Airton Rocha Nóbrega
SUMÁRIO
I. Introdução. II. A abertura do Processo Administrativo. III. O planejamento de obras e serviços. IV. I O planejamento de compras. V. A elaboração do instrumento convocatório. VI. O exame prévio e a aprovação do órgão jurídico. VII. Conclusão.
I. INTRODUÇÃO
A licitação pode ser conceituada como o procedimento administrativo que se destina a selecionar a proposta mais vantajosa para o contrato de interesse de determinado ente ou órgão público, preservando e garantindo tratamento isonômico a todos que demonstrem condições de participar do certame e tenham interesse em disputar o objeto contratual oferecido. Tratando-se de procedimento administrativo há de se ter como pressuposto necessário a existência de uma série de atos praticados de forma seqüencial, alguns de competência da própria Administração, outros de responsabilidade dos participantes.
O procedimento, no dizer abalizado de Maria Sylvia Zanella de Pietro (in, “Direito Administrativo” – Atlas – 7ª ed. – pág. 397), “é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale a rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo”. E a licitação se desenvolve induvidosamente com observância de um rito formal que é em lei estabelecido. Veja-se que a Lei 8.666/93, em seus dispositivos iniciais já proclama de logo que “todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei, …” (art. 4º). É ato administrativo formal, consoante o explicita o parágrafo único do mesmo dispositivo. Significa dizer, portanto, que a licitação desdobra-se em fases que, devidamente planejadas e previstas, vão integrar todo um procedimento. Inverter tais fases ou deixar de cumpri-las poderá acarretar a nulidade de todo o certame ou, na melhor das hipóteses, em atrasar a sua conclusão. Atentar-se, portanto, para as diversas etapas que legalmente se impõem ao administrador público é, assim, medida que se entremostra necessária, conforme será exposto a seguir.
II. A ABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Os atos da licitação serão reunidos em processo administrativo previamente instaurado nos moldes previstos no art. 38 da Lei de Licitações e Contratos (LLC). Estabelece esse dispositivo que “o procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, …”.
O processo administrativo se prestará, assim, à adoção de providências básicas e indispensáveis ao regular processamento da licitação. A partir da requisição ou pedido formulado pela área interessada, deverá ser expedida a competente autorização para instauração do processo, com a indicação sucinta do objeto a ser licitado e indicação da existência de recursos orçamentários para a realização da despesa. Tais peças básicas serão autuadas e devidamente numeradas em seqüência, a partir da capa. O processo será identificado mediante registro próprio realizado em protocolo geral ou específico.
Cumprida essa etapa prévia, cumpre realizar-se a discriminação do objeto a ser executado, o que se deverá fazer do modo mais completo possível, evitando-se falhas ou omissões indesejáveis, decorrentes de uma imprecisa descrição que apenas se prestará a invalidar o certame ou a acarretar descabido e injustificável prejuízo ao erário, ante a contratação de algo diverso daquele que efetivamente se pretendia.
Essa delicada tarefa de definir o objeto que se visa obter consistirá de etapa específica em que não serão dispensados conhecimentos técnicos e onde não haverá campo para especulações ou amadorismo. Providências diversas caberão à Administração adotar consoante se trate de obras, serviços ou compras, como será examinado nos itens subsequentes.
III. O PLANEJAMENTO DE OBRAS E SERVIÇOS
A individuação do objeto há de ser feita em conformidade com a natureza do que se pretende contratar. Visando a disciplinar esse particular aspecto da fase interna da licitação, a Lei 8.666/93 trata de forma diferente, embora com os mesmos objetivos, as situações alusivas a obras e serviços (art. 7º) e aquelas respeitantes às compras (arts. 14 e 15). Em se tratando de obras e serviços, especialmente na área de engenharia, ver-se-á a administração compelida a providenciar a elaboração de projeto básico, o qual será posteriormente consolidado em projeto executivo. Tais projetos terão que reunir os requisitos postos no art. 6º, incisos IX e X, da LLC, detalhando, assim, o que se pretende executar. Orienta a Lei no sentido da padronização de projetos (art. 11), quando possível e conveniente, assim como fixa requisitos que deverão ser considerados tendo em vista especialmente a racionalidade dos mesmos (art. 12).
