Autor: Tiago Lobão Cosenza (*)
Não é de hoje que se vem falando da crise no setor elétrico. Crise esta derivada de diversos fatores, tais como: (i) Excesso de intervenção do Governo; (ii) Erros de planejamentos; (iii) Risco Hidrológico; e (iv) decisões equivocadas da agência reguladora, dentre outros.
Os últimos governos intervieram de forma imprevisível e invasiva no setor elétrico, provocando equívocos e elevando muito a percepção do risco setorial, risco este atrelado diretamente à insegurança jurídico-regulatória.
Segundo o último Índice de Competitividade Global 2016-2017, o Brasil caiu seis posições e hoje ocupa 81º posição. A publicação destaca que essa queda do Brasil se deu, dentre outras, principalmente pelo aumento da incerteza causada pela deterioração da segurança jurídica e política institucional, embora tenha destacado positivamente a crescente luta contra a corrupção no país.
Em decorrência dos prejuízos oriundos dos erros de planejamento, da má regulação e da abrupta intervenção pelos governos, os empreendedores se viram encurralados e não tiveram outra saída a não ser buscar resguardar seus direitos junto ao Poder Judiciário. Com isso, os desdobramentos da crise energética chegaram com força aos tribunais, iniciando assim uma nova onda de judicialização, o que tende a fragilizar ainda mais o setor elétrico brasileiro.
Essa onda de judicialização começou a tomar corpo quando o setor resolveu levar ao Judiciário as questões inerentes aos atrasos de obras, o que provocou uma verdadeira chuva de liminares contra atos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para que esta deixasse de aplicar descontos (penalidades, ao nosso ver!) nas receitas das empresas. No entanto, não parou por aí, essa guerra de liminares só vem aumentando com a judicialização de outros temas: o recolhimento do ICMS da energia; o pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); o questionamento sobre a responsabilidade pelo risco hidrológico e o questionamento sobre o pagamento das indenizações para as transmissoras, dentre outros.
A busca pelo Judiciário não é novidade no setor elétrico. Isso é fato, no entanto. Os últimos acontecimentos e a edição de regras não tão claras e algumas até intervencionistas têm feito com que os empreendedores tenham levado cada vez mais ao Judiciário questões regulatórias, as quais originalmente seriam dirimidas pela Aneel.
Ao mesmo tempo em que é totalmente lícita a busca pelo empreendedor ao Judiciário, tal atitude pode trazer alguns efeitos colaterais extremos. Um exemplo é a regulação, que originalmente é competência da Aneel, passar a ser feita indiretamente pelo Judiciário, órgão que poderá trazer visões distorcidas ao setor, pois na grande maioria das vezes os juízes não conhecem profundamente o setor elétrico e por isso não estariam preparados para enfrentar questões tão especificas tecnicamente.
Prova dessa crescente regulação indireta feita pelo Judiciário, são as liminares conseguidas, por exemplo, pela Abengoa para suspender a caducidade dos seus contratos de concessão e determinar que a Aneel reveja tanto os prazos como as Receitas dos seus projetos greenfieldea conseguida pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores (Abrace) que suspendeu parcialmente o pagamento da parte da tarifa de uso do sistema de transmissão relativa às indenizações para as transmissoras.
Sem entrar no mérito das liminares, está claro que quando a regulação é feita indiretamente pelo Poder Judiciário, além de demandar tempo, poderá trazer prejuízos e instabilidades gigantescos ao setor.
Ademais, a judicialização traz ainda custos que originalmente não foram contemplados nas tarifas e que, em algum momento, irão fazer parte delas. Já dizia o dito popular: “Não existe almoço grátis”, alguém vai pagar esta conta e neste caso será o consumidor.
Está nítido o alto nível de estresse pelo qual passa o setor elétrico, apresentando, inclusive, rupturas em alguns pontos e relações. Para que não tenhamos uma regulação feita indiretamente pelo Poder Judiciário, precisamos fortalecer ainda mais a agência reguladora, apostar em regras claras e estabilidade jurídico-regulatória, e para tanto, é essencial a realização de um diálogo urgente entre governo e agentes do setor.
Autor: Tiago Lobão Cosenza é advogado especialista em Direito Regulatório e Infraestrutura, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.