O papel da assistência judiciária em relação aos Direitos Sociais

Luiz Alberto de Vargas , Ricardo Carvalho Fraga*

INTRODUÇÃO

Objetiva o presente trabalho enfatizar a importância do livre acesso ao Poder Judiciário, como uma das mais importantes garantias de efetivação dos direitos sociais, prevista, inclusive, na Constituição da República.

Ao mesmo tempo, busca-se refletir sobre as limitações que as normas atuais e uma interpretação pouco compatível com as garantias constitucionais impõem ao livre acesso ao Judiciário Trabalhista, especialmente no que concerne a inexistência de honorários sucumbenciais e as restrições à ampla concessão da Assistência Judiciária Gratuita.

DIREITOS SOCIAIS: A LUTA PELA EFICÁCIA

Assiste-se, em nossos dias, a crescente expansão e consolidação dos direitos humanos, consagrados nas Constituições dos países do todo mundo, fruto de um processo evolutivo civilizatório, que crescentemente consolidou a compreensão de que a finalidade precípua das instituições sociais deve ser garantir a todos os cidadãos a livre fruição dos direitos humanos.

A todo ser humano tem sido, cada vez mais, reconhecido o direito de exigir dos Estados a efetivação de um conjunto de medidas que, em última análise, assegurem a eficácia dos direitos fundamentais formalmente reconhecidos nos tratados internacionais e nos ordenamentos jurídicos nacionais.

O variado espectro de direitos reconhecidos alcança desde os chamados direitos políticos clássicos (direito à vida, à liberdade, à integridade física, inviolabilidade do domicílio, etc.), passando pelos direitos de participação (a votar e ser votado, direito de reunião e de associação, etc.) e chegando aos direitos sociais (direitos individuais e coletivos dos trabalhadores, direitos do consumidor, direitos à proteção social, etc.) (1). Em conceito cada vez mais aceito, o progresso de um país deve ser medido, não pela riqueza que acumula, mas pela apropriação do conjunto dos direitos humanos por parte da maioria da população. (2)

Tais avanços não foram logrados pacificamente, mas em meio à intensa luta, teórica e prática, em que contendem versões bastante distintas a respeito do papel do Estado e das políticas públicas que visam promover a igualdade. Ante o fato incontestável de que não se garante à maior parte da população mundial condições mínimas de existência digna, todo o debate a respeito de direitos humanos pode parecer inconsistente e acadêmico, desligado de uma dura realidade que parece desconhecer as boas intenções dos teóricos.

Entretanto, tal debate não é, absolutamente, em vão. Muito se percorreu até se consolidar o entendimento sobre a aplicabilidade direta das normas constitucionais, especialmente as que contém direitos fundamentais. (3) Da mesma forma a vinculação dos particulares às normas de ordem pública enfrentou a dura oposição dos liberais, tributários de uma longa tradição que associa os direitos humanos apenas aos conceitos negativos da liberdade. (4) Por fim, relativamente aos direitos sociais, por muito tempo, negou-se aos mesmos o “status” de direitos fundamentais. (5) Além disso, por serem promocionais da igualdade, foi preciso vencer a resistência a considerá-los “verdadeiros direitos”, mais do que simples recomendações ao administrador público. (6)

A Constituição brasileira consagrou extensa gama de direitos sociais, a princípio, elencados nos artigos 6o e 7o e, mais adiante, desenvolvidos por normas inequívocas, como, por exemplo, o direito à saúde e educação. Tais normas podem ser exemplificadas como o “direito de todos e dever do Estado” (artigos 196 e 205) ou o conjunto de artigos destinados a sustentar o direito à Previdência Social (artigos 201 e 202). Da mesma forma, há uma série de direitos trabalhistas, em geral contidos no art. 7o da Carta Magna, onde consta, por exemplo, a proteção contra a despedida imotivada, o direito ao seguro-desemprego, a igualdade entre trabalhadores urbanos e rurais, o direito ao salário mínimo, o direito da gestante à licença maternidade, direito à duração de trabalho não superior a oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, etc.

