De: Francisco das Chagas Lima Filho
Juiz do Trabalho em Dourados (MS), professor de Direito da UNIGRAN, mestrando em Direito pela UnB
——————————
I – Introdução
O Direito tem como principal função regular a vida em sociedade atuando de duas formas: positivamente quando produz regras que imputam vantagens ou direitos em favor de seus titulares, e negativamente através de normas que possam inviabilizar práticas ou condutas agressoras ao patrimônio material e moral dos indivíduos.
No conjunto das regras de caráter negativo – anota Maurício Godinho Delgado – “talvez as mais significativas sejam as dirigidas ao combate à discriminação no contexto social”. (1)
De acordo com o art. 1o da Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, discriminação racial é “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais”.
O art. 1o da Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher conceitua a discriminação contra a mulher como “toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.
Com base nessas Convenções – que foram ratificadas pelo Brasil -, pode-se afirmar que discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objetivo prejudicar ou anular o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural ou civil em qualquer outro campo. Portanto, desigualdade. (2)
As causas da discriminação residem, muitas vezes, no puro e cru preconceito: um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de uma característica sua, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos, como a cor, o sexo, a nacionalidade, a riqueza, etc. Mas pode, também, derivar de outros fatores relativos a um determinado caso concreto ou específico.
Daí a importância e a urgência em se erradicar todas as formas de discriminação, baseadas em gênero, raça, cor, etnia, idade, nacionalidade, religião e demais critérios. A eliminação e o combate a todas as formas de discriminação são medidas fundamentais para que possa ser garantido o pleno exercício dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Vale dizer: para se assegurar o pleno exercício da cidadania, próprio dos regimes democráticos de direito. Um país que se pretende democrático não pode conviver com a discriminação e o preconceito. (3)
Na medida em que os Estados ratificam as Convenções internacionais sobre esta matéria, assumem a obrigação internacional de, progressivamente, eliminar todas as formas de discriminação, assegurando assim, o pleno e efetivo exercício da igualdade.
No Direito brasileiro encontramos todo um arcabouço normativo de combate à discriminação.
A Constituição Brasileira estabelece o art. 3o como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; no art. 5o, incisos XLI e XLII, promete punir “qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” acrescentando que a “prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.
Visando dá cumprimento prático às essas promessas do constituinte foi editada a Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes do preceito de raça ou cor, e em 13 de maio de 1997 foi aprovada a Lei 9.459/97 estabelecendo a punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional, alterando assim, a Lei 7.716/89 de tal forma que ampliou o seu objeto que inicialmente estava restrito ao combate dos atos resultantes de preconceito de raça ou cor.
É claro que essas leis ainda não conseguiram alcançar o necessário efeito prático porque o preconceito racial, ainda que não queiramos admitir, infelizmente encontra-se arraigado na cultura brasileira. (4) Daí a grande dificuldade de aplicação prática da lei, especialmente pelas deficiências na produção da prova. A prática do preceito racial apresenta-se de forma bastante sutil e quase sempre disfarçada com outras práticas igualmente criminosas, mas de muito difícil comprovação. (5)
No âmbito do Direito do Trabalho – que é o objetivo deste trabalho – as Leis 9.029, de 13 de abril de 1995 e 9.799, de 26 de maio de 1999 vieram acentuar o combate às práticas discriminatórias contra a mulher trabalhadora.
Percebe-se, pois, uma busca constante da proibição de todas as formas e práticas discriminatórias em que pese as enormes dificuldades de implementação prática das medidas de combate previstas na legislação nacional. Por isso, o alcance dessas metas estabelecidas pela legislação ainda está bastante longe, pois continuam a persistir muitas lacunas na própria legislação nacional, especialmente no que se refere à discriminação contra as mulheres, os adolescentes, pessoas portadores do HIV, dos homossexuais (6) e de outros grupos socialmente vulneráveis.
