O outro lado das caixas pretas: feitas de bits, na forma de software.

Pedro Antônio Dourado de Rezende*

Parte I

Autoridades judiciais indignaram-se com o discurso de Lula em 22 de Abril, por uma reforma do Judiciário que, segundo a Folha de São Paulo, abra a caixa-preta de um poder que “muitas vezes se sente intocável”. Em resposta, o presidente do STF divulgou nota oficial declarando que “as palavras do chefe do Poder Executivo atingem o Judiciário como um todo, desservindo a sociedade brasileira”.

Não sei de que caixa-preta estaria falando Lula. Ademais, ele pode ter se enganado. Afinal, costuma errar no português, principalmente na concordância, quando fala de improviso. Talvez estivesse querendo se referir a caixas, no plural. No singular, estaria dando a entender que todo o Poder Judiciário seria uma, o que justificaria a indignação do chefe deste Poder, e sua conseqüente opinião em nota.

Um mero acadêmico e profissional de segurança na Informática só pode fazer idéia daquelas cuja confecção e possíveis efeitos seu ofício permite conhecer: caixas feitas de bits, na forma de software, das quais só nos é dado conhecer o invólucro. Seriam opacas? Negras? Invisíveis? Das caixas que assim conheço pelo menos duas, empregadas pelo Poder Judiciário, apresentam status cromático discutível.

Não se alegue ignorância, pois qualquer cidadão pleno é obrigado a interagir com uma delas. Justamente com aquela sobre a qual está o Presidente da República na mais alta posição moral para opinar. Principalmente sobre os malefícios que, empretecida, é capaz de causar a qualquer democracia moderna. Afinal, nenhum outro presidente eleito no mundo pode se gabar de ter sustentado votação negativa durante uma apuração que o elegeu.

Quando, entretanto, se argumenta, como tenho feito em vários fóruns, sobre os riscos que decorrem especificamente da falta de transparência de qualquer delas, da falta que as credenciam como caixas-pretas, tal indignação se amornece e a contra-argumentação se faz esquiva, evitando-se que o debate se alimente no seio da opinião pública, abrigando-se um lado dele em posições de autoridade que, através de intrincadas relações de poder — principalmente com a grande mídia –, o envereda por um infindável sofismar.

Neste sofismar, dois pretextos se alternam: a celeridade como meta absoluta, via de regra pela automação que desconsidera riscos, e, diante desses novos riscos, a opacidade de sistemas informatizados, como medida de segurança. Sem nunca ficar claro de quem e contra o que, a tal segurança, mostram-se telas e escondem-se lógicas, como se isso fosse transparência bastante. Ilusionismo travestido de modernidade. Falo do Sistema Informatizado de Eleições e dos softwares que distribuem processos judiciais, para começar.

É possível que Lula estivesse falando deles como caixas-pretas, já que o contexto da sua fala era o combate ao crime organizado, beneficiário potencial maior de suas opacidades. A ação criminal se organiza na medida em que planeja também a sua própria impunidade, sendo o caminho mais curto para isso a inviabilização da coleta de provas pelas vítimas. Enquanto o sofismar sobre tais caixas-pretas se pereniza, alternando pretextos ao sinal do refrão: “Esses sistemas vieram para ficar, não se pode voltar no tempo”.

Ocorre que há sistemas e sistemas. E argumentos a favor da transparência de sistemas informatizados não tratam de voltas ao passado. Ao contrário, tratam das possíveis idas ao futuro. Tratam, na esfera jurídica, da preservação do direito dos cidadãos de conhecer, por meios que estejam ao seu alcance, os processos sociais que lhes afetam. Do direito de escolher seus meios de medir confiança. Do direito de julgar o merecimento da confiança que se vêem obrigados a depositar em representantes do monopólio da força legítima, o Estado.