Não foram poucas as vozes que se levantaram contra o caráter detalhado da Carta Constitucional, especialmente no que tange aos direitos sociais. Por outro lado, malgrado o contido no parágrafo 1o do art. 5o da Constituição Federal, que assegura efetividade imediata às normas constitucionais, persiste a oposição à aplicação direta dos direitos trabalhistas contido no art. 7o da Carta de 1988. Da mesma forma, em diversas ocasiões, propôs-se a revogação do art. 7o ou, pelo menos, a mitigação dos direitos ali contidos através do procedimento de negociação coletiva.

Tal fato apenas demonstra que a implementação dos direitos sociais ainda é um processo em curso, em que as mesmas forças que resistiram ao seu reconhecimento constitucional, hoje se opõem à sua efetivação. (7)

Neste trabalho procura-se analisar outra faceta da mesma oposição, aos direitos sociais, porém esta de natureza prática, ou seja, a inviabilização do exercício do direito através das restrições ao livre acesso do cidadão ao Poder Judiciário. (8)

Para tanto, antes de tudo, é necessário situar o livre acesso ao Judiciário como uma das mais importantes garantias dos direitos fundamentais.

AS GARANTIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A efetividade do processo constitui, ele mesmo, um direito fundamental, “posto que dela depende a própria garantia de proteção judiciária, o que faz com que os meios de tutela devam ser adequados e hábeis para de fato pacificar os conflitos e realizar a Justiça”. (9)

Conforme JUAREZ FREITAS, da adoção, entre nós, do sistema de jurisdição única (cláusula pétrea da Constituição Federal brasileira), decorre o “amplo e irrenunciável direito de acesso à tutela jurisdicional como uma espécie de contrapartida lógica a ser profundamente respeitada, devendo ser proclamado este outro vetor decisivo no processo de interpretação constitucional: na dúvida, prefira-se a exegese que amplie o acesso ao Judiciário (…)”(10)

Embora não se possa reduzir toda a efetividade dos direitos fundamentais – e dos direitos sociais em particular – à sua judiciabilidade(11), não resta dúvida de que incumbe ao Estado, através do Poder Judiciário, tutelar os interesses protegidos contidos nas normas legais, assegurando sua efetiva realização.

Conforme ALBUQUERQUE ROCHA, tal tutela se faz através da garantia, ou seja, da “técnica destinada a realizar, na prática, o direito, no caso de sua violação”. (12) O próprio direito material está indissoluvelmente associado aos meios de sua instrumentalização e às garantias de eficiência dos mesmos. (13) É a própria Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, em seu art. 16, proclama: “Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição.”

Para CANOTILHO, “garantia” é o meio processual (judicial, administrativo ou mesmo material) adequado para a defesa dos direitos. (14) Há de se distinguir as garantias formais das instrumentais ou processuais. Conforme Vicente Grecco, as garantias formais são “aquelas que, sem definir o conteúdo do direito, asseguram a ordem jurídica, os princípios da juridicidade, evitando, o arbítrio, balizando a distribuição dos direitos em geral (por exemplo, o princípio da legalidade: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virgude de lei — ou o da isonomia ou igualdade — Todos são iguais perante a lei).

Já as garantias instrumentais ou processuais são “as disposições que visam assegurar a efetividade dos direitos materiais e das garantias normais, cercando, por sua vez, sua aplicação de garantias; sendo exemplos, as garantias do processo, como o da ampla defesa, a instrução contraditória, etc. (15)

Assim, a garantia de proteção judicial constitui a “garantia das garantias constitucionais” e esta “há de ser eficaz, sob pena de haver denegação de jurisdição”. (16) As garantias judiciais surgem a partir do instituto inglês do “habeas corpus” (1679), usado para proteger a liberdade de locomoção, tornando-se a matriz de todas as garantias posteriores, criadas para a proteção de outras liberdades fundamentais. (17)

Em se tratando de direitos fundamentais, estes merecem, nos ordenamentos jurídicos em geral, uma garantia reforçada. Conforme MARC CARRILLO, a força normativa das normas constitucionais que asseguram direitos fundamentais e liberdades públicas é plena, pois é exigível diretamente ante juízes e tribunais.

Tal garantia reforçada não contempla apenas as garantias formais, mas deve se estender também as garantias processuais ou instrumentais. Entre as estas destaca-se a de permitir ao cidadão o livre acesso ao Poder Judiciário.