Há, pois, imperiosa necessidade de avanço no campo legislativo e um maior envolvimento e conscientização da sociedade para que todas as formas de discriminação sejam efetivamente banidas, com a punição exemplar daqueles que ainda não se acostumaram à convivência democrática em que se deve respeitar e conviver com as diferenças.
Visando coibir as várias espécies de discriminação nas relações de trabalho, foi aprovada pela OIT a Convenção 111, na 42a reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra – 1958), que entrou em vigor em 15.06.60.
No Brasil essa Convenção de enorme valia para o combate às práticas discriminatórias no âmbito das relações de trabalho, foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 104, de 24.11.64, ratificada em 26.11.65, com promulgação através do Decreto n. 62.150, de 19.01.68, estando em vigência desde 26 de novembro de 1966.
Para fins dessa Convenção, no conceito de emprego ou profissão se inclui o acesso aos meios de formação profissional, ao emprego, às diferentes profissões e às condições de trabalho (art. 3o), ressalvadas as exclusões ou preferências baseadas nas qualificações exigidas para um emprego determinado, bem como aquelas que possam ser justificadas em função da segurança do Estado, ou ainda, as que tenham caráter de medidas de proteção e assistência especial reconhecida como necessárias por motivos de sexo, a invalidez, os encargos de família ou nível social ou cultural (art. 1o, 2, art. 4o e art. 5o, 2, da Convenção 111).
Refletindo a orientação do aludido pacto a Constituição de 88 alargou, sobremaneira, as medidas proibitivas de práticas discriminatórias no âmbito do direito laboral.
Essas medidas encontram-se previstas – na grande maioria – nos arts. 5o e 7o da Constituição e foram idealizadas objetivando diretamente a relação de emprego, como aquelas constantes do art. 7o, e outras, que, embora não tenham diretamente essa finalidade – em face da sua generalidade – terminam por abarcar situações próprias da relação de emprego, como aquelas constantes do art. 5o.
Passemos, assim, a análise das principais medidas de proteção contra as práticas discriminatórias no campo da relação de emprego:
1 – Discriminação contra a mulher
A Constituição de 88 de forma corajosa eliminou do direito brasileiro qualquer prática discriminatória contra a mulher trabalhadora, na medida em que revogou todo o arcabouço legislativo que, embora se apresentasse com as vestes de generosidade ou de tutela, na realidade produzia um evidente efeito discriminatório em relação à mulher trabalhadora. Nesse aspecto vale citar que o caput do art. 5o da Suprema Carta ao estabelecer que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, acabou com a odiosa discriminação que havia entre o homem e a mulher no âmbito jurídico.
E para enfatizar seu firme propósito antidiscriminatório, o Texto Maior no inciso XXX, do art. 7o proíbe expressamente a diferença de salários, de exercício de funções e critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Vale lembrar que o inciso XX daquele preceito estipulou a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da Lei”.
Aqui parece ter o constituinte admitido uma prática diferenciada, porém não discriminatória, mas de proteção ou ampliação do mercado de trabalho da mulher trabalhadora, pelo que inválidas normas jurídicas ou atos administrativos e particulares que importem, direta ou indiretamente, desestímulo à garantia ou abertura do mercado de trabalho da mulher.
Refletindo esta nova realidade e procurando adequar a CLT ao comando antidiscriminatório constitucional foi publicada, alguns meses após a promulgação do Texto de 88, a Lei 7.855.89 que a par de revogar diversos dispositivos que permitiam até mesmo a interferência marital ou paterna no contrato de emprego da mulher adulta, deixou sem qualquer validade parte do capítulo que tratava da “proteção do trabalho da mulher”, como os arts. 374/375, 378 a 380 e 387.
