Marta Faustino
Quando Josef K, no processo Kafkaniano, chegou ao final de seu processo, a desesperança passou a nortear seus passos. Este sentimento manifesta-se na crença de que nada poderia livrá-lo daquele procedimento que se assenhoreara de sua vida e que tinha algo de divino e de tão indomável, que nada poderia detê-lo.
Até então aquele homem esteve completamente alienado dos métodos, meios e procedimentos utilizados pela justiça para caçar, controlar e aniquilar seus clientes.
Nosso ordenamento jurídico prevê, na Magna Carta, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
E esse devido processo legal, será que estaria adequado a consagrar a verdadeira aplicação da justiça?
Alguns juristas responderiam que isso não importa. Essa pergunta deveria ser respondida no âmbito da filosofia, posto que o direito se ocupa de saber se há ou não nulidade.
Ledo engano.
O mecanismo de controle deve estar dentro da ciência e fora dela, numa equilibrada relação de interdependência, que contribua e receba contribuição. Que critique a si mesma.
A primeira questão que se nos afigura como pena prévia para o réu, normalmente homens simples, que não tem o domínio lingüístico dos literatos, é a impenetrabilidade dos termos técnico-jurídicos. A impossibilidade de entendimento da linguagem hermética do direito, impede que o réu entenda as fórmulas e a razão de ser das formalidades jurídicas, ficando vítima inerte do processo, a exemplo de Josef K, no processo Kafkaniano. O processo vira segredo.
Decorre dessa ilação que a exclusão processual do réu, provocada pela linguagem do processo, leva à ausência de dignidade no tratamento dado ao réu durante o iter processual. O processo vira violência psíquica.
O fato de o réu não poder interagir, diretamente, com o processo, bem como a morosidade no julgamento – que provoca o julgamento do processo por um juiz que não presidiu o interrogatório, nem sequer a instrução processual – revela uma faceta injusta e descompromissada dos operadores do direito. O processo vira o imprevisível.
O processo como um todo é possuidor de uma senha, formada pela linguagem e pela exclusão, só acessível aos operadores do direito, tornando-se pena diária.
O teatro macabro do processo abre suas portas e no palco onde transcorre o espetáculo, o réu passa a ser personagem secundário na trama que envolve poder, autoridade e fogueira das vaidades.
Não se trata aqui de vitimizar o réu e massacrar o mecanismo, a máquina da justiça, mas apontar falhas que podem ser sanadas, possibilitando um resgate de dignidade, há muito perdida, com uma sonhada inserção social do réu, tornando-o cidadão.
Uma das soluções apontadas como adequada seria a de adotar com mais força a oralidade, bem como permitir que o réu verdadeiramente tenha defesa, através da constituição de comissão multidisciplinar para acompanhamento dos processos. Deixar de encarar o juiz como semideus e expurgar os termos técnicos, como forma de segregação. Em síntese, o problema é de comunicação. O interlocutor não entende o que está sendo dito.
Marta Faustino é mestranda em Ciências Criminais pela UFG e advogada militante e chefe do jurídico da CAIXA / MA