O LIVRE ACESSO AO JUDICIÁRIO COMO GARANTIA PROCESSUAL

Conforme CAPELETTI, “o acesso não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica”. (20)

O livre acesso implica tanto que o sistema judiciário seja igualmente acessível a todos quanto que produza resultados, individual ou coletivamente, justos. (21) Assim, a preocupação central deverá ser, não tanto com as garantias processuais clássicas, que assegurem a possibilidade formal de acesso ao Judiciário, mas sim a criação de instrumentos que permitam que as partes estejam, mais do que em igualdade jurídica, mas também em igualdade técnica e econômica. (22)

Seguindo o pensamento de CAPPELLETTI, o acesso à Justiça constitui, hoje, um movimento mundial, que pode, graficamente, se resumir em três fases (ou ondas) distintas(23):

– a primeira onda, preocupada pela assistência judiciária para os pobres.

– a segunda onda representou a mudança das regras tradicionais do processo civil para a tutela dos interesses coletivos e difusos

– a terceira onda seria a etapa das reformas dos códigos existentes em função da necessidade de um enfoque de Justiça mais efetiva.

Por sua vez, BOAVENTURA SOUZA SANTOS aponta três tipos de obstáculos à Justiça: econômicos, sociais e culturais. (24)

Relativamente aos obstáculos sociais e culturais, releva destacar que, modernamente, tem se entendido da insuficiência da tradicional assistência judiciária, que se limita ao apoio judiciário(25), assim entendido o patrocínio gratuito e a dispensa das despesas processuais, mas abrange hoje “toda a assistência jurídica pré-processual, a começar pela informação, com a correlata tomada de consciência, passando pela orientação jurídica (complementada, quando necessário, por outros tipos de orientação), pelo encaminhamento aos órgãos competentes e culminando finalmente, na assistência judiciária propriamente dita”. (26)

Quanto aos obstáculos econômicos, conforme BOAVENTURA SOUZA SANTOS, estes atingem aos desfavorecidos de forma tripla:

a) nas sociedades capitalistas em geral os custos da litigação são muito elevados;

b) a relação entre o valor da causa e o custo da litigação aumenta à medida que baixa o valor da causa;

c) a lentidão dos processos facilmente se converte em um custo econômico adicional e este é proporcionalmente mais gravoso para os cidadãos de menos recursos. (27)

Interessa, dentro dos limites deste trabalho, analisar apenas os obstáculos econômicos (ou os fatos relativos à primeira onda do movimento do livre acesso, como diz Cappelletti). Ou seja, partir da constatação que, “em face das diferenças fundamentais entre os homens, a que se reúne o custo da demanda”, nem sempre o exercício do direito de ação “se oferece acessível ao alcance do corpo social, máxime dos despossuídos de recursos financeiros, senão através de órgãos instituídos e mantidos pelo Estado, no desempenho do dever-função de atribuir a cada qual o que lhe pertence”. (28) A despeito da importância da assistência jurídica integral, como previsto na Constituição Federal (art. 6o, LXXIV), limitaremo-nos à assistência judiciária.

A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – ENTENDIMENTO MODERNO

Embora a assistência judiciária aos necessitados existisse desde a Idade Média, foi no século XX que esta se elevou à garantia constitucional em inúmeros países, tornando-se importante instrumento de viabilização e democratização do acesso ao Judiciário. (29)

No Brasil, ao tempo que tiveram vigência as leis portuguesas, o instituto da assistência judiciária era aplicado como previsto nas Ordenações Filipinas. Sucessivas legislações nacionais trataram da matéria até chegarmos à Constituição Federal de 1946, que, em seu art. 141, parágrafo 35 estabeleceu que “o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”. (30) Chama-se atenção para o contido no art. 514 da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1946, que atribui aos sindicatos a obrigação de manter serviços de assistência judiciária para seus associados, assim como os artigos 782 e 789 parágrafo 7o, que tratam da justiça gratuita.

Ainda em vigor, a Lei Federal de 5/2/50 assegura assistência judiciária ao necessitado, assim considerado “aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (art. 2o).

Chega-se à Constituição de 1988, que dispõe no art. 5º, LXXIV, que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Já o artigo 134, ao tratar da Defensoria Pública, atribui a esta a “orientação jurídica e a defesa, em todos os graus dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.