Desta forma, e embora não expressamente revogado pela Lei 7.855/89, qualquer preceito normativo que contenha alguma forma de discriminação, à evidência não foi recepcionado pelo Texto de 88, como por exemplo, aquele contido no art. 383 da CLT que no entendimento de Maurício Godinho Delgado “é grosseiramente discriminatório (e insensato), impondo à mulher uma disponibilidade temporal enorme (ao contrário do imposto ao homem) mesmo em casos de curtas jornadas, abaixo de seis horas ao dia (como aquele previsto no art. 71, § 1o da CLT, que prevê, em tais casos, descanso de apenas 15 minutos)”. (7)
Mas aqui é necessário alertar que a Constituição ao proibir qualquer tipo de discriminação contra a mulher trabalhadora não inviabiliza tratamento diferenciado enquanto mãe. Isso porque a maternidade recebeu do constituinte tratamento especial e até mesmo privilegiado, o que permite condutas e vantagens superiores ao padrão deferido ao homem e mesmo à mulher que não esteja vivenciando a situação de gestante ou recém parto. É essa a interpretação a ser extraída da norma do art. 7o, inciso XVIII que contempla a mulher trabalhadora gestante com a licença de 120 dias, agora ampliada pela Lei 10.421/2002, para alcançar também a mãe adotiva. (8)
Também no campo de proteção da mulher trabalhadora contra atos discriminatórios, encontramos as Leis 9.029/95 e 9.799/99.
A primeira proibiu a “adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade” (art. 1o), considerando ainda como prática discriminatória a exigência de declarações, exames e medidas congêneres relativas à esterilização ou estado de gravidez (art. 2o).
Veda, ainda, a citada Lei, a indução ou instigamento, ao controle de natalidade, mas deixa de considerar como tal “o oferecimento de serviços de aconselhamento ou planejamento familiar” desde que realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do SUS – Sistema Único de Saúde (art. 2o).
Como forma de punição às práticas discriminatórias elencadas no seu art. 1o, a Lei 9.029/95 – no art. 4o – estabelece penalidades de ordem administrativa (art. 9o) que, no caso de rompimento do contrato – por ato discriminatório – dá à empregada a faculdade de optar entre duas alternativas: a primeira, a reintegração, embora o texto legal use a palavra readmissão, com “ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas de juros legais”, ou “percepção em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais”. (art. 4o).
Acresce salientar que a prática discriminatória nos moldes previstos no art. 2o da Lei 9.029/95 se constitui em crime, cuja pena é de detenção de um a dois anos e multa, sendo sujeito passivo da punição “a pessoa física empregadora, o representante legal do empregador, como definido em legislação trabalhista e o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
De seu turno, a Lei 9.799/99 tornou explícitos os parâmetros antidiscriminatórios proibindo, salvo as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, a publicação de anúncios de empregos no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, ressalvando quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim exigir; recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão do sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidade de ascensão profissional; exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou a permanência no emprego; impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresa privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, vedando ainda ao empregador ou prepostos, a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Todas essas medidas antidiscriminatórias têm uma matriz comum: o princípio da igualdade, consubstanciado no caput do art. 5o da Carta Suprema. (9)
2 – Discriminação contra o menor
Também neste aspecto a Constituição de 88 introduziu importante modificação no tratamento que era dado ao menor trabalhador, na medida em que no art. 7o, inciso XXX, veda diferença de salários, de exercício de admissão e função por motivo de idade.
Vale registrar, por oportuno, que no art. 227, § 3o, do Texto Supremo foi ainda mais explico na medida em que estipulou a “garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola”.
Assim, me parece não mais se deva aplicar as normas previstas no Decreto-lei 2.318/86 que regulamentam o trabalho do chamado “menor assistido”.
