Bush é jeca. O mundo inteiro sabe. O flagrante de sua conversa com Tony Blair, inadvertidamente ouvida pelo planeta, por causa de um microfone ligado, apenas deu relevo ao seu jeitão caipira de ser.
Falando com a boca cheia como se estivesse tomando um café em seu rancho no Texas, o presidente americano foi finalmente enquadrado à perfeição nas circunstâncias em que mentalmente vive. Ali estava o homem em toda a sua essência.
A cena de uma conversa informal sobre os eternos e insolúveis problemas no Oriente Médio, na qual, num momento de descontração, Bush disse ao primeiro-ministro da inglaterra que “a ironia é que o que eles precisam fazer é com que a Síria faça com que o Hesbollah pare de fazer essa merda, e está acabado”, terminou fazendo grande sucesso pela forma modesta com a qual um problema de magnitude mundial foi tratado.
Bush reduziu a questão àquela dimensão humana (demasiadamente humana) que resume o sumo supremo da humanidade, fazendo-nos lembrar inclusive de uma frase de Santo Agostinho.
Mais: falou como se estivesse tratando de uma querela doméstica que deveria ser resolvida apenas com um piteco e algumas bombas.
Além disso, Bush deu a impressão de soberba misturada com um certo desprezo por um conflito tribal que está ocorrendo nos limites de sua fazenda, e, num gesto de chacota, mastigando um pedaço de pão, metaforizou adequadamente a concepção real que tem das coisas enroladas desta vida.
O mais chato de tudo é que ele tem razão. O Hesbollah representa um terço do Governo da Síria. Está suficientemente aparelhado para perturbar Israel até o fim de seus dias. Tem apoio logístico e estratégico do Irã, um país comandando por malucos atômicos, doidinhos para varrer israelenses do mapa.
Comete equívoco grosseiro quem imaginar que aquela região – extremamente rica em petróleo – possa viver em paz um dia, mesmo porque os lobbies que circundam as indústrias petrolífera e armamentista (ambas sustentáculos do Governo Bush) não querem e não vão deixar que isso aconteça enquanto ouver uma gota de óleo debaixo do chão.
A fantasia é de que ali possa haver a permanência de pequenas guerra sob controle. Por isso, fica cada vez mais evidente que os limites estratégicos dos países envolvidos naquela trama milenar são tênues.
Basta que Israel faça algum gesto de boa vontade – como de devolver parte dos territórios da faixa de Gaza aos palestinos – tal movimento é visto como sinal de fraqueza.
O resultado é que a qualquer pretexto – agora foi o fato de o Hezbollah ter matado 8 soldados israelenses e seqüestrado outros 2 na fronteira com o Líbano, pelos quais reivindicam a libertação de companheiros presos em Israel – ataques ferozes e “assimétricos” são desencadeados com resultados imprevisíveis. O ambiente é complicado: todos e ninguém têm razão.
O mundo fica impaciente com tudo isso. Sobretudo quando percebe uma relação simétrica com as altas no preço do barril de petróleo e, na esteira deste processo, percebe a intensificação da volatilidade do capital, abrindo espaço para crises de proporções intercontinentais.
Sei que é muito fácil assistir a uma guerra distante pela TV. Mas ao mesmo tempo é dramático e deprimente ver centenas de civis (inclusive crianças) morrendo por nada, num exemplo extremo de desumanização de contenda entre países que poderiam encaminhar suas diferenças pela via diplomática.
Mas Bush, no seu desprendimento simplório, atirou onde não viu e acertou o alvo: a situação está mesmo uma m…E nada por enquanto vai mudar para melhor. Ao contrário.
Dante Filho, jornalista