Dois pontos, aqui, merecem ser destacados: primeiro, a norma do art. 5º constitui-se uma garantia constitucional prevista no capítulo dos direitos individuais, verdadeiro “direito subjetivo público”, que se fundamenta nos princípios da solidariedade social e da isonomia, ambos agasalhados pela Carta Magna. (31) Segundo, o texto constitucional destaca a assistência jurídica integral , claramente situando-se em um conceito mais moderno que, como já se fez referência, não se limita ao simples apoio judiciário. Terceiro, o legislador constitucional, não apenas instituiu a garantia, mas também atribuiu a determinado órgão estatal a missão de torná-la efetiva. Mais ainda, constituiu a assistência judiciária em “atividade estatal essencial ao exercício da função jurisdicional”. (32)

Apesar da clara intenção do legislador de assegurar a efetiva assistência jurídica a todo cidadão brasileiro, é notória a insuficiência e o desaparelhamento material das poucas Defensorias Públicas criadas nos Estados da Federação, frustrando-se a expectativa social criada a partir da Carta de 1988.

Reconhecendo tal situação deficitária, o próprio Supremo Tribunal Federal, ao examinar esta demora no atendimento no disposto no art. 134 da Carta Magna, sendo Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, manifestou-se no sentido da subsistência do art. 68 do Código de Processo Penal, pelo qual “Quando o titular de direito á reparação do dano for pobre (art. 32, parágrafos 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida a seu requerimento, pelo Ministério Público”. (33)

Tratou-se no julgamento da alta Corte de reconhecer as dificuldades da realidade, não para negar o texto constitucional, para buscar e lograr dar-lhe eficácia, de qualquer modo, ainda que não da maneira desejada, diante da relevância do tema. (34)

A solução que parece melhor atender aos ditames constitucionais, portanto, não é a interpretação conformista de assegurar-se a assistência judiciária apenas onde está é possível ante as deficiências materiais dos órgãos criados por lei para assegurá-la ao cidadão hipossuficiente, mas, ao contrário, uma visão ampliativa, pela qual o Estado – e não apenas determinado órgão estatal – é responsável pela sua implementação.

A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Na Justiça do Trabalho, ainda que represente hoje a mais importante via de acesso judicial da população carente a seus direitos básicos, persiste um modelo de assistência judiciária ultrapassada, em que vige o contido na Lei 5.584/70 — um retrocesso mesmo em relação à Lei 1.060/50. O jurisdicionado trabalhista, vale dizer o empregado, é um discriminado em relação aos de outros ramos do poder judiciário.

Com base em concepção superada do processo trabalhista — como se este fosse simples, elementar e destituído de maiores indagações jurídicas — e a pretexto de manutenção do “jus postulandi”, as normas processuais trabalhistas não prevêem a sucumbência e, em decorrência, parte-se do pressuposto que a parte vencida (na esmagadora maioria das vezes um empregador inadimplente) somente deve pagar os honorários advocatícios da parte adversa em situações excepcionais, que são aquelas ainda previstas na Lei 5.584 com as pequenas modificações introduzidas pela nova redação do art. 789 da CLT:

a) trabalhador que perceba salário igual ou inferior a cinco salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em razão de encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover à demanda; (35)

b) a assistência judiciária é prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertence o trabalhador, sendo que os honorários pagos pelo vencido revertem em favor do sindicato assistente.

O processo do trabalho tornou-se complexo e as chances do empregado prescindir de advogado (“jus postulandi”) são pequenas. Resulta que, para obter advogado que patrocine sua causa, em geral o empregado que não se enquadre nas restritivas hipóteses da lei, ou tem condições de antecipar parte dos honorários do advogado antes do ajuizamento de ação ou se compromete a pagar um percentual bem superior ao valor de mercado a título de honorários a final.

Além da flagrante injustiça, há de se considerar também uma severa restrição ao direito de ação, uma vez que boa parte das causas de pequeno valor terminam por não chegar ao Judiciário, por não encontrarem os trabalhadores necessitados advogados que queiram defendê-las. O mesmo ocorre com causas com poucas chances de vitória, o que implica empobrecimento das matérias levadas à juízo, com prejuízo à criação jurisprudencial.

Por fim, cria-se também evidente desequilíbrio processual, pois, ao passo que os advogados dos trabalhadores são mal remunerados e pouco motivados, as empresas, ao contrário, contam com profissionais muito qualificados e bem pagos, recebendo assessoramento de escritórios bem equipados. Tais disparidades desde muito têm sido analisadas, entre outros, por Roberto Aguiar. (36)

Assim, a inexistência de sucumbência no processo do trabalho resulta em graves prejuízos ao trabalhador.