Entretanto, deve-se lembrar que todo o arcabouço contrário à discriminação do menor trabalhador não impede que a própria Constituição lhe assegure tratamento diferenciado em certas situações com o objetivo de protegê-lo, por exemplo, quando proíbe o trabalho em horário noturno, em local perigoso ou insalubre (art. 7o, inciso XXXIII), ou ainda ao deferir uma especial proteção à criança e ao adolescente (art. 227)
É evidente que isso não impede reconhecer que considerando a realidade brasileira, onde na grande maioria das famílias pobres, especialmente no Norte e Nordeste e nas periferias dos grandes centros urbanos, a criança trabalha para ajudar no sustento da família, talvez fosse melhor repensar o critério de idade previsto na EC 20/98, regulamentada pela Lei 10.097/2000, fixando em 16 anos o limite de idade mínima para o trabalho.
Penso que devamos ser mais sinceros e enfrentar nossa realidade voltando ao limite de 14 anos. Todavia, deve-se estabelecer penalidades mais severas e realistas para aqueles que venham violar as normas de proteção do trabalho do menor, inclusive criminalizando algumas condutas ilícitas de tal forma que não se impeça aos menores de 18 e maiores de 14 anos a freqüência à escola, mas também ajudar aos pais e suas famílias, especialmente naquelas regiões mais carentes, incentivando-as, ao mesmo tempo com medidas concretas e não apenas com campanhas – quase sempre sem nenhum resultado prático – a colorem seus filhos na escola, inclusive com alteração do calendário escolar nessas regiões, especialmente no meio rural de forma a permitir a freqüência à escola com aproveitamento e o trabalho de acordo com suas condições pessoais de idade. É claro que para que isso possa acontecer precisa o Governo Federal em parceria com os Estados e Municípios e os órgãos de fiscalização e aplicação da legislação de proteção do trabalhado, criar as necessárias condições de acesso à escola, especialmente a escola profissionalizante, fiscalizando de forma eficaz o cumprimento das normas por aqueles que delas são destinatários.
Providências dessa natureza certamente diminuirão a prostituição infantil, a exploração da criança e do adolescente pelos traficantes de drogas e outros criminosos, sempre de plantão para se aproveitarem das falhas da nossa legislação que, muitas vezes embora tendo por escopo dá proteção ao menor, à criança, ao hipossuficiente, termina na prática, por aumentar a discriminação. À guisa de exemplo basta citar o que vem acontecendo com o Estatuto da Criança e do Adolescente que teoricamente é considerada uma das Leis mais revolucionárias e perfeitas de que se tem notícia no País. Entretanto, não tem impedido que diariamente sejamos informados de revoltas na Febem e nos centros de “internação e recuperação de menores” em todo o Brasil, que quase sempre terminam com perdas de preciosas vidas. Afinal, o trabalho nunca foi nem será fonte de qualquer mal a nenhuma criança, desde que fiscalizado e realizado de acordo com as suas condições pessoais, com respeito à sua integridade física e mental. O mesmo já não se pode dizer da rua, da prostituição, das drogas…
Existe e não se pode negar, um imenso abismo entre o ideal da norma e a realidade da sua aplicação prática.
Em uma palavra, é preciso enfrentar a nossa realidade que é bem diferente daquela imaginada pelo legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente; do constituinte de 88 e dos autores da Emenda Constitucional 20/98 que certamente tiveram por inspiração uma realidade que não é nossa.
3 – Discriminação contra o estrangeiro
Aqui também ocorreu uma significativa modificação do padrão anterior com o advento da ordem constitucional de 88.
Como sabemos o padrão antidiscriminatório contemplado pela Constituição de 46 foi suprimido pelos legisladores militares e somente retornou com a Carta de 88 que no caput do art. 5o expressamente assegura tratamento igualitário ao trabalhador estrangeiro em relação ao brasileiro, na medida em que estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes…”
Entendemos que frente ao novo padrão constitucional não foram recepcionadas as normas do Dec-Lei 691/69, bem como aquelas do Título III, do Capítulo II, da CLT que tratam da chamada “lei dos 2/3”.
Ademais, o Brasil é signatário das Convenções 97 e 111 da OIT e do Tratado do Mercosul que proíbem toda e qualquer discriminação ao trabalhador em razão da nacionalidade, pelo que não se pode colocar em dúvida a não recepção do Dec.Lei 691/69 pela ordem constitucional vigente desde 88.
