Nilton Correia*
O ministro Francisco Fausto completou um ano de sua administração como presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Em momentos assim se faz um ”balanço” de atividades do período. Além do que praticou internamente, como administrador de uma Corte, realizou vários atos para o exterior do tribunal, ao que passo a dedicar algumas considerações.
Primeiro, alterou parte do comportamento do tribunal ao expor o TST à mídia, atraindo o interesse da sociedade sobre a Corte e suas decisões, provocando intenso debate em torno de questões trabalhistas. É o colunismo político-institucional. Passamos a debater o Direito do Trabalho como elemento de contenção do poder econômico para preservar, na esfera jurídica, algum equilíbrio na desigualdade de forças entre as partes.
Essa mudança da concepção do tipo de responsabilidade social do presidente de uma Corte de Justiça, em especial num país com elevado o conflito social, habilitou o ministro Fausto a chamar a atenção da sociedade e das autoridades para uma quantidade soberba de ocorrências, que eram convenientemente guardadas. As Comissões de Conciliação Prévia, alvo de denúncias de procuradores e advogados, encontraram resistência no TST, quando o seu presidente, à vista de farta documentação, chamou a atenção para os horrores que aconteciam naquelas comissões, que se tornaram cemitérios das pretensões dos mais humildes trabalhadores.
De igual modo, alinhou-se com os magistrados organizados na Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, com os procuradores integrantes da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e com os advogados filiados à Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas no combate ao projeto de lei do governo anterior, que modificava o art. 618, da CLT, permitindo que cláusulas negociadas pelas partes prevalecessem sobre leis editadas pelo Congresso. Era a prevalência do negociado sobre o legislado, que despertou a comunidade e a atraiu para rebelar-se contra aquele projeto.
Desde o primeiro dia, sem nada temer, ao lado da comunidade, lá estava o TST. As ”listas negras”, com os nomes de trabalhadores que ajuízam ações contra seus ex-patrões, são um dos mais incivilizados gestos do Brasil atual. O direito ao emprego é o direito ao sustento, com dignidade. Privar o cidadão desse direito é tomar-lhe o próprio direito à vida. Alastrava-se a criação desses atípicos ”esquadrões contra o trabalho”. São poderosos os autores das listas. Todos temiam gestos largos contra eles. Mais uma vez não foi o que se viu do TST, que alardeou a prática, condenou-a e pediu providências enérgicas contra esse ato.
O trabalho escravo era tema quase proibido. O governo mantinha uma singela equipe no Ministério do Trabalho. Tudo comodamente, para marcar a não aceitação da prática, porém com cautelas para não atritar-se com poderosos fazendeiros e empresários do norte ao sul. A cautela visava também não abrir essa chaga aos organismos internacionais. Porém, o excesso de cuidados no trato desse horror aumentava o próprio ambiente aterrorizador, gerando um ciclo que só facilitava a ampliação do trabalho escravo. Mas o TST rompeu esse ciclo e, ao lado da OIT, teve o grandioso gesto humanitário, audacioso, protegendo o cidadão que, por vários motivos, é lançado à escravidão ou a uma situação análoga ao do escravo. O ministro Francisco Fausto não se deixou atemorizar.
O silêncio não fez parte do seu estilo de defensor intransigente do direito e da justiça. Em todos os lugares que freqüentou no Brasil não permitiu que se abafasse o tema e chamou todos para a erradicação do trabalho escravo com a punição severa do escravizador, até com a perda do direito de propriedade.
Outras medidas poderiam ser relacionadas, como o combate à ”transcendência” nos recursos trabalhistas e à redução de verba para o Judiciário, que é órgão imprescindível para o êxito do projeto democrático do povo; a luta pela criação de novas varas do trabalho, principalmente as itinerantes, que combaterão o trabalho escravo; reformas do Judiciário e sindical; ampliação da competência da Justiça do Trabalho e outras.
Às vésperas de comemorar um ano de administração, o ministro Fausto reuniu o TST e convidou a comunidade jurídica, nacional e internacional, para debater a tumultuada fase que vivenciamos, com a queda de direitos sociais diversos, alguns até históricos, outros mais recentes, ao que se tem chamado de ”flexibilização”. O tribunal abrigou juristas, juízes, procuradores, advogados, professores, sociólogos, sindicalistas, parlamentares e estudantes, todos voltados para apreciar a redução ou não de direitos no âmbito do trabalho, quais as razões, a necessidade dessa redução, quais os direitos que poderiam ser reduzidos e os que não devem sofrer qualquer ataque. Em outra época nem se pensaria realizar tal evento dentro de tribunais,que optavam em manter-se alheios às discussões, como se estivessem acima da sociedade, dela não integrando.
Em outras ocasiões, se recomendaria que a sociedade discutisse os ”seus” problemas para, depois, o Judiciário declarar a correção ou não das providências adotadas. Uma das críticas que sempre se fez ao Judiciário foi a da sua ausência no seio da sociedade, o seu afastamento, que alguns chamou de ”encastelamento”.
Nasceu um novo TST, aquele que sabe a diferença entre o momento em que é juiz e aquele no qual deve deixar a toga e juntar-se aos cidadãos, como cidadãos também que são, em busca de projetos que nos levarão à ”arquitetura da felicidade humana”, como diz a OAB. E esse novo TST parece consolidado, quando se mira mais o futuro e se vê que, seu atual vice-presidente, ministro Vantuil Abdala, líder de grandes qualidades, certamente o sucessor do ministro Fausto, sinaliza que seguirá esse caminho, do diálogo aberto e produtivo, andando pela mesma calçada em que anda o povo, com o que ganha a nação, ganham os brasileiros.
Se olharmos ainda mais adiante, veremos o corregedor-geral da Justiça, ministro Ronaldo Lopes Leal, que em suas correições pelos tribunais nos estados tem chamado o povo para audiências públicas, a fim de que os usuários da Justiça digam, de viva voz e sem interlocutores, quais os seus problemas com a prestação jurisdicional. Esse gesto, aparentemente simples, tem gerado efeitos impressionantes com a presença de milhares de pessoas querendo falar com o corregedor.
Juntar-se à comunidade e com ela conviver é ato de altivez e deve simbolizar que Judiciário e povo começam a estar juntos, porque, da mesma maneira como o poder emana do povo, o direito ao povo deve se dirigir. Com a sociedade, o Judiciário deve discutir as leis, para que, ao aplica-las, tenha íntimo conhecimento delas até para lhes dar função social, privilegiando a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa.
Poucas coisas poderão dar mais orgulho ao povo do que saber que pode sair às ruas de braços dados com as suas instituições. Comunidade e esse novo TST estão assim, parceiros numa prazeirosa relação de grandeza.
Esse, ao ver dos advogados, constitui o maior feito do primeiro ano da administração atual do TST: abraçar-se à sua comunidade, num abraço leal, necessário e, espera-se, duradouro. O Judiciário fica mais altivo ao lado do próprio povo. Que o exemplo seja seguido pelas demais Cortes. Unidos, muito mais rapidamente encontraremos o caminho do direito, o caminho da sociedade fraterna e civilizada, como quer a Constituição.
Nilton Correia é presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – Abrat.