Procura-se justificar a persistência de tal lacuna supostamente para evitar que o empregado carente deixe de exercer seu direito de ação por temer que, ao final do processo, seja obrigado a pagar honorários advocatícios do empregador. (37) Em realidade, como já se disse, na prática, as hipóteses em que o empregado é totalmente vencido no processo trabalhista são pequenas e não representariam fator de restrição ao ajuizamento de demandas. Por outro lado, bastaria que se estendesse, com a amplitude desejada pelo legislador constitucional, o direito à assistência judiciária ao jurisdicionado trabalhista para que tal problema fosse solucionado. (38)

Em realidade, a previsão legal atinge uma minoria de processos ajuizados. A norma legal restringe a assistência judiciária aos sindicatos, o que, por si só, representa uma verdadeira restrição a escolha do advogado. Além disso, nem todos trabalhadores estão amparados por sindicatos representativos ou preparados.

A idéia de que o trabalho de assistência judiciária prestado pelos sindicatos pudesse ser complementado por escritório de serviços jurídicos gratuitos (consultoria pública, faculdades de direito, etc.) mostra-se incorreta, na medida que tais escritórios, enfrentam conhecida escassez de recursos, advogados menos preparados, com menor experiência e pouco motivados (já que não há sequer pagamento dos serviços prestados). Ademais, inexiste atuação da Defensoria Pública em processos trabalhistas.

As críticas doutrinárias existem há muito. Para citar apenas dois autores, cujas palavras, por sua agudeza de raciocínio, merecem integral transcrição.

Mozart Victor Russomano propondo uma retomada do que se entendia por assistência judiciária, assinalava que:

“Tudo repousa, em nosso juízo, em graves equívocos: a) a assistência devida pelo sindicato não deveria ter sido definida como “assistência judiciária”. Embora tornada obrigatória, é serviço assistencial decorrente da natureza de suas finalidades. b) Em nenhum caso se pode admitir que o trabalhador pobre não tenha direito de escolher seu defensor em juízo. c) O recebimento, pelo Sindicato, dos honorários advocatícios é surpreendente e desvirtua sua posição social em face do trabalhador.” (39)

Valentin Carrion argumentava que a Lei 5.5584, art 14, não pode ser utilizada para que se restrinja a anterior Lei 1.060, de modo que o sindicato passe a ter a exclusividade da assistência a ser prestada:

“…a) porque o texto não diz (como poderia parecer) que na Justiça do Trabalho a assistência “só será prestada pelo sindicato”;

b) porque uma interpretação limitadora que se deixe levar pela primeira impressão gramatical que transmite o texto, contraria o processo histórico brasileiro; este é no sentido de seu aperfeiçoamento. Pontes de Miranda afirma mesmo que “a escolha de advogado pela parte marca a evolução da justiça gratuita no Brasil” (Comentários ao CPC, 39, art. 67); viola ainda os postulados igualitários; significa retrocesso no próprio direito processual comum brasileiro; falta-lhe visão da grandeza da Justiça e da missão do Advogado;

c) porque, perquirindo-se a finalidade da lei, não há vantagem na discriminação contra o necessitado trabalhista, em cotejo com o necessitado do processo comum; seja o advogado do sindicato ou seja o advogado escolhido pelo trabalhador, o honorários serão pagos pelo adversário vencido;

d) porque é inconsistente o argumento de que na Justiça do Trabalho o advogado é desnecessário mesmo que se queira conservar o direito da parte postular. E, além do mais, seria como dispensar-se assistência médica dizendo-se que o doente pode automedicar-se sozinho;

e) porque se deixariam sem assistência judiciária: os trabalhadores das cidades onde não há sede do sindicato e existe Junta de Conciliação e Julgamento (os promotores nesses casos não tem atribuições); os trabalhadores de sindicatos que não possam organizar a assistência; os servidores públicos estaduais e municipais que não tenham categoria que os represente; as domésticas e seus patrões; as hipóteses em que o advogado do sindicato está impedido; o pequeno empreiteiro; o cliente deste; o pequeno empregador arruinado; certos humildes reclamados (tão hipossuficientes quanto seus reclamantes); o trabalhador que discorde da orientação adotada pelo sindicato.