Não devemos permitir que ofuscado fique também o recado de Lula, se por um erro de concordância numérica. O recado é simples. Só há um remédio capaz de salvar a cidadania da varinha de condão pós-moderna, do feitiço que nos leva a crer numa revolução digital sem vítimas. É a transparência, em dose necessária. Há que se perguntar se, apesar da indignação justificada por tal ofuscamento, haveria no Poder Judiciário algum sinal de reconhecimento da mensagem.

Parte II

Há declarações do ministro Nelson Jobim, em palestra sobre “Planos de Modernização para o Judiciário” em São Paulo, 43 dias antes do discurso “caixa-preta” de Lula. Segundo “o Globo” de 11 de Março, ele teria dito aos magistrados: “Temos que botar a cara a tapa. Não podemos ter medo de apanhar. Só não apanha quem é irrelevante… Não sabemos quanto custa uma sentença, um acórdão. Temos que reconhecer nossa absoluta incapacidade gerencial e administrativa”.

Não está claro, todavia, até que ponto tais declarações sinalizam reconhecimento dos riscos na falta de transparência a preocupar o presidente. Ou, doutra feita, reconhecimento da própria conduta do declarante. O ministro Jobim tem chefiado o ramo da Justiça que não só executa (gerência e administra) todo ato eleitoral, mas também normatiza e julga seus próprios atos. E eis que, neste posto, sua preconizada humildade cristã lhe escapa.

Por exemplo quando, às 23h de 6 de Outubro de 2002, o painel de apuração de primeiro turno, exibido num telão no saguão de imprensa do TSE, atualizou os mais de um milhão de votos de Lula para 41 mil negativos, levando, por breves minutos, à histeria fiscais de partido e jornalistas ali presentes, fez ele suficiente à nossa compreensão deste fenômeno, salvo dos holofotes por múltiplos reboots, tão somente a sua competência para entender e explicar complicações gerenciais na informática: a votação negativa havia sido um erro de formatação, e não se fala mais nisso.

Os fiscais de partido, credenciados para a totalização, haviam sido barrados da sala dos computadores que, por meio dalgum software, somavam (e formatavam) votos presidenciais a partir dos boletins eletrônicos já apurados pelos TREs. Apesar das suas solenes promessas, em audiência pública na Câmara dos Deputados em 21 de Junho, de que os fiscais de partido iriam, desta vez, poder fiscalizar a totalização, foi-lhes permitido apenas assistir ao telão, junto com os jornalistas. Em pretender que assim saibamos ser este software um mesmo que foi visto dois meses antes, aí sim há, jamais reconhecida na jurisprudência eleitoral, absoluta incapacidade.

Minha vez de reconhecer as minhas. Para compreender o que vem a ser um tal erro de formatação. Ou como se fiscaliza eleição assistindo-se à dança de parciais num telão, ao som de explicações dessa verve. Ou a celeridade com que nos desindignamos com a farsa do painel do Senado, e passamos a nos comportar como se, de repente, tudo fosse diferente. Como se administradores do painel do TSE fossem carmelitas descalças, que, com seus softwares maravilhosos, igualmente honestos pela própria natureza, mudariam a história eleitoral brasileira, até então salpicada de velhacarias.

Mas carmelitas cujos nomes não nos é dado conhecer. Nem mesmo apelando ao próprio STF para que o TSE mostrasse o contrato com a Unisys de fornecimento, às dezenas de milhares, de pessoal técnico, urnas eletrônicas, treinamento e serviços de informática para a eleição de 2002. Arquivado, com parecer opaciante do engavetador-geral da República.

Quanto a softwares que “sorteiam” distribuição de processos, tristes rastros de coincidências em decisões judiciais controversas — algumas sob investigação — encaixam-se menos em carmelíticos pés descalços do que em macetosos botões ocultos, à la painel do Senado. Como exemplo, além da suposta venda de habeas corpus, veja-se que, a prevalecer opinião do mesmo ministro, sorteado para relatar processo onde inverte sua opinião antes lavrada em outro, o Ministério Público não poderá mais investigar crimes tais.

Disso tudo, só compreendo uma coisa. Dono de caixas-galinha não mata as que podem botar ovos de ouro.

