Victor Eduardo Rios Gonçalves
O art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, estabelece que o crime de roubo ( próprio ou impróprio ) sofre uma exasperação de 1/3 a 1/2 quando é praticado com emprego de arma. Em face da redação genérica adotada pelo legislador, uma série de divergências surgiram acerca da correta aplicação do dispositivo. Inicialmente se discutiu se o aumento seria aplicável apenas às armas próprias (objetos produzidos com a finalidade específica de matar ou ferir, como revólveres, espingardas, pistolas etc) ou se seria também aplicável às armas impróprias (objetos confeccionados com outras finalidades, mas que também podem ofender a integridade da vítima, como, por exemplo, facas, navalhas, machados etc). Nesse contexto, prevaleceu na doutrina e na jurisprudência a interpretação ampla, ou seja, como a lei não restringiu (utilizando-se genericamente da palavra “arma”) o instituto seria aplicável a todo e qualquer objeto com potencial vulnerante utilizado para a prática do roubo. Assim, tanto a arma própria como a imprópria estariam abrangidas pela figura legal, já que, em qualquer caso, a conduta do agente se reveste de maior gravidade por colocar a integridade da vítima em maior risco.
Nesse sentido: “Pela interpretação extensiva, é possível a equiparação à arma, de utensílios domésticos ou instrumentos de trabalho, desde que potencialmente sejam idôneos a causar lesão à vítima. O uso de martelo, de chave de fenda, por exemplo, equipara-se ao emprego de arma, agravante prevista no art. 157, § 2º, incs. I, do CP” ( TACRIM-SP, Celso Limongi – JUTACRIM 89/249 ).
“Na compreensão da palavra “arma”, no § 2º, inc. I, do art. 157 do CP, além dos instrumentos especificamente destinados ao ataque ou defesa, abrangem-se todos os instrumentos de poder vulnerante ou intimidativo, bem como os objetos que se mostrem hábeis para imobilizar a vítima ou coarctar-lhe as possibilidades de ação” ( TACRIM-SP, Rel. Gonzaga Francheschini, BMJ 88/13 ).
“Garrafa deve ser considerada arma, para efeito de qualificação do roubo, se é empunhada pelo agente para ameaçar a vítima e praticar a subtração, pois po
r arma se devem entender não apenas as propriamente ditas em sentido estrito (especialmente destinadas ao ataque ou defesa), mas também qualquer instrumento apto a lesar a integridade física (ex.: uma barra de ferro, um furador de gelo, um macete etc). Não é preciso que a arma seja efetivamente manejada, bastando que seja portada ostensivamente, como um ameaça implícita” ( TACRIM-SP – Rel. Sidnei Beneti – BMJ 92/12 ).
Por outro lado, existe a questão do porte simulado de arma, tão comum no dia-a-dia, em que o agente, normalmente, com a mão sob sua blusa, aborda a vítima e, dizendo-se armado, sob ameaça de morte, subtrai os pertences da mesma. Nesse hipótese a jurisprudência inclinou-se majoritariamente no sentido de que o sujeito “in casu” não manejou qualquer arma e, assim, a majorante seria inaplicável. Nesse caso, a simulação da arma já funcionou como elemento caracterizador da grave ameaça, posto que apto a gerar temor no espírito da vítima, não podendo, no mesmo contexto fático, implicar em aumento de pena, sem que tenha havido uma especial potencialidade vulnerante na conduta, já que, por não estar efetivamente armado, a integridade da vítima não correu um risco maior de ser atingida pelo autor do crime.
A questão de maior discussão, todavia, é aquela que se refere ao emprego de arma de brinquedo para a prática do crime. Duas fortes correntes surgiram: 1ª) A arma de brinquedo “qualifica” o roubo, desde que a vítima se sinta intimidada por ela. Para os seguidores dessa corrente, a intenção do legislador era punir mais gravemente aqueles que, usando um expediente mais eficaz, tiveram maior facilidade em atingir o fim visado, no caso, a subtração. Ora, como a vítima não sabe se a arma é verdadeira ou de brinquedo, em qualquer hipótese, a subtração é praticada com maior facilidade devendo, assim, ocorrer uma maior reprimenda.
Esse entendimento, se por um lado pune mais gravemente aquele que se utiliza do revólver falso, estimula o uso de armas verdadeiras, posto que, os meliantes, cientes de que a pena será a mesma com a arma verdadeira ou falsa, tenderão a utilizar a primeira.
2ª ) A arma de brinquedo não “qualifica” o roubo inicialmente porque se trata de um brinquedo e não de uma arma. Além disso, a finalidade da lei seria a de punir de forma mais firme aquele cuja conduta tem um maior potencial lesivo, o que ocorre apenas com o uso da arma verdadeira em que o agente, por acidente, por reação da vítima ou de policiais ou até mesmo por maldade, pode causar sérios danos à integridade corporal da pessoa subjugada.