O remédio não será permitir a aplicação da L. 1060 a estes casos apenas, mas reconhecer francamente a coexistência das duas, sem limitações”. (40)

O ilustre jurista, salienta que a “defesa dos pobres deve ser igual à de sue adversário”, conforme Gaetano Franceschini, Il Patrocinio, Milano, 1903, e lembra estudo na Revista LTr 42/1208, sob o título “Assistência Judiciária”. Em proposta de ação mais imediata, chegou a expressar que não pode esperar mais para atender os mandamentos constitucionais. A “complicada rede de cargos públicos de chefias e super-chefias (art 134 CF)” pode tardar mas nosso desejo de cumprir a Constituição, utilizando inclusive “a vontade dos bacharéis que se dispõem, sem grandes sacrifício” tal como já ocorre com os peritos inscritos em cada Unidade Judiciária.

Tudo se passa, ademais, como se tal interpretação restritiva da Lei 5.584 fosse compatível com os mandamentos constitucionais que garantem a assistência jurídica integral a todo cidadão carente de recursos.

Infelizmente, tanto o Tribunal Superior do Trabalho através dos Enunciados n. 219 e 329(41), como o Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região, através de seu Enunciado nº20(42), têm interpretado o direito à assistência judiciária de forma bastante restritiva e desconectada com as normas constitucionais, constituindo-se tais interpretações jurisprudenciais como, talvez, um dos mais importantes obstáculos atuais ao livre acesso ao Judiciário Trabalhista.

Na verdade ao se dificultar a assistência judiciária completa, suficiente e eficaz se está aceitando grave violação ao direito de acesso e ao direito de ação do trabalhador brasileiro.
Clama-se por reforma imediata.

Conclusões

O grande avanço constitucional relativamente aos Direitos Sociais exige que se tenham instrumentos que o consolidem. A assistência judiciária, na área trabalhista, tem tido interpretação mais restrita do que nas demais esferas. Neste momento, acredita-se ser possível e necessário certa retomada dos debates já travados para que obtenham novos aperfeiçoamentos da democracia, no âmbito do acesso do trabalhador ao Poder Judiciário. Por ora, apresentamos estas conclusões, mais gerais, para o melhor embate:

1- Os direitos sociais de natureza trabalhista, constituem importante parcela dos direitos humanos ou fundamentais, agasalhados principalmente no art. 7o de nossa Constituição Federal e, como tal, merecem ser considerados “verdadeiros direitos” e, como tal, devem gozar de proteção especial.

2- Na proteção especial que o sistema jurídico deve assegurar aos direitos fundamentais deve estar contemplada a existência de garantias que assegurem a todo cidadão exigir do Estado a efetividade do direito previsto em lei.

3- Um dos pilares do sistema de garantias é o livre acesso do cidadão ao Poder Judiciário, constituindo-se este ponto central da moderna processualística.

4- O livre acesso compreende, não apenas o “acesso à Justiça enquanto instituição estatal, mas viabilizar o acesso à ordem jurídica justa” (Kazuo Watanabe).

5- Tendo em conta a desigualdade social, mormente a existente em nosso país, um dos fatores mais relevantes de limitação do livre acesso ao Poder Judiciário é de natureza econômica, seja na forma de custas, honorários advocatícios, despesas processuais (peritos, etc.)

6- Tanto a Constituição Brasileira, como normas ordinárias, prevêem um conjunto de medidas destinadas a assegurar o acesso do hipossuficiente à assistência jurídica ampla.

7- Na Justiça do Trabalho, entretanto, apesar dos insistentes alertas da doutrina e de parte da jurisprudência, persiste entendimento que leva à severa restrição ao livre acesso ao Poder Judiciário Trabalhista dos trabalhadores sem recursos econômicos para custear advogado. Tal fato, hoje, um dos mais graves desrespeitos ao direito fundamental de ação do trabalhador brasileiro.

8- A sistemática atual de assistência judiciária é insuficiente, incompleta e insatisfatória, clamando-se por sua imediata reforma.

Luiz Alberto de Vargas é juiz do trabalho no Rio Grande do Sul, integrante da 2ª Turma do TRT-RS, por convocação.
Ricardo Carvalho Fraga é juiz titular do TRT-RS, integrante da Composição da 2ª Seção de Dissídios Individuais.

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