Nada disso, entretanto, escusa Lula. Pois mesmo que estivesse a falar dessas flagrantes opacidades no singular, e se relevem erros de concordância, resta ainda uma infelicidade lingüística no seu discurso “caixa-preta”. É fato que não se pode ter certeza dos sentimentos alheios. Do sentimento de intocabilidade de um Poder de Estado, por exemplo.

Leve-se em conta, porém, que quando este mesmo ministro, sendo judicialmente interpelado como chefe da Justiça Eleitoral para que, com as devidas antecedências e vênias, desse expressão escrita às oito promessas de transparência proclamadas na audiência de 21/06/02, e as desse através de norma operacional, haja vista semelhantes e descumpridas promessas do próprio para a eleição anterior, lavra ele nos autos seu desconhecimento alegando-se ininterpelável, chega-se o mais próximo possível de uma tal certeza.

Parte III

Ao analisarmos o discurso “caixa-preta” de Lula, vemo-nos diante de deslizes lingüísticos compreensíveis numa fala de improviso, cujo efeito desejado — o de reiterar prioridades — teria sido eloqüentemente alcançado. Mas seriam as duas caixas-pretas já citadas as únicas no seu ambíguo referencial cromo-numérico? Talvez não.

Lula poderia estar falando mesmo é da luta pelo status dessas caixas — se elas são ou não pretas. Da guerra de convencimento, no seio da opinião pública visando efeitos legislativos, a respeito de onde nelas estaria aquele ponto de equilíbrio, entre transparência e opacidade, que faz bem à cidadania. Doutra feita, Lula poderia estar falando doutras caixas-pretas, pois as há.

Lembremos que o Poder Legislativo reagiu, embora com timidez, à indignação geral provocada pela farsa do painel do Senado. Em recuo momentâneo do nível médio de pasmaceira e hipocrisia coletivas, admitiu-se publicamente que tecnologia não é panacéia. Que a informática pode fazer maravilhas tanto honestas quanto desonestas. E que, sendo o preço da liberdade a eterna vigilância, o da liberdade de se ver a virtude em tempos pós-modernos inclui a eterna vigilância contra o empretecimento de certas caixas de bits.

Durante este breve surto tentou-se lá uma mini-reforma eleitoral, pela aprovação de uma lei que devolvesse ao eleitor a capacidade de fiscalizar eleições, dele subtraída pela forma com que foram estas modernizadas. Uma lei que revertesse o mais grave empretecimento que um processo eleitoral informatizado pode sofrer: a desmaterialização do voto individual, que impede a recontagem em caso de disputas, suspeitas ou erros. Erros até então inadmissíveis na jurisprudência pós-informatização, onde a humildade cristã preconizada pelo ministro nunca teve espaço.

O projeto de lei zanzou por mais de ano, sofrendo obstrução e interferências do Poder Judiciário, através da ação política do chefe de seu ramo eleitoral. Que com tal surto recuou das tentativas de impedir a introdução do voto impresso individual para fins de auditagem, classificada por ele ora de retrógrada, ora de extravagante futilidade. Que se protelasse, então, a sua aprovação, em aguardo às contribuições que a Justiça Eleitoral traria “para aprimorá-lo”.

O resultado desta ingerência foi a Lei 9.408, que faz valer tal medida apenas a partir da eleição de 2004. O projeto original, que previa auditagem em 3% das urnas, escolhidas por amostragem, nas quais a contagem dos votos impressos validaria — ou não — a apuração eletrônica, foi modificado de última hora, a pedido do ministro, para antecipar o sorteio da amostragem. As urnas que sofrerão auditagem serão sorteadas não depois, mas na véspera do dia da eleição. Motivo? “Razões técnicas”, nunca divulgadas. Anônimas carmelitas descalças poderão assim preparar os 3% de urnas sorteadas, para que se comportem bem na auditagem.

