVIO DE SALVO VENOSA, op. cit. pág. 50).
“O concubinato é a união livre e estável entre o homem e a mulher, como se marido e mulher fossem com fidelidade recíproca, more uxório, sem embargo do disposto no art. 226, § 3º, da CF. Concubinato entre ‘dois homens’, como se casados fossem, é ostensiva esdruxularia contrastando com a índole do direito brasileiro.” – Maria Berenice Dias, “União Homossexual – O Preconceito, A Justiça”, Livraria do Advogado Editora, p. 171” ( in: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 3.309/92 – 8ª Câmara Cível, Relator Des. Celso Guedes, j. em 24-11-1992, corpo do acórdão).
Segundo os fundamentos da corrente mais tradicional, acima referidos, que não reconhece como entidade familiar às uniões homoafetivas é incabível a procedência do pleito referente à prestação de alimentos em decorrência da dissolução fundada no campo do direito das obrigações, pois somente são devidos alimentos decorrentes de relações amparadas pelo direito de família, sendo permitida possível indenização, dependendo de fatores ligados a cada caso concreto.
A segunda corrente considera como família as uniões estáveis homoafetivas.
Para caracterização das uniões estáveis homoafetivas são exigidos os mesmos requisitos das uniões estáveis heterossexuais (com exceção da diversidade de sexo), e, por via de conseqüência, são garantidos os mesmos direitos (alimentos, sucessão, adoção etc…).
A Constituição Federal não é inflexível e o texto constitucional deve ser interpretado com base nas mudanças sociais. O direito não pode esquecer os fatos; e, um dos fatos tratado neste tópico diz respeito à existência em nossa sociedade de uniões estáveis homoafetivas.
Cabe ao interprete fazer a interpretação corretiva da Constituição Federal evitando conclusões preconceituosas com fundamento nos princípios da igualdade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana, razoabilidade e não discriminação.
Os dizeres constitucionais mudam com os fatos sociais e assim as palavras são “nômades”.
O direito ao amor e ao afeto é “metadifuso” (independente de classificação de geração), pois está além dos direitos difusos; e, por outra ponta, interessa, não somente a um sistema jurídico isolado, mas a todos os sistemas jurídicos.
O direito de amor é universal e independe de raça, cor, religião, condição social ou sistema jurídico.
No plano do afeto podem ser inseridas as relações sócio-afetivas e homoafetivas.
O Judiciário não pode fechar os olhos para o fato social da união estável homoafetiva inserida no Direito de Família.
Ao Poder Judiciário não é permitido agir de forma preconceituosa.
Ninguém pode negar que pessoas de mesmo sexo estabelecem relações públicas, duradouras e continuas, com finalidade de constituir família, nos mesmos moldes das uniões heterossexuais, assim, com fundamento nos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana, razoabilidade e não discriminação devem ser assegurados os mesmos direitos para pessoas fundadas na mesma entidade familiar independente do sexo. Deste modo, podem ser classificas duas espécies de uniões estáveis: a) homoafetivas (ou homossexuais); e, b) heterossexuais.
As uniões estáveis homoafetivas (ou homossexuais) têm a mesma proteção das “tradicionais” ou heterossexuais, podendo os companheiros de mesmo sexo pleitear alimentos ou outros direitos garantidos a estas independentemente de regulamentação especifica.
Sobre as uniões homoafetivas ensina (atualmente) a Desembargadora DES.ª MARIA BERENICE DIAS (in: TJRS, Embargos Infringentes nº 70003967676, Porto Alegre, j. 09 de maio de 2003, DES.ª MARIA BERENICE DIAS, Redatora p/ o acórdão; Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – Relator vencido):
“Cabe lembrar que os vínculos afetivos que surgiram fora do selo da oficialidade, mesmo sem nome e sem lei, foram ao Judiciário, que começou a dar visibilidade e juridicidade ao afeto. A princípio, ainda que de forma tímida e conservadora, confundindo amor com labor, as relações então ditas concubinárias foram vistas como verdadeiros vínculos empregatícios. Depois, entendeu-se como sociedade de fato o que nada mais era do que sociedade de afeto. Assim, as relações extramatrimoniais foram reconhecidas como negócio jurídico e inseridas no campo do Direito das Obrigações.
