À época do processo sucessório do presidente da República, o mato-grossense Eurico Gaspar Dutra, em 1950, o PSD – Partido Social Democrático, do presidente, portanto majoritário dentre os demais, a UDN, o PTB, o PSP, o PSB e o PTN, estava numa dúvida e mesmo num impasse para a escolha do candidato oficial, se o deputado Cirilo Júnior, paulista e presidente da Câmara, ou o senador Nereu Ramos, de Santa Catarina e presidente do Senado, dentre outros presidenciáveis. Também naquela época havia resquícios da política café-com-leite, da República Velha anterior a 1930, e a do chimarrão, ou seja, o pêndulo presidencial oscilava ora para Minas Gerais (a do leite), ora para São Paulo (a do café), ora para o Rio Grande do Sul (a do chimarrão), o fiel da balança mercê Getúlio Vargas. Getúlio, pelo PTB, já estava de cavalo arreado e malas prontas para retornar ao Palácio do Catete, reclamado pelos “queremos Getúlio”, os queremistas assim cunhados e saudosistas do Estado Novo, ditadura cruel imposta pelo caudilho Vargas, em 10 de novembro de 1937, aliás – assinale-se – mais discriminatória do que o chamado Regime Militar de 1964, eis que esta assegurava a existência, embora precária, do Congresso Nacional, pulmão do povo ainda que enfisemado.
O PSD não podia deixar de ter candidato à presidência, ou melhor, não podia perder as tetas do poder que vislumbrava manter com a volta irrefreável de Getúlio, velho aliado de tempos áureos. Seus cardeais, quase todos das Alterosas, Benedito Valadares, Mello Viana, Carlos Luz, Gustavo Capanema, decidiram por um mineiro como candidato e apenas para fazer figuração e, assim, o encontraram na figura de um bisonho deputado federal, Cristiano Machado, que a tal se serviu. Na eleição presidencial deu no que se esperava, Getúlio lavou a égua com o trabalhismo, o PSP com Café Filho na vice-presidência, o PTN, de Hugo Borghi, os comunistas de Luiz Carlos Prestes e parte substancial do PSD. A fragorosa de Cristiano Machado, de acordo com os planos dos cardeais, tornou-se conhecida como de “cristianização”, processo eleitoral através do qual o candidato do partido fica jogado às traças, sem palanque, sem votos, aforante poucos e ingênuos correligionários.
Parece-me que esse quadro se repetirá aqui no Estado, 56 anos após o da “cristianização” do ano 50. E por quê? Porque, em suma, o PT, partido da oficialidade, não possui um candidato competitivo ao governo, no momento. Veja, com isto não quero dizer que o senador Delcídio não seja competitivo – vem ele de uma consagradora e, para muitos como a mim, inesperada vitória sobre o então popular ex-governador Pedro Pedrossian – se candidato for. Se bem analisados os bastidores do petismo, do Palácio do Planalto a Governadoria do Parque dos Poderes, o Senador não é visto como pessoa de confiança absoluta, sim relativa, pode até ser e isso enquanto exerce o mandato senatorial.
Os episódios recentes que se desenrolaram na política nacional e na regional, a mancheias demonstraram a distonia entre o senador Delcídio e a cúpula do PT. A distonia começou na Comissão Parlamentar Mista dos Correios, onde Lula e o PT julgavam, de início, o Senador como joguete às suas vontades para manobrar ao bel-prazer do oficialismo os trabalhos da CPMI, que, ao que se percebeu, não deveriam ser investigatórias e sim ficar na superficialidade. Não o foi. Na presidência da CPMI o senador Delcídio agigantou-se pela firmeza de posições como vanguardeiro da autonomia do Parlamento para apurar as irregularidades que, dos Correios, ampliaram-se pelos diferentes escaninhos do governo federal. Atitude responsável do senador Delcídio do Amaral, alteou-se perante a opinião pública nacional. Pela atuação firme de seu presidente, a CPMI está apurando sem reservas as maracutaias que afloram do valerioduto. Isto não fez bem ao estômago do PT e de Lula, que continua arengando nada saber, aquilo que até os abades do mosteiro mais enclausurado já sabem de cor e salteado. O PT ruminou, mas não mugiu.
Aqui no Estado, tanto fez o PT criando obstáculos eleitorais, no seio do partido aos que se fazem leais ao senador Delcídio, a começar pelo episódio de Corumbá, seu berço natal, seguindo-se por maus tratos a aqueles que lhe são ligados nas esferas do Executivo, a ponto de fatigar-se com a direção regional e pretender mudar de sigla, e só não o fez pelos dramáticos apelos do senador Aluízio Mercadante, líder do governo no Senado da República, em convencer Lula a autorizá-lo a tanto. Foi um esparadrapo, a ferida está sangrando abaixo e, vez por outra, surgem filetes de sangue purulento das dobras do esparadrapo, como aconteceu no final de 2005, quando do processo de liberação das emendas prioritárias dos parlamentares foi o senador Delcídio pouco aquinhoado, cumprindo-se ordens expressas e vingativas da ministra Dilma Rousseff – a dama de ferro do governo Lula. Acrescente-se ainda o desprestígio do senador Delcídio na não-liberação do crédito que o Estado tem da União relativamente ao Ipemat, e pelo qual ele lutou como um leão na defesa dos legítimos direitos de Mato Grosso do Sul.
Sobre os aplausos da opinião pública do País e do nosso Estado, que acima de quaisquer convicções doutrinárias ou partidárias está merecendo o senador Delcídio do Amaral, tem sobre ele o ranço magoado do petismo inconsolável porque ele não é um dos seus, é tido como um agregado que incomoda. Por tal convicção, age de má-fé o PT proclamando hoje alvíssaras ao Senador como seu único candidato, para na hora da onça beber água, por ocasião da convenção partidária, lançar como candidato aquele que por pendor ideológico, doutrinário ou de ocasião, for gosto de seu apetite pantagruélico pelo poder, e este poderá ser o atual vice-governador que, para tanto, já se sente preparado para a eventualidade.
Como diz sabiamente o povo, quem viver verá.
Ruben Figueiró de Oliveira
Ex-deputado estadual, federal, constituinte de 1988, secretário do Estado, Conselheiro aposentado do Tribunal de Contas/MS