Mas não basta cumprir-se essa etapa alusiva à elaboração de projetos. Há necessidade, ainda, de se buscar estimar o custo das obras e serviços, o que se fará por intermédio de orçamento detalhado, expressando a composição de todos os custos unitários (art. 7º, § 2º, II). Esse levantamento prévio – que servirá como parâmetro para a quantificação dos custos estimados da contratação – deverá ser realizado de forma responsável, por intermédio de adequada coleta de preços e previsão de custos. É atividade que será cometida a pessoa dotada de competência e de conhecimentos para tanto, a ela não se admitindo jamais atuar de forma descompromissada e aleatória, baseada, às vezes, em favores de eventuais futuros participantes do certame que em breve será instaurado.
Obtido o custo estimado da contratação, etapa seguinte será a de verificar a existência de previsão para a realização da despesa, mediante inclusão feita nas leis orçamentárias. Quanto a esse aspecto específico, é necessário ter em mente que é vedado o início de projeto não incluído na lei orçamentária anual, assim como a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais (CF: art. 167, I e II). Não são admitidos, outrossim, investimentos cuja execução ultrapassem um exercício financeiro sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a sua inclusão, pena de ver-se o responsável incurso em crime de responsabilidade (CF: art. 167, § 1º).
Necessário fazer-se o registro de que nem todas as exigências contidas na Lei se mostram compatíveis com serviços alheios à área de engenharia, devendo a Administração, em tais casos, efetuar as necessárias adequações. Exemplo disso é a exigência alusiva a projetos básico e executivo, impossível de obter-se, com o grau de detalhamento e conteúdo estabelecidos, quando se tratar de serviços comuns. Cuidado que se deve ter, em relação a estes, é o de definir adequadamente o objeto, detalhando-o em memoriais. A intenção da Lei é a de evitar a instauração da licitação e a posterior contratação de algo que, por ausência de definição prévia, não se preste a atender às necessidades da Administração.
IV. O PLANEJAMENTO DE COMPRAS
Referindo-se às compras, dá a Lei início ao disciplinamento do tema estabelecendo, como regra preliminar, que “Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa” (art. 14).
A intenção claramente explicitada é no sentido de que não se deve dar início à aquisição de bens para a Administração sem prévia definição do que se pretende adquirir e sem que haja recursos previstos para a realização dessa despesa. Outras exigências, no entanto, terão que ser observadas, exigindo-se atenção ao princípio da padronização – de modo a baratear custos de manutenção – a aquisição por meio de registro de preços e a observância de condições semelhantes às do setor privado, admitida, também, a subdivisão em parcelas, visando ao aproveitamento de peculiaridades do mercado (art. 15).
Destacam-se, dentre os requisitos indispensáveis ao processamento de compras, aqueles que são relacionados no § 7º do art. 15 da Lei. A especificação completa dos bens que se pretende adquirir, sem indicação de marca, é a primeira exigência posta no dispositivo referido. Mas não é bastante a individuação satisfatória dos bens. É necessário que sejam definidas as quantidades em função do consumo e utilização prováveis, adotando-se, para esse efeito, adequadas técnicas quantitativas de estimação. E além desse cuidado de adquirir apenas o que efetivamente se consumirá, há de se ter atenção com aspecto outro de suma importância, qual seja o de averiguar previamente as condições de guarda e armazenamento, evitando, assim, a deterioração dos bens adquiridos por ausente adequadas condições de acomodação e de proteção. Almeja-se, com tais exigências, evitar-se o desperdício e os gastos desnecessários, coibindo atitudes negligentes que, em geral, decorrem do fato de atuar-se desatentamente, sem qualquer preocupação em realizar-se uma avaliação prévia de necessidades efetivas da Administração, acarretando o desperdício de bens adquiridos em excesso.
