José Carlos Teixeira Giorgis *
A implementação do jovem catálogo de regras civis e as situações novidadeiras causam perplexidades, eis que encobertas em normas ingênuas.
As mudanças na sucessão testamentária não foram cirúrgicas, já que muitas das prescrições são estribilhos ao Código de 1916.
Há modificações meramente estéticas ou retoques de maquiagem que constituem respeito genuflexo às ordens da jurisprudência, como a possibilidade de que a disposição de ultima vontade seja redigida de forma mecânica, superando etapa que mandava escrevê-la com o próprio punho ou a rogo do hereditando; também quanto ao número de testemunhas, agora reduzido para duas pessoas (testamentos público e cerrado) ou três (testamento particular).
Ou ainda a criação do testamento aeronáutico, impensável em alva do século vinte.
Impende registrar, contudo, alteração substancial e que tem reflexos sobre os testamentos lavrados antes da vigência do novo Código Civil: o tema da clausulação.
É tradicional a possibilidade do autor da herança impor os gravames da inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade à parte que tocaria ao herdeiro necessário (legítima), agora concomitantes e conexas (artigo 1.911), conforme já ditara a Suprema Corte (Súmula 49).
A proibição oriunda da clausulação mereceu da doutrina veneráveis meditações e acirradas críticas, pois se cuida de uma restrição que vai até a morte do herdeiro, inibindo de dispor dos bens que recebeu.
Embora considerada protetiva, e assim ocorre em muitos casos concretos, a oneração patrimonial é tida como inutilidade, pois os interesses protegidos são mínimos, podendo ser supridos através de outros meios; também afasta a circulação de bens, manancial de arrecadação do Estado, privando de tributos necessários para outras destinações sociais, como ainda é elemento de insegurança que afeta a sociedade pela obstrução no movimento de riquezas.
Além de que é fonte de fraudes, dissimulando a condição do acervo, prejudicando os credores imbuídos de boa fé, sem deslocar-se a hipótese recorrente de uma atitude egoísta do testador que deseja eternizar-se no comando de seu domínio, por razões pouco éticas.
Os tribunais vinham mitigando o rigorismo dos gravames, aplaudindo seu alívio em situações de sazão, como viuvez e aposentadoria da pessoa que recolheu o cabedal, para órfãos da revolução federalista, reformas do prédio em mau estado, onde habita família numerosa e desempregada, e freqüentemente para admitir a penhora em bem gravado nas execuções de alimentos.
Pois bem.
Agora em interlocução relevante, o diploma civil vigente exige que o testador declare a justa causa que o conduziu a estabelecer as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade (artigo 1.911, parágrafo único), que seu filho é pródigo ou devedor contumaz, que teme o futuro dos netos por descenderem de perdulário, que o herdeiro deseja adotar o regime da comunhão universal no casamento com a futura nora que o hostiliza, agride ou despreza, etc.
Enfim, é preciso um motivo razoável para agravar a legítima, o que poderá ser debatido na via judicial, que analisará a justiça da intenção, depois de aberta a sucessão.
Finalmente, chama-se atenção para quem já fez o testamento, aos advogados que os assessoraram ou os tabeliães que cumpriram o mister, para inocente disposição, escandida nas disposições finais do Código: até 10 de janeiro de 2004, quem tenha feito o testamento na vigência da lei de 1916, deve aditar o instrumento para consignar a justa causa de cláusula aposta à legítima.
Ou seja, o testador deve comparece ao tabelionato para declarar o motivo que o levou a impor o gravame ao bem destinado a seu herdeiro, e caso não o faça, a cláusula existente perderá sua eficácia, caducará, será tida como desconstituída.
*Desembargador, TJ/RS.