A matéria, dividiu a jurisprudência por muitos anos e, finalmente, no ano de 1996, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 174, no sentido de que implica no reconhecimento do dispositivo em tela o uso da arma de brinquedo, desde que tenha causado temor à vítima.
Acontece, entretanto, que pouco tempo após a edição da Súmula foi promulgada a Lei n. 9.437/97 que, além de tornar crime o porte de arma de fogo, estabeleceu em seu art. 10, § 1º, inc. II, que, quem “utiliza arma de brinquedo ou simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes”, incorre na pena de detenção de um a dois anos e multa. A nova lei reacendeu o debate em torno do uso da arma de brinquedo e do porte simulado de arma para a prática de roubo.
Em uma interpretação literal, acompanhada também de uma análise do momento histórico da promulgação da lei, em que fica evidenciada a intenção por parte do legislador em exasperar a pena, teríamos que chegar à conclusão de que o agente que usa uma arma verdadeira responderia pelo art. 157, § 2º, inc. I, do CP, mas se usa arma de brinquedo estararia incurso no crime de roubo simples em concurso com o crime do art. 10, § 1º, inc. II, da lei especial. Se, por um lado, entender-se que se trata de concurso material (hipótese mais gravosa ao réu), chegaremos a algumas situações injustas: O agente que praticasse um roubo com uma arma verdadeira estaria incurso em uma pena de cinco anos e quatro meses, mas se cometesse o crime com uma arma de brinquedo sua pena seria menor, ou seja, quatro anos de reclusão pelo roubo e um ano de detenção pelo crime da lei especial. Nesse último caso, apesar de a lei ter sido promulgada com a justificativa de elevar a pena, na prática, o montante final estaria ficando menor do que por aquela preconizada pela Súmula nº 174. Veja-se, ainda que, pela regra do concurso material, se duas pessoas praticassem um roubo com emprego de arma verdadeira estariam incursos em uma pena de cinco anos e quatro meses a seis anos de reclusão, mas se utilizassem arma de brinquedo a pena mínima seria seis anos e quatro meses (cinco e quatro meses de reclusão pelo roubo e mais um ano de detenção pelo uso da arma falsa). Uma solução como essa não pode ser aceita, já que a pena ficaria mais alta em situação de menor gravidade. Por outro lado, analisando a conduta do agente que usa arma de brinquedo para a prática do roubo, percebe-se que a conduta é apenas uma, ou seja, a arma é empregada no mesmo contexto da subtração, justificando, em tese, a aplicação do concurso formal. Essa solução, todavia, também fere a lógica e o bom senso da aplicação do Direito Penal, por trazer solução extremamente injusta, pois se duas pessoas forem condenadas por roubo com emprego de revólver verdadeiro, sua pena será de cinco anos e quatro meses a seis anos e, caso fossem condenadas por roubo com emprego de arma falsa, teriam uma pena de cinco anos e quatro anos aumentada de 1/6 até 1/2, que implicaria em pena superior a seis anos.
Em face disso, nos parece que duas posições poderão ser adotadas nas prática:
1ª) Com o uso da arma de brinquedo para a prática do roubo não se aplica o art. 10, § 1º, II, da Lei nova e sim o art. 157, § 2º, I, do CP ( princípio da subsidiariedade implícita ), ou seja, as elementares do crime autônomo da nova lei funcionam, pelo texto do CP, como circunstâncias legais e específicas do roubo e, assim, não se aplicam frente ao roubo. Para essa corrente, que à toda evidência entende que a arma de brinquedo configura a causa de aumento do CP, a Súmula nº 174 do STJ não foi cancelada.
2ª) O emprego de arma de brinquedo ou simulacro de arma integra o roubo simples funcionando como meio de execução da ameaça. Arma de brinquedo não é arma não podendo configurar a causa de aumento do CP, sendo inviável também a autonomia do crime do art. 10, § 1º, II da nova lei porque, além das injustiças advindas de eventual aplicação do concurso material ou formal (já mencionadas acima), fica evidente que por ser crime meio deve ficar absorvido pelo roubo (princípio da consunção), pois é óbvio que o emprego da arma de brinquedo é meio para a prática da subtração. Além disso, o dispositivo da lei nova seria inconstitucional, ofendendo o princípio da lesividade, já que os delitos da Lei n. 9.437/97 atingem a incolumidade pública, protegendo a vida e a integridade física dos cidadãos. Essa objetividade, entretanto, não é ofendida no emprego da arma de brinquedo.
Em suma, afastada a hipótese do concurso formal ou material, que poderiam implicar em pena mais alta para o uso da arma de brinquedo, restaram as mesmas antigas soluções, ou seja, para quem entende que o brinquedo configura arma, será aplicada a Súmula nº 174 (