O procedimento sumaríssimo na contramão da celeridade processual

A Lei nº 9.957 de 12 de janeiro de 2000 acrescentou à Seção II-A os artigos 852-A, 852-I, bem como os artigos 895, parágrafo 1º, 896, parágrafo 6º e 897-A à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituindo o chamado procedimento sumaríssimo no processo do trabalho.

Nos dias atuais, em decorrência do aumento do número de demandas trabalhistas (estatística apresentada no site do TST), surge a necessidade de se utilizar um mecanismo célere de solução dos conflitos.

O número de processos na Justiça do Trabalho tem crescido a cada ano que passa, estando o nosso Judiciário abarrotado de demandas sem solução, daí a necessidade de se criarem mecanismos que fizessem valer o princípio da celeridade e da economia processual.

Foi nesse espírito que surgiu a lei do procedimento sumaríssimo. Mister salientar a importância do princípio da celeridade, que, hoje, após a Emenda Constitucional nº 45/04 ganhou status constitucional.

Um dos maiores tormentos a que podem ser submetidos os litigantes é a morosidade do processo judicial. Ele avilta a parte, fere de morte o ideal da justiça e funciona como mais uma razão de descrédito e desprestígio do Poder Judiciário.

A lei criou o procedimento sumaríssimo na Justiça do Trabalho, em outra tentativa de desafogar os tribunais trabalhistas das milhares de ações que por ali tramitam. É um procedimento mais célere, mais simplificado do que o tradicional, que deve ser utilizado nas causas de menor complexidade, ou seja, naquelas cujo valor não exceda a quarenta vezes o valor do salário mínimo na época da interposição.

Trata-se, portanto, de um procedimento célere, que possui três requisitos, quais sejam:

— Limite máximo de quarenta salários mínimos (artigo 852-A da CLT) — O valor da causa deverá ser até quarenta vezes o salário mínimo (nacionalmente unificado — artigo 7º, IV da CRFB).

— Inicial líquida, com pedido certo ou determinado1 (artigo 852-B, I da CLT) — todos os pedidos deverão conter a expressão monetária correspondente, quando possível.

— Nome e endereço do réu corretos (artigo 852-B, II da CLT).

Na falta de qualquer um dos requisitos o processo será arquivado, ou seja, extinto sem resolução de mérito (artigo 852-B, parágrafo 1º da CLT).

A lei proíbe a citação por edital —artigo 852-B, II da CLT. Não é possível interpor a ação pelo procedimento sumaríssimo quando o réu é ente público, que goza da prerrogativa do prazo em quádruplo para defesa, o que é incompatível com a celeridade do sumaríssimo – artigo 852-A, parágrafo único da CLT.

Ao abrir a audiência, o juiz fará uma proposta conciliatória. A partir daí, as partes podem conciliar-se a qualquer momento, mas a lei não fixa uma nova oportunidade para a proposta, como ocorre no procedimento ordinário —artigo 852-E da CLT.

Serão ouvidas até duas testemunhas para cada parte —artigo 852-H, parágrafo 2º da CLT. Na ata de audiência será registrada apenas uma breve reprodução do que foi tratado. Detalhes não serão reproduzidos, só o que interessa para a solução da causa —artigo 852-F da CLT.

A audiência será, em regra, una. As testemunhas serão levadas a juízo pelas partes independentemente de intimação. Caso uma delas não compareça, o juiz adiará a audiência mediante a comprovação de que foi convidada pela parte (por carta registrada, telegrama, aviso de recebimento etc.) —artigo 852-H, parágrafo 3º da CLT.

Cabe perícia, desde que célere. Ao nomear o perito, o juiz já fixa o objeto da perícia, restringindo-a somente ao que interessa —artigo 852-H, parágrafo 4º da CLT. De imediato o juiz também fixa o prazo para a realização da perícia. E as partes terão prazo comum de cinco dias para se manifestarem sobre o laudo —artigo 852-H, parágrafo 5º da CLT.

O juiz vai proferir a sentença em 15 dias contados da interposição da ação —artigo 852-B, III da CLT. Esse prazo mostra a incompatibilidade do ente público como réu no sumaríssimo, pois se a notificação para a audiência tem que ser feita para eles com 20 dias de antecedência, em respeito ao que vaticina o Decreto Lei 779/69, não será possível ao juiz prolatar a sentença no prazo de 15 dias.

Em sendo adiada a audiência, o juiz terá mais 30 dias para proferir sua decisão —artigo 852-H, parágrafo 7º da CLT. Pode ser que nem com os 30 dias a mais o juiz tenha como sentenciar. Se houver necessidade de mais tempo e motivo relevante, poderá o juiz justificar nos autos o não cumprimento do prazo estipulado.

Não é possível dar prazo para emendar a inicial. Não se pode usar o Código de Processo Civil subsidiariamente, pois ele dá prazo de dez dias para emenda e este prazo é incompatível com os 15 dias que o juiz tem para proferir a sentença.

