Todos sabem que o poder corrompe. Mas, antes de corromper, deslumbra. Como que põe o mundo inteiro ao alcance de quem o conquista, o mundo com todas as seduções do reino das mil e uma noites, magia pura. O poder é o magnetismo mais potente da Terra e quem dele se investe se transforma num ímã fabuloso, puxando para si tudo o que se inclui em seu amplo raio de ação.
O poder atrai para si o dinheiro, o conforto, as mordomias, os prazeres e dele já se disse ser o maior afrodisíaco existente. Atrai também as habilidades, as competências, os talentos e corrompe alguns deles, como certos filósofos e intelectuais transformados em seus títeres. Atrai ainda as consciências e reduz homens e mulheres à condição de súditos os mais servis.
O político Jânio Quadros, quando indagado sobre como dispunha de recursos para viajar tanto e tão faustosamente (quando não ocupava nenhum cargo público), ilustrou anedoticamente a resposta. “Quero fumar”, anunciou. De imediato, dois ou três áulicos vigilantes se apressaram a acender o isqueiro para o cigarro de S. Exa.
O poder engorda e faz os cabelos sedosos. Seu titular se vê propelido às alturas, muito acima do homem vulgar, vira a cabeça e se julga onipotente. Portanto, irresponsável, livre de dar satisfações a ninguém. Aqui se manifesta a afinidade entre o poder e a corrupção. E também entre o poder e a prepotência, o mando acima da lei e das instituições. Não que todos os políticos sejam corruptos e prepotentes, pelo amor de Deus. Alguns resistem. Estes, diria Nelson Rodrigues, são os anormais.
Sublime anormalidade, sem a qual não existiriam sociedade nem Estado organizados e o mundo seria um caos. O potencial de sedução do poder assume tal magnitude que seu exercício exige do titular uma disciplina superior, conduta moral rigorosa, espartana, sóbria como a dos antigos estóicos. O imperador Marco Aurélio tinha o mundo a seus pés, mas jamais sucumbiu às tentações que assediam o governante vulgar. “Um imperador, o soberano de todo o mundo conhecido, professou-se estóico e agiu como estóico” (M. Pohlenz).
A História abunda em exemplos semelhantes: Abraham Lincoln, nos EUA, ou Bernardino Rivadavia, considerado modelo de homem público e o verdadeiro fundador da República Argentina, ou, para não ir longe, os nossos Pedro II – “estou cansado de segurar os ladrões do meu governo” – ou Campos Salles, que depois de deixar a Presidência era visto na feira vestindo uma calça velha com os fundilhos puídos.
Ao assumirem o poder, esperava-se das lideranças petistas, forjadas no antigo ideal revolucionário, que conservassem ainda algum resquício daquela moralidade insubornável, daquele patriotismo ardente dos militantes políticos que desejam sinceramente talhar a nova Pátria. Imaginava-se que talvez se mirassem no exemplo dos reformadores que ficaram na História, como os irmãos Graco, em Roma, aparentados com a alta nobreza, mas que deram a vida (literalmente) pela melhoria das condições de vida do povo. Aguardava-se de seus cabeças a articulação teórica e prática de um projeto consistente de Nação, que libertasse as forças reprimidas no seio da sociedade para a construção do novo Brasil, graças à concórdia entre o povo e as elites. Lula ganhou o crédito de toda a população.
Até os que não votaram nele torciam para que seu governo desse certo. Em vez da redenção coletiva esperada, o que se viu foi algo chocante e escandaloso: o engessamento do governo por um único partido (à moda stalinista), a ocupação afoita de todos os cargos de direção por membros ou simpatizantes do PT, a concupiscência do poder pelo poder explodindo escancarada. Quem tem o poder quer mais poder.
O PT não encontrou em si reservas de lucidez, de maturidade, de grandeza para superar a miserável lei da inércia que leva o político vulgar a ampliar desmedidamente o raio e a duração de seu mandato.
O Partido dos Trabalhadores, ex-Catão da moralidade pública, deitou e rolou na orgia do poder. Para começar, orgia de comemorações com bebidas e comidas finas em abundância nos Fasanos da vida, financiadas não se sabe por quem. O antigo e honesto PT do frango com polenta deu lugar ao novo PT do caviar com champanhe. A cachaça amiga, outrora tão apreciada por tantos próceres do partido, foi substituída pelo uísque de 12 anos. E o cigarro, por caríssimos charutos nas mãos bem tratadas de Delúbio Soares e outros tantos. Não é proibido tomar champanhe nem comer caviar, mas o mendigo que se fez rei deveria ser mais discreto para não dar sinais ostensivos de apego às galas do poder, como quem tira uma revanche.
Orgia de nomeações de apaniguados lotando a máquina do governo; orgia de alianças espúrias pagas não se sabe com que moeda; orgia de palavras e falsas promessas nos improvisos de Lula; orgia de expedientes matreiros para garantir aos atuais governantes 12 anos nos cargos, como quer Zé Dirceu; orgia de abraços e carinhos com trogloditas populistas como Hugo Chávez e Fidel Castro. “Le roi s’amuse” – o rei se diverte –, escreveu Victor Hugo do medíocre e devasso Napoleão III, derrubado pelos canhões prussianos que apontavam no horizonte em 1870. “O PT relaxou geral”, escreveria hoje o grande poeta sobre nossos medíocres e lenientes governantes, agora ameaçados pela artilharia pesada da opinião pública.
Em meio a esse relaxamento geral, a erva daninha da corrupção começou a crescer e a tomar conta do cenário político, rompendo a governabilidade, desmoralizando o governo, abalando as instituições e enterrando de vergonha os brasileiros. Do PT, que se propunha a reformar o País de alto a baixo, o que o País exige agora é que a reforma comece pelo próprio governo, depois da faxina geral da casa que parece iniciar-se.
Gilberto de Mello Kujawski*
Autor do livro A Identidade Nacional e Outros EnsaiosQuinta