4 – Discriminação do deficiente
A OIT aprovou em 1983 a Convenção 159 estabelecendo a obrigação dos paises signatários de instituir uma política nacional sobre reabilitação profissional e emprego das pessoas deficientes, com a clara finalidade de promover oportunidades de ocupação para estas pessoas no mercado regular de trabalho.
Essa Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 51, de 15 de agosto de 1989 e promulgada pelo Decreto n. 129, de 22 de maio de 1991. Portanto, encontra-se incorporada ao ordenamento jurídico nacional.
Os seus signatários se comprometeram adotar ações de cunho afirmativo para promover a igualdade de oportunidades aos deficientes. E essas ações devem ter como “base o princípio da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral”, devendo-se “respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos”.
A Carta de 88 encampando os princípios constantes daquele documento internacional dispensou ao trabalhador deficiente um tratamento especial, de forma a promover a igualdade de direitos e oportunidades ao estabelecer, no inciso XXXI, do art. 7o, a proibição de “qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.
Refletindo essa proteção a regra do art. 93, § 1o, da Lei 8.213/91 estabelece que a “dispensa do trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado ao final do contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante”.
Por outro lado, a Lei 7.853/89, que dispõe sobre as medidas de apoio às pessoas portadoras de deficiência, ordenou ao Poder Público garantir através de legislação específica a reserva de mercado de trabalho em face das pessoas portadoras de deficiência nas entidades da Administração Pública.
Dando cumprimento a essa recomendação a Lei 8.112/90 no § 2o, do art. 5o reserva até 20% das vagas oferecidas no concurso para as pessoas portadoras de deficiência, desde que haja compatibilidade com a deficiência.
Como se ver há todo um arcabouço protetivo ao trabalhador deficiente, e a jurisprudência tem se mostrado sensível à questão entendendo como prática discriminatória a dispensa imotivada de trabalhadores acometidos de doenças crônicas de elevada gravidade, como por exemplo, a AIDS (10) e o câncer.
Estas e outras doenças de gravidade extrema terminam por tornar o prestador um deficiente físico ou mental, em caráter de permanência, lhe permitindo, assim, uma proteção especial ou diferenciada pela ordem jurídica (arts. 7o, inciso XXXI, da CF e 471 da CLT).
Cabe, pois, as entidades sindicais, ao Ministério Público do Trabalho (art. 32, da Lei 7.853/89), ajuizar as ações judiciais para exigir o cumprimento das normas de proteção contra as práticas discriminatórias ao trabalhador deficiente. Afinal, nos termos do art. 10 da Declaração dos Direitos do Deficiente, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n. 3.447, de 09 de dezembro de 1975, “O deficiente deve ser protegido contra toda exploração, toda regulamentação e todo tratamento discriminatório, abusivo ou degradante”, pois como acentua Hugo Nigro Mazzilli, “torna-se preciso compreender que o verdadeiro sentido da isonomia, constitucionalmente assegurada, é tratar diferentemente os desiguais, na medida em que se busque compensar juridicamente a desigualdade, igualando-os em oportunidades”. (11)
5 – Discriminação em face do tipo de trabalho
O constituinte de 88 fez inserir no inciso V, do art. 7o da Suprema Carta a garantia de “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”, e no inciso XXXII proíbe “distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual entre os profissionais”.