Oportuno rememorar, ademais, que ao vedar-se a indicação de marca, no momento da especificação do bem tem-se por fim afastar as aquisições de bens apenas em função de preferências pessoais ou de escolhas intencionalmente dirigidas para produtos determinados, sem qualquer justificativa aceitável e, às vezes até mesmo de forma contrária aos fins da licitação.
Cabe asseverar, por último, que também em relação às compras uma verificação preliminar do custo estimado da contratação é providência que deve ser tomada pela Administração, já que apenas se admitirá a instauração do certame licitatório se houver previsão de recursos específicos no orçamento do órgão ou entidade licitadora. Nesse particular aspecto, cumpre dizer-se que criticável é a forma usualmente adotada no âmbito da Administração, pois, em regra, é baseada em consultas que, de forma indolente, são formuladas diretamente a eventuais fornecedores, os quais apresentam cotações irreais e com valores elevados, decerto acreditando que poderão, a seguir, impor tais valores em função de não haver qualquer preocupação em cotejar com preços reais os que foram ofertados.
Para evitar-se esse tipo de fraude tão comum e tão tolerada na Administração Pública é preciso dotar cada repartição de pessoas qualificadas, capazes de verificar, in loco, os preços de mercados e de realizar uma avaliação criteriosa, fixando, a seguir, valores médios baseados em custos reais e confiáveis.
Estes, portanto, os cuidados básicos que em lei são impostos em relação às compras.
V. A ELABORAÇÃO DO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO
Certo é que, cumpridas tais exigências básicas em relação a obras, serviços e compras, poderá então a Administração, considerando o valor estimado da contratação (art. 23), realizar a escolha da modalidade adequada e, após isso, providenciar a elaboração do instrumento convocatório correspondente.
Em se tratando de licitação nas modalidades de concorrência e tomada de preços, o edital deverá ter o seu conteúdo estabelecido em conformidade com as exigências inscritas no art. 40 da Lei 8.666/93, impondo-se cuidadosa elaboração do instrumento, com a utilização de linguagem concisa e clara, de modo a não ver-se frustrado o certame em função de omissões, descuidos ou até mesmo de desnecessárias exigências.
De suma importância, ademais, que não se estabeleçam exigências de habilitação desnecessárias à participação no certame licitatório, em flagrante descompasso com o que se pretende contratar, pois ao buscar-se supostamente a proteção dos interesses da Administração, com a previsão de exigências exageradas, apenas se estará impedindo a ampliação do universo de licitantes e, em conseqüência, criando óbice ao alcance da finalidade precípua da licitação que é a de selecionar a proposta mais vantajosa para o contrato objetivado. E além de se estar afastando da licitação licitantes capazes, poder-se-á criar a falsa aparência de que o certame acha-se dirigido a um ou outro participante. Há de se ter em vista, outrossim, que as exigências alusivas à formulação das propostas não devem estar dissociadas daquilo que é realmente compatível com essa fase da licitação. Exigir conteúdo que a nada se presta ou que não atende a nenhuma finalidade específica não é conduta aceitável e apenas serve para criar embaraços ao alcance do que efetivamente se almeja em cada certame: a proposta mais vantajosa.
Exemplos mais comuns de exigências imprestáveis e que só servem para, privilegiando formalidade dispensável, é pretender-se que as licitantes informem número de conta bancária na proposta, ou que aceitam e estão de acordo com as disposições do edital contra o qual não dirigiram qualquer impugnação, ou, ainda que apresentem o aludido documento em duas ou mais vias, as excedentes geralmente destinadas à lata de lixo.