Restou apenas um fio de esperança aos que querem eleições efetivamente fiscalizáveis. Se alguma carmelita, ainda assim, errar no preparo, qualquer desonestidade no software da sua urna será exposta, ou na votação, ou na auditagem. Fio tênue, pois, por uma dessas infelizes coincidências, a auditagem por voto impresso caiu no desgosto da Justiça Eleitoral. Armou-se um espetáculo midiático para “testar a medida” em 2002, no qual, em condições adversas, alguas propositais e outras contraditórias, foi a mesma catapultada à execração pública, como bode expiatório de várias mazelas, inclusive de incapacidades gerenciais até então inconfessas.

Enquanto isto, uma alternativa para “auditagem” era engendrada, com a ajuda de um trio de técnicos do PT especialistas em sabotar a cidadania. De que se trata? Simula-se uma votação eletrônica nas urnas sorteadas, com cadastro e horário verdadeiros, à vista dos fiscais. Se a contagem dos votos que os fiscais virem ser digitados conferir com o boletim eletrônico, a urna passa no teste.

Mas o que prova esse teste? Com sua regulamentação burocrática garantindo não haver tempo para mais do que 140 simulações, demonstra-se que a urna aprovada é honesta até o 140o. voto. Protestos sobre a irrelevância fiscalizatória desse tipo de teste foram rechaçados em audiências sobre sua regulamentação. Em foro técnico, por conta da crítica ser jurídica. Em foro jurídico, por conta da crítica ser técnica. E no que deu tudo isto?

Parte IV

No início deste ano, o ministro Jobim foi ao Congresso Nacional apresentar proposta de reforma eleitoral, pela qual o finório teste da votação paralela, que “comprova” a honestidade da urna — até o 140o. voto –, substituiria a auditagem por voto impresso prevista, na Lei 9.408, para entrar em vigor em 2004. Justificativa? O “alto grau de excelência” com que o teste de votação paralela “validou o processo em 2002”. Excelente o teste, concebido e julgado por quem pretende ter sua própria lisura validada através dele.

Aceita a proposta, o Congresso estará rompendo o fio de esperança de fiscalização eleitoral efetiva. Desvios de votos pelo software da urna, se armados para o caso de haver mais de 140 votantes, nunca serão detectados. Mesmo que falhem as anônimas carmelitas encarregadas da auditoria. Basta a devida burocracia e umas poucas linhas de código, inseridas no software depois de apresentado aos partidos e antes de inseminado nas urnas. E modificações nesse intervalo ocorreram, tanto em 2000 como em 2002, empretecendo esta caixa de bits. Registra-se, é bom lembrar, bem mais do que 140 votantes na quase totalidade das seções eleitorais.

E daí? Daí se contorcem a grande mídia e a Justiça Eleitoral — inclusive nos autos de processos de impugnação na Bahia em 2000 e em São Paulo em 2002 –, para desconhecerem os riscos encetados pela instabilidade cromática da dita caixa: trata-se de mera especulação, sem provas! E quanto à impossibilidade de se colher provas, eqüivalente à impunidade se o especulável realizar-se? Fazei-vos desentendidos, senhoras e senhores, pois a caixa vós a vistes translúcida! Todos aplaudem. É o Brasil, ensinando os americanos a se modernizarem (essas coisas, Júnior aprende rápido).

A polêmica em torno do discurso “caixa-preta” de Lula nos relembrou, pela mesma nota do presidente do STF, da necessidade de harmonia e respeito entre os Poderes da nossa república. Mas em que consiste tal coisa? Para Rousseau, pai da Revolução Francesa e portanto da democracia moderna, o sentido é o de equilíbrio de forças. No entanto, se a esta relembrança justapormos a de várias peripécias dos Poderes com o cromatismo de suas caixas, desvela-se um curioso desequilíbrio. Ingerências de um Poder sobre outro afetam o humor dos seus representantes em um de dois extremos. É oito ou oitenta.