Entende com razão Maurício Godinho Delgado que a interpretação combinada dos dois preceitos superou em caráter definitivo a antiga discussão a respeito da validade ou não do estabelecimento de pisos salariais em face de uma certa categoria profissional por preceito inserto em convenção coletiva de trabalho ou através de sentença normativa. (12)
Para o jurista mineiro é “interessante perceber que os dois dispositivos combinados (art. 7o, VI e XXXII, CF/88) têm dado suporte a uma interpretação isonômica contemporânea de grande impacto social, já que abrangente de uma crescente situação laboral criada no mercado de trabalho: a situação de terceirização. Há interpretações no sentido de que a contratação terceirizada de trabalhadores não pode, juridicamente, propiciar tratamento discriminatório entre o trabalhador terceirizado e o trabalhador exercente de função equivalente na empresa tomadora de serviços. Pelo parâmetro constitucional seria devido, em tais situações, o chamado salário eqüitativo, hábil a assegurar a equivalência isonômica entre os respectivos profissionais” (13).
6 – Igualdade de tratamento entre o trabalhador avulso e o trabalhador com vínculo de emprego
Dando amplitude ainda maior ao princípio da isonomia, cuja matriz encontra-se no caput do art. 5o do Texto Maior, o constituinte de 88 fez inserir o preceito constante do inciso XXXIV, do art, 7o através do qual estabeleceu a “igualdade de direitos entre trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.
Todavia, na prática, aquela garantia já tinha sido conquistada pela grande maioria dos trabalhadores avulso, que já havia alcançado a equiparação jurídica com os trabalhadores com vínculo de emprego.
Curiosamente, foi editada a Lei 8.630/93 que revogou de forma expressa vários dispositivos legais que asseguravam tais direitos, remetendo para o plano dos instrumentos normativos as regras laborais relativas a esta categoria (arts. 22 e 29 da chamada Lei dos Portos).
É evidente que na ausência de instrumentos normativos a garantia resta assegurada por força do preceito inserto no inciso XXXIV, do art. 7o, do Texto Maior.
7 – Trabalhador rural
Em maio de 2000 foi promulgada a Emenda Constitucional 28 alterando o disposto no art. 7o, inciso XXIV, do Texto Supremo que passou a vigorar com seguinte redação:
“ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.
O tratamento discriminatório dado pelo constituinte derivado ao trabalhador rural é manifesto.
O combate à discriminação é medida que só se tornará realidade se combinarmos a proibição de atos discriminatórios com as chamadas políticas compensatórias.
Para que se possa assegurar a igualdade não basta proibir a discriminação mediante legislação repressiva. É indispensável estabelecer estratégias promocionais capazes de estimular a inserção dos chamados grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais.
Como um poderoso instrumento de inclusão social situam-se as ações afirmativas, que se constituem em medidas especiais que têm por objetivo acelerar o processo de igualdade, com o alcance da isonomia não apenas formal, mas, substantiva por parte dos “grupos vulneráveis”.
Estas ações no dizer de Flávia Piovesan, “enquanto políticas sociais compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório, cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto democrático, que é assegurar a diversidade e a pluralidade social”. (14)
O Texto de 88 contém importantes preceitos que demonstram o objetivo do constituinte na busca dessa igualdade material.
Dentre eles encontramos a norma do inciso XXIV, do art. 7o, antes da alteração trazida pela Emenda 28, ao estabelecer um prazo diferenciado de prescrição do direito de ação para reclamar créditos decorrentes do contrato de trabalho rural.
Esse tratamento diferenciado – não discriminatório – levou em conta a diversidade das condições do trabalho no meio rural e a dificuldade de acesso à justiça por parte do trabalhador campesino, que sejamos corajosos em reconhecer, na sua grande maioria sequer tem conhecimento de seus direitos.
Ora, na medida em que autor da EC 28/2000 igualou o trabalhador rural ao urbano para fins de prescrição do direito de ação no âmbito do processo do trabalho terminou por violar o princípio da igualdade material, pois estamos diante de situações completamente diferentes.
Induvidoso, pois, que a EC 28 ao igualar o trabalhador rural ao trabalhador urbano, para efeitos de prescrição do direito de ação, cometeu evidente discriminação, pois tratou de forma isonômica situações completamente desiguais e com isso feriu o princípio da igualdade material, pois a ninguém é dado desconhecer as profundas diferenças entre as relações de emprego rural e urbana, especialmente quanto à conscientização dos direitos delas decorrentes e as dificuldades que o trabalhador campesino tem para acessar à justiça.