“Mas impositivo reconhecer que foi o respaldo judicial que levou a Constituição Federal a alargar o conceito de família para além do casamento. Também o que ela chamou de união estável e as relações de um dos pais com seus filhos receberam o nome de entidade familiar e a especial proteção do Estado. Mas, embora vanguardista, o conceito de família cunhado pela Lei Maior ainda é acanhado. Não alcançou vínculos afetivos outros, que não respondem ao paradigma convencional, identificado pela tríade: casamento, sexo, reprodução. Ora, se os métodos contraceptivos e os movimentos feministas concederam à mulher o livre exercício da sexualidade, e se passaram a ser considerados como família os relacionamentos não selados pelo casamento, é imperioso que se busque um novo conceito de família, sobretudo no atual estágio de evolução da engenharia genética, em que a reprodução não mais depende de contato sexual.
“A identificação da presença de um vínculo amoroso, cujo entrelaçamento de sentimentos leva ao enlaçamento das vidas, é o que basta para que se reconheça a existência de uma família. “Como já afirmava Saint Exupéry: você é responsável pelas coisas que cativa. Esse comprometimento é o objeto do Direito de Família. Leva à imposição de encargos e obrigações, que dão base à concessão de direitos e prerrogativas a quem passa a comungar com outrem a sua vida.
Se basta o afeto para se ver uma família, nenhum limite há para o seu reconhecimento. A presença de qualquer outro requisito ou pressuposto é desnecessária para sua identificação. “Essa nova concepção tem levado cada vez mais a sociedade a conviver com todos os tipos de relacionamento, mesmo que não mais correspondam ao modelo tido como “oficial”.
“No momento em que se enlaçam no conceito de família, além dos relacionamentos decorrentes do casamento, também as uniões estáveis e os vínculos monoparentais, mister seja inserido no âmbito do Direito de Família mais um gênero de vínculos afetivos, quais sejam as relações homossexuais, hoje chamadas de relações homoafetivas.
“Ainda que esses relacionamentos sejam alvo de rejeição social, as relações de pessoas do mesmo sexo não podem receber do Poder Judiciário um tratamento discriminatório, preconceituoso.
“O paradoxo entre o direito vigente e a realidade existente, no confronto entre o conservadorismo social e a emergência de novos valores, coloca os operadores do Direito diante de um verdadeiro dilema para atender à necessidade de implementar os direitos de forma ampliativa.
“Ante as novas formas de convívio, necessária uma revisão crítica e a atenta reavaliação dos fatos sociais, para alcançar a tão decantada igualdade social. Nesse contexto, é fundamental a missão dos juízes. Importante que tomem consciência de que lhes é delegada a função de agentes transformadores dos valores jurídicos, que – estigmatizantes – perpetuam o sistema de exclusão social.
“O que é aceito pelos tribunais como merecedor da tutela jurídica acaba recebendo a aceitação social, o que gera, por conseqüência, a possibilidade de cobrar do legislador que regule as situações que a jurisprudência consolida.
“O surgimento de novos paradigmas conduz à necessidade de rever os modelos preexistentes, atentando-se na liberdade e na igualdade como os pilares do Direito, assentados no reconhecimento da existência das diferenças. Essa sensibilidade deve ter o magistrado. Hoje, a necessidade de assegurar em plenitude os direitos humanos, tanto subjetiva como objetivamente, tanto individual como socialmente, torna imperioso pensar e repensar a relação entre o justo e o legal.
Precisam os juízes enfrentar as novas realidades que lhes são postas à decisão e não ter medo de fazer justiça.”