A sentença não precisa ser líquida. O juiz não precisa colocar o relatório na sentença. Tecnicamente, a sentença é dividida em três partes: relatório, fundamentação e dispositivo. O relatório é o resumo do processo; a fundamentação é a justificação da sentença (motivos, amparo legal); e o dispositivo é a decisão, o julgamento em si, a parte da sentença que transita em julgado.

No sumaríssimo, o juiz está dispensado de fazer o relatório, deverá apenas fazer um resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, fundamentar e decidir —artigo 852-I da CLT. Em regra, assim como no procedimento ordinário, a sentença deverá ser proferida em audiência.

Os recursos interpostos no sumaríssimo também terão traços de celeridade, entretanto, a lei do sumaríssimo não trata da execução de forma diferente, o que é criticado por muitos, pois toda a celeridade acaba no momento mais importante, que é a hora de executar a sentença.

Em suma, as características principais do procedimento sumaríssimo são:

— Causas até 40 salários mínimos —artigo 852-A da CLT;

— Exclusão dos entes públicos desse procedimento —artigo 852-A, parágrafo único da CLT;

— Inicial com pedido certo ou determinado, bem como com a indicação do valor correspondente —artigo 852-B, I da CLT;

— Proibição da citação por edital —artigo 852-B, II da CLT;

— Apreciação do pedido em até 15 dias contados da data do ajuizamento da ação —artigo 852-B, III da CLT;

— Audiência una;

— Conciliação em qualquer fase da audiência, devendo o juiz ao abrir a sessão esclarecer as partes sobre as vantagens da conciliação —artigo 852-E da CLT;

— Máximo de duas testemunhas para cada parte —artigo 852-H, parágrafo 2º da CLT;

— Prova pericial somente quando a prova do fato a exigir, ou for legalmente imposta, incumbindo ao juiz fixar o prazo, o objeto da perícia e nomear o perito —artigo 852-H, parágrafo 4º da CLT;

— Sentença proferida em audiência, sendo dispensado o relatório —artigo 852-I da CLT;

— Permanência do recurso ordinário com o relator no prazo máximo de dez dias, sem revisor e podendo o Ministério Público do Trabalho dar o parecer oral —artigo 895, parágrafo 1º, II e III da CLT;

— Dispensa do relatório, se a sentença for mantida pelos próprios fundamentos, bastando uma certidão —artigo 895, parágrafo 1º, IV da CLT;

— Restrição nas hipóteses de cabimento do recurso de revista — artigo 896, parágrafo 6º da CLT.

O cerne da questão é: será que o que a lei criou efetivamente acelerou o julgamento destas causas e serviu para desafogar o Judiciário?

Entendemos que não. O sonho de um procedimento rápido existe, mas a efetivação dessa celeridade está muito distante de ocorrer diante da nossa realidade judicial. Vivemos em um país muito extenso, com diversidades em toda a sua plenitude. O Judiciário do Rio de Janeiro não pode ser comparado ao de Tocantins, e por aí vai.

A lei instituiu um procedimento, por muitos entendido como obrigatório, para as causas até quarenta salários-mínimos. Na nossa doutrina verificamos que o procedimento sumaríssimo foi inspirado na Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em substituição aos antigos Juizados de Pequenas Causas previstos na Lei 7.244 de 7/11/84. O curioso de se observar é que a Lei 9.099/95 foi inspirada na CLT. Portanto, demos uma volta para chegar à própria lei trabalhista.

Ocorre que, a Lei 9.099/95 traz uma celeridade às causas de pequeno valor, porque criou os Juizados Especiais. É muito complicado implantar dentro da Justiça do Trabalho, sem a criação de Varas Especiais um procedimento distinto daquele sempre trabalhado. O número de causas a serem julgadas não sofreu redução, apenas tivemos uma mudança no procedimento. O juiz continua sobrecarregado de processos.

Há mais: nenhuma mudança foi feita na fase de execução, o que dificulta a prestação da tutela jurisdicional. O processo de conhecimento célere gera apenas uma sentença. A verdadeira entrega do bem jurídico só se concretiza com a execução, que continua morosa.

No processo comum, o juiz, diante de um pedido líquido deverá proferir uma sentença líquida —parágrafo único do artigo 459 do CPC. No procedimento sumaríssimo trabalhista, tal dispositivo foi vetado, inexistindo obrigatoriedade do juiz apresentar sua sentença líquida. Com o texto atual há necessidade do início normal de uma fase de execução, ou seja, devem as partes, o contador judicial ou o perito liquidarem a sentença.

Portanto, mesmo obtendo uma sentença mais rápida, o que nem tem sido o caso, de qualquer sorte, na fase da execução o trâmite é sempre o mesmo, bem lento.

Tal procedimento é judicial, o que leva a concluir que passamos a ter “um sonho de procedimento”, pois o número de juízes não aumentou, não foram criadas Varas especializadas para causas de pequeno valor e não houve qualquer alteração na fase da execução, ou seja, a morosidade continua.

Referências bibliográficas2

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Isabelli Gravatá é especialista em direito empresarial pela Faculdade Cândido Mendes (RJ), servidora pública federal do TRT-1, professora universitária e presidente do conselho editorial da Editora Impetus

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