O princípio da não-cumulatividade, esse desconhecido

Quase meio século nos separa da implantação do imposto sobre a circulação de mercadorias, do tipo valor acrescido, instituído no Brasil em substituição ao imposto de vendas e consignações, de caráter cumulativo. Sem embargo deste lapso de tempo, é incrível constatar que a não-cumulatividade ainda não foi assimilada, nem compreendida pelos estudiosos do direito tributário.

Em decorrência da ignorância do que possa ser um sistema de incidência não-cumulativa, nossos tribunais prodigalizam decisões díspares, com reflexos negativos e muito preocupantes, no plano doutrinário. Não foi por outra razão que recente julgado do Supremo Tribunal Federal concluiu pela inconstitucionalidade do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) incidente sobre o transporte aéreo de passageiros.

O ministro Nelson Jobin, ao lançar o seu voto —declaratório da inconstitucionalidade— assim explicitou as insipientes razões do convencimento da Suprema Corte: “A não-cumulatividade do imposto e a aplicação de alíquota interestadual fixada pelo Senado ficam inviabilizados ante a inexistência de qualquer mecanismo de compensação ou creditamento e a impossilidade de identificar-se no passageiro, em cujo nome é extraído o bilhete de passagem, a condição de contribuinte ou não, de consumidor final, ou não, do referido imposto.”

O fundamento é incorreto, por duas razões: a primeira porque a ausência de mecanismo de compensação ou de creditamento do imposto devido na etapa anterior não descaracteriza o sistema de incidência não-cumulativa, pois nos impostos de incidência única (como é o caso do ICMS sobre as tarifas telefônicas ou de energia elétrica), em que a concessionária de serviço público figura como contribuinte e o usuário como consumidor, os efeitos cumulativos ficam descartados em razão da incidência unifásica.

A segunda porque, nos melhores do direito, é possível identificar-se no passageiro o consumidor, pois comparece somente para sofrer a repercussão da carga tributária, figurando a concessionária como contribuinte do tributo.

Como se decalca, o equívoco cometido pela Suprema Corte está em supor que o imposto só é não-cumulativo quando atua o mecanismo de compensação nas etapas subseqüentes. Na verdade não é bem assim. Para saber se um imposto é ou não cumulativo, basta investigar se o montante arrecadado ultrapassa ou não o resultado da aplicação da respectiva alíquota ao valor final do produto ou serviço. Se ultrapassar, seus efeitos serão cumulativos.

Resulta, portanto, que a comentada declaração de inconstitucionalidade decorre, pura e simplesmente, do desconhecimento do conceito da não-cumulatividade. O pior é que, nos termos do parecer citado, dois dos nossos mais respeitados tributaristas, induzidos em erro, concluíram que o imposto tampouco seria devido nos transportes rodoviários interestaduais ou internacionais de passageiros. Mas esta é outra história.

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Zelmo Denari é um dos autores do Código de Defesa do Consumidor e preside a Apesp (Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo)

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