Demonstrando que o conceito de família é aberto o STJ – Superior Tribunal de Justiça analisando a proteção do “bem de família” estendeu o conceito de “entidade familiar” prescrito na Lei 8.009/90, para o separado que viva sozinho (STJ, Resp. 205170-SP, 5º. Turma, rel. Min. Gilson Dipp, DJU 07.02.00), mãe e filhas incapazes (STJ, Resp. 57606-SP, 4º. Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 02.04.01), o devedor e sua esposa (STJ, Resp. 345933-RS, 3º. Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 29.04.02), os irmãos solteiros, que vivem em apartamento (STJ, Resp. 159851 – São Paulo, 4ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado, DJU 22.06.98), o solteiro, o viúvo sem descendentes, o divorciado (STJ, Resp. 57606-MG, 6º. Turma, rel. Min. Luiz Vicente Cernichiaro, DJU 10.05.99), a viúva e sua filha (STJ, EDREsp. 276004-SP, 3º. Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 27.08.01); o cônjuge separado (STJ, Resp. 218377- ES, 4º. Turma, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 11.09.00) etc..
Alerta o DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (TJRS, Embargos Infringentes nº 70003967676, Porto Alegre, j. 09 de maio de 2003, DES.ª MARIA BERENICE DIAS, Redatora p/ o acórdão; Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – Relator vencido) que o STJ chegou a considerar como “entidades familiares simultâneas”, para efeito de pagamento de seguro de vida, a situação de um homem que se mantenha ligado à família legítima e à relação concubinária, com prole em ambas (Resp. 100.888-BA, Quarta Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 12.03.01).
Ora, se um homem que se mantenha ligado à família legítima e à relação concubinária, com prole em ambas é integrante de duas entidades familiares simultâneas deve ser considerada e reconhecida como entidade familiar à relação homoafetiva com base nos princípios da proporcionalidade, lógica do razoável e afetividade real.
Sou filiado à segunda corrente capitaneada pelos Desembargadores JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (TJRS) e MARIA BERENICE DIAS (TJRS) e reconheço que o conceito de entidade familiar referido na Constituição Federal é aberto e deve ser aplicado tendo em conta as relações sócio-afetivas e homoafetivas, garantido, no caso concreto, os pleitos referentes aos alimentos, devendo ser efetivada interpretação corretiva da Carta Magna compatível com os princípios da razoabilidade, dignidade da pessoa humana e não discriminação.
7 – Alimentos: cônjuge e companheiro.
Ensinava Yussef Said Cahali antes do novo Código Civil:
“Não sendo um cônjuge parente do outro, ali não se encontra o fundamento legal da obrigação de alimentos entre marido e mulher.
Referida obrigação está prevista no art. 231, III, do mesmo Código, com a inclusão do dever de mútua assistência, como um dos efeitos do matrimônio; e no art. 235, IV, que atribui ao marido, como chefe da sociedade conjugal, o encargo de prover a manutenção da família, guardadas as disposições dos arts. 275 e 277” (in Dos Alimentos, 2a. ed., RT, São Paulo, 1993, pág. 148).
Os cônjuges (1.566, inciso III, 1.694, 1.708 do CC atual) ou companheiros (arts. 1.694, 1.708, 1.724 do NCC) podem buscar alimentos com base na obrigação alimentar.
Prescreve o art. 1.694 do NCC:
“Art. 1.694. Podem (…), os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Dentre os deveres de ambos os cônjuges (fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; sustento; guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos etc…) destacamos a mútua assistência (art. 1.566, inciso III, do NCC) como sendo a base jurídica para o pleito de alimentos; e, da mesma forma, deve ser reconhecida à obrigação alimentar nas relações pessoais entre os companheiros (art. 1.724 do NCC), porém, em regra, o dever de prestar alimentos não é perpetuo e com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor ou procedimento indigno do credor em relação ao devedor, desaparece a obrigação alimentar (art. 1.708 e seu parágrafo único); mas, por outro vértice, o novo casamento do cônjuge devedor ou nova relação pessoal do companheiro devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio ou dissolução de união (art. 1.709 do NCC), podendo, o devedor em casos devidamente justificados, pleitear a revisão dos ditames da decisão judicial.