VI. O EXAME PRÉVIO E A APROVAÇÃO DO ÓRGÃO JURÍDICO
Elaborado o edital e estando definido o conteúdo desejável e adequado à licitação que se pretende instaurar, impõe-se remeter todo o processo e as minutas de instrumento convocatório e contrato ao exame do órgão jurídico da entidade licitadora para, à luz das disposições legais retromencionadas, verificar se não há alguma omissão ou o estabelecimento de exigências que, no caso específico, venham a oportunizar futuros questionamentos e até mesmo a anulação de todo o certame.
A análise jurídica acha-se prevista no parágrafo único, do art. 38, da Lei 8.666/93, onde se determina, ipsis verbis, que “as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”.
Esse exame jurídico prévio não deve ser visto e tratado como mera formalidade, cumprida apenas para o efeito de atender-se à determinação legal e que será retratada pela aposição de um mero “visto” do advogado nos instrumentos. É, em realidade, ato que se inclui na fase interna da licitação e que possui grande importância, até porque uma análise superficial ou descompromissada poderá ensejar a preservação de ilegalidades nos instrumentos, comprometendo não só o bom andamento da licitação, como também a sua finalização. Isto acarretará para a Administração injustificáveis e desnecessários prejuízos, diretamente resultantes da necessidade de repetir-se procedimentos e do fato de impedir ou retardar o alcance do objetivo de interesse público fixado.
A função do advogado compreende, portanto, o encargo de avaliar a correta e adequada formalização do processo, verificando, quanto a esse aspecto, se as exigências legais relativas à instauração do feito foram atendidas. Ultrapassada essa análise preliminar, deve ele, então, se ater ao exame dos instrumentos convocatório e de contrato, cotejando o conteúdo apresentado com as normas estatuídas nos arts. 40 e 55, respectivamente.
Nada havendo a acrescer ou a modificar, atestará o advogado a regularidade do processo e dos instrumentos que a ele se vinculam, expedindo o seu pronunciamento que se constituirá em salvaguarda dos atos administrativos praticados e proteção para o Administrador.
E estando o procedimento regularmente aprovado pelo órgão jurídico competente, poder-se-á, então, definir a data de abertura do certame e dar início à fase externa da licitação, o que se fará em conformidade com as regras que se acham inseridas no art. 21 da Lei 8.666/93, ou seja, extrair-se-á um resumo do edital e se fará publicar este, uma vez na imprensa oficial e uma vez em jornal diário de grande circulação no local em que estar-se-á realizando a licitação.
Com tais procedimentos se terá cumprido as exigências alusivas ao planejamento da licitação de modo bastante.
VII. CONCLUSÃO
Vistos e examinados os aspectos alusivos ao planejamento da licitação no bojo da Lei 8.666/93, pode-se, então, concluir que o certame licitatório nascerá com a instauração do processo administrativo, regularmente autuado, numerado e protocolado, nele se fazendo constar, desde logo, não só a indicação sucinta do objeto que se pretende futuramente contratar, como ainda que esta contratação se tornará possível em função de haver previsão de recursos orçamentários indispensáveis ao atendimento da despesa.
Tudo isso, previamente autorizado por autoridade competente, dará ensejo ao avanço das providências alusivas à elaboração de projetos, básico e executivo, quando se tratar de obras e serviços de engenharia, ou à adoção dos demais atos tendentes ao atendimento de outras exigências que em lei se inscrevem em relação às compras e outros serviços, todas elas voltadas à adequada e completa definição do objeto desejado.
Restando definido o objeto e estando estimado o custo da contratação, restará à Administração determinar a modalidade adequada e, em seguida, providenciar a elaboração cuidadosa e atenta do instrumento convocatório. Aprovado este, designar-se-á a data de abertura do certame e realizar-se-á a publicação de avisos correspondentes. Estes, em suma, os atos que se tornam necessários adotar na fase de planejamento da licitação.
Airton Rocha Nóbrega
Advogado e professor da EBAP/FGV e UCB