Se a ingerência é para clarear caixas alheias, os ânimos se exaltam, farpas voam e a negociação, quando ocorre, é duríssima. Mas se for para ajudar a empretecer, pura e doce é a harmonia. Quando a caixa é de bits, então, dá-se o clímax. A harmonia enleva-se a alturas ufanistas, nunca dantes navegadas, embalada pelo canto da sereia pós-moderna, entoado feito reza pela grande mídia: tecnologia, santo remédio para as mazelas humanas (a reza de hoje se chama inclusão digital, enquanto salários de fome seguem cabendo a professores municipais).

Lembro-me da explicação do senador Belo Parga ao propor, a pedido do presidente do TSE, emenda ao projeto que institui auditagem das eleições eletrônicas por voto impresso, em 3% das urnas. A emenda, que antecipava para a véspera da eleição o sorteio das urnas a serem auditadas, apresentada em cima da hora e justificada pelo TSE por lacônica “razões técnicas”, para o senador se justificava porque “ninguém entende mais de eleição informatizada do que o TSE de Jobim”. Aprovada. Eis aí nossa harmoniosa república!

Nela, consigo imaginar como o chefe do Poder Legislativo estaria cumprimentando o chefe da Justiça Eleitoral, ao dele receber, sorridentes perante mudas câmeras de TVs, sobre o tapete vermelho do salão nobre, sua nova proposta de lei eleitoral. Alto grau de excelência. Consigo, também, imaginar qual parte da sociedade brasileira desserve-se, e qual se serve, da harmonia com que o senador Belo Parga e outros então governistas aprimoraram, através de 16 emendas pinga-fogo, a lei de votação eletrônica anterior. Consigo com a ajuda do comandante deste aprimoramento, então senador Hugo Napoleão, quem recebeu, quinze dias depois, o governo do seu estado — pura ironia — de um Mão-Santa, deletado do posto pela caneta mesma do ministro Jobim.

E também da harmonia com que os senadores Artur Virgílio e Eduardo Azeredo tentam aprimorar a mais engenhosa e perigosa das caixas concebidas no reinado neoliberal de FHC. A caixa-galinha-preta-de-bits chocada pela medida provisória 2200. Tendo aprendido muito bem o que sejam garantias de segurança jurídica na revolução digital, não com o painel eletrônico instalado na sua casa legislativa, mas com herméticas canetadas tucanas, estão eles agora dispostos a nos ensinar, sacramentando seus doutos saberes em Lei. Azeredo, em mais uma variante harmônica de excelente lei eleitoral. Virgílio, em emenda — também de última hora — ao projeto de lei 9.800, oito dias depois do discurso de Lula. Na pressa, acanhou-se o líder — agora oposicionista no Senado — de nos ensinar o que vem a ser um “original” de “documento eletrônico”.

Só não consigo imaginar o chefe do Poder Judiciário acatando o sábio conselho daquele seu colega de mais alta corte. Ampliando um pouquinho o escopo da preconizada virtude cristã, para saudar o discurso presidencial “caixa-preta” em senatorial estilo: “ninguém entende mais de transparência nos poderes públicos do que o PT de Lula”. Desimagino tal saudação, embora a deseje. Desejo-a por sabermos, eu e o agora ministro-chefe, que dois em cada três brasileiros votantes podem ter eleito Lula — salva a galinha — por assim crerem. Mas o que vale uma crença, até do próprio Lula?

Uma boa resposta, talvez em homenagem profética, sendo imortal sua poesia, deixou-nos o inesquecível Drummond, para publicação póstuma em Farewell. São versos que encerram o poema “Ilusão do Migrante”.

“…Novas coisas, sucedendo-se,
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
esta ferida alastrada
na pele de nossas almas.

Quando vim da minha terra,
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
por baixo de falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações,
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
este vivente enganado, enganoso.”

Pedro Antônio Dourado de Rezende é doutorando em matemática pela Universidade de Brasília (UnB), coordenador do programa de extensão em Criptografia e Segurança Computacional da UnB e representante da sociedade civil no Comitê Gestor da ICP-Brasil.

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