Nos termos do art. 1.702 do NCC na separação judicial “litigiosa”, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios do art. 1.694.
O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, postula a alteração do dispositivo no art. 1.072 nos seguintes termos, adequando o NCC a nomenclatura atual, veja-se:
“Na separação judicial, sendo um dos cônjuges desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro pensão alimentícia nos termos do que houverem acordado ou que vier a ser fixado judicialmente, obedecidos os critérios do art. 1.694”.
A inovação trazida pelo parágrafo único do art. 1.704 do NCC, dissociando culpa da obrigação de prestar alimentos, esclarece que se o cônjuge declarado “culpado” vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor somente indispensável à sobrevivência, ou seja, a novidade anotada no Código atual, apesar de aparente ofensa ao senso ético, impõe, lastreada no dever humanitário de assistência mútua e na dignidade da pessoa humana, em casos excepcionais, a possibilidade do “cônjuge traído” ser obrigado a prestar alimentos ao “cônjuge infiel”.
Prescreve o art. 1.704 do NCC:
“Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.”
“Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”.
Novamente, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, propõe alteração do art. 1.704 nos seguintes termos:
“134 – Proposição sobre o art. 1.704, caput:
Proposta: Alterar o dispositivo para: “Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o ex-cônjuge será obrigado a prestá-los, mediante pensão a ser fixada pelo juiz, em valor indispensável à sobrevivência”.
Revoga-se, por conseqüência, o parágrafo único do art. 1.704.
§2º. “Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.”
O NCC repete basicamente os ditames da legislação revogada, apontado poucas inovações, porém, relevantes como, por exemplo, o parágrafo único do art. 1.704 do NCC; e, por outro plano, necessita de algumas correções, como as propostas pelo CJF, para plena adequação a redação civilista atual.
8- Conclusão
Alimentos são prestações que objetivam atender às necessidades vitais e sociais básicas independente de sexo, idade ou condição social, de quem não pode provê-las integralmente por si, seja em decorrência de doença ou dedicação a atividades estudantis, ou de deficiência física ou mental, ou idade avançada, ou trabalho não auto-sustentável ou mesmo miserabilidade.
Os princípios da solidariedade familiar, capacidade financeira, razoabilidade, não discriminação e proporcionalidade devem ser aplicados para garantir a máxima efetividade da prestação alimentar e a abrangência do conceito de entidade familiar.
O dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores (tecnicamente crianças e adolescentes) decorre do poder familiar (enquanto não atingirem a maioridade civil ou por outra causa determinada pela legislação); e, por outra ponta, parentes, cônjuges, companheiros e pessoas integrantes de entidades familiares lastreadas em relações afetivas (vg., relações sócio-afetivas e homoafetivas) podem buscar alimentos com base na obrigação alimentar e no direito de família, ficando de lado as posições tradicionais que limitam rigidamente as pessoas que prestam e recebem alimentos.
A jurisprudência começa a alargar o conceito de entidade familiar garantindo a proteção do direito de família para relacionamentos fundados na afetividade (sócio-afetiva e homoafetiva).
A fixação, majoração, exoneração ou revisão de alimentos ou a prisão do devedor sob quaisquer fundamentos jurídicos e fáticos deve garantir o devido processo legal, o contraditório e da ampla defesa, sendo inaceitável restringir situações jurídicas consolidadas sem escutar a parte contrária.
A proteção dada pelo direito à entidade familiar está cada vez mais ampla e a jurisprudência, estando, muitas vezes, à frente da lei, reconhecendo situações fáticas consolidadas contribui para o avanço do direito.
Bahia em setembro de 2.003.