Assim, além ferir de forma absoluta o princípio da isonomia material, tratando de forma igual situações desiguais suprimido por meio de Emenda direito fundamental do trabalhador rural – acesso à justiça – na medida em que reduzindo o tempo de prescrição para o ajuizamento da ação enquanto vigente o contrato – quando o trabalhador encontra-se moral e economicamente coagido perante o empregador, o que o impede reivindicar eventuais direitos, dos sequer tem conhecimento – a EC 28 atenta contra também contra o princípio do acesso à justiça, violando a proibição constante do § 40, inciso IV, do art. 60, do Texto Maior.
8 – Discriminação do negro
A discriminação em razão de cor e raça voltou à discussão com a pretensão do governo federal no sentido de garantir aos negros um determinado percentual das vagas nas escolas de nível superior e nos concursos para preenchimento de cargos no serviço público, a pretexto de garantir-lhes igualdade de oportunidades e direitos. (15)
Temível se mostra, a nosso sentir, essa medida que embora teoricamente possa ser tida como uma ação afirmativa, de natureza inclusiva, no campo da prática pode institucionalizar a discriminação das pessoas negras, na medida em que não leva em conta suas capacidades mas a cor da pele, o que é inadmissível se constituindo em um grande retrocesso.
Não nos parece razoável a reserva de certo percentual de vagas nas universidades e nos concursos públicos, com base no critério da cor, como forma de permitir o acesso dos negros ao ensino superior e aos cargos públicos, como se eles fossem pessoas sem capacidade ou de cidadãos de segunda categoria. (16)
Não se pode, sob pena de manifesta e afrontosa violação aos princípios da não discriminação e da igualdade previstos nos arts. 3o 5o da Constituição, tratar de forma desigual os estudantes e os trabalhadores negros – que têm, em igualdade de condições com todos os demais cidadãos, porque igualmente capazes, probos e dignos – o direito de acesso às vagas nas universidades e no serviço público.
——————————————————————————–
III – Conclusão
Precisamos conscientizar e envolver toda a sociedade com a questão da discriminação para que todas as práticas discriminatórias sejam eliminadas.
Anota Otávio Brito Lopes, que “a discriminação no trabalho em razão do gênero, a discriminação racial é outro vírus que infecta o tecido social, e a cada dia que passa, vai merecendo das autoridades mundiais maior cuidado.
O trabalho em regime de cooperação entre a OIT e diversos órgãos governamentais brasileiros (Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça), no combate às práticas discriminatórias no emprego leva à constatação de várias formas de discriminação no trabalho, sendo mais comuns as seguintes hipóteses:
a) negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom, garçonete, relações públicas, etc;
b) os salários pagos aos negros e às mulheres são inferiores aos pagos aos seus colegas, com a mesma qualificação;
c) negros e mulheres costumam ser preteridos nas promoções no emprego;
d) em muitos casos a justificativa para a preterição das mulheres nas promoções é que seus colegas poderiam ter dificuldades em aceitar o comando feminino;
e) as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como instrumento de pressão no trabalho;
f) as mulheres são discriminadas com a demissão por motivo de gravidez, a exigência de atestado de esterilização e não gravidez no ato admissional”. (17)
Esse triste quadro mostra que o problema da discriminação infelizmente ainda é grave e que a solução não é tarefa das mais simples
É preciso um engajamento de toda a sociedade.
É indispensável a busca da igualdade material, tão almejada pelo cidadão, especialmente aquele desafortunado que é a maior vítima das práticas discriminatórias.
Como afirma Ronald Dworkim ao tratar da questão da igualdade que o pressuposto da legitimidade do Estado de Direito depende de que as instituições demonstrem igual respeito e preocupação com todos os cidadãos. Como o maior ou menor bem-estar das pessoas depende em grande parte do conteúdo das leis, o Estado perderá legitimidade se o funcionamento destas leis não tiver a capacidade de demonstrar obediência ao requisito de tratamento igual a todos. E se as desigualdades não forem atenuadas, não se pode alegar que o Estado esteja cumprindo sua obrigação de assegurar o requisito da igualdade. (18)
É esse o desafio que devemos enfrentar.
——————————————————————————–
Referências bibliográficas
BARACHO OLIVEIRA, José Alfredo de. Teoria Geral da Cidadania, Saraiva, 1995.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Malheiros, Editores, 9a ed. São Paulo, 2000.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Editora Campos, 11a ed. Rio de Janeiro, 1992______Igualdade e Liberdade, Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Ediouro, 3a ed., 1997.
DWORKIN, Ronald. Sovereing Virtue – The Theory and Practice of Equility, 2000, Cambridge, Massachusets: Harvard University Press.
GIORDANI PEIXOTO, Francisco Alberto da Mota et alli. Fundamentos do Direito do Trabalho, LTr, 2000.
LOPES BRITO, Otávio. A Questão da Discriminação no Trabalho, Rev. Virtual Casa Civil.
NETTO DE CARVALHO, Menelick. Hermenuêtica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, Revista Notícia do Direito Brasileiro, v. 6 (julho/dezembro/98), Fundação Universidade de Brasília.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, Brasília Jurídica, 1998.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT, LTr, 1994.
WUCHER, Gabi. Minorias – Proteção Internacional em Prol da Democracia, Juarez de Oliveira, Brasília Jurídica, 2000.
VIANA, Márcio Túlio et alli. Discriminação, LTr, 2000.
——————————————————————————–
Notas
1. Proteção contra discriminação na relação de emprego. In: Discriminação. Márcio Túlio Viana et al (Coord.). São Paulo: LTr, 2000, p. 99.
2. Flávia Piovesan. Temas de Direitos Humanos. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 132-133.
3. Está expresso no Preâmbulo da Constituição de 88 que o Estado Democrático Brasileiro tem por objetivo a igualdade e justiça social como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
4. Esse preconceito é tamanho que o senhor Presidente da República, instado a falar sobre a questão da reserva de quotas para estudantes negros nas universidades, sem nenhuma cerimônia e de forma absolutamente inaceitável, porque reveladora de sentimento discriminatório e preconceituoso, afirmou que também “tinha o pé na cozinha”, o que nos permite a leitura de que Sua Excelência acha que as pessoas negras não têm capacidade, salvo para o trabalho na cozinha. Também vale lembrar a desastrada e criminosa forma como o Governador do Distrito Federal se dirigiu em uma solenidade oficial a um cidadão chamando-o de “crioulo petista”, o que vem confirmar a cultura preconceituosa de alguns brasileiros que têm, até mesmo pelos cargos que exercem, o dever de combater esse tipo de discriminação.
5. O Tribunal Superior do Trabalho, por sua 1a Turma, ao julgar o Recurso de Revista 381.531/97, em decisão histórica, por unanimidade, determinou a reintegração no emprego de um instrutor de formação profissional de um dos serviços nacionais de aprendizagem, motivada por discriminação racial. Essa decisão se constitui em um valioso precedente para o combate as dispensas motivadas por discriminação racial, na medida em que como afirmou o Tribunal que os princípios constitucionais, associados aos preceitos legais e às disposições internacionais que regulam a matéria autorizam o entendimento de que a despedida, quando flagrantemente discriminatória, deve ser considerada nula, sendo devida a reintegração no emprego.
6. Não deixa de ser surpreendente que o Presidente da República, quase que no apagar das luzes de seu segundo mandato tenha recomendado na solenidade de lançamento do II Plano de Direitos Humanos, a aprovação do Projeto de Lei que trata da união civil entre pessoas dos mesmo sexo que dormita no Congresso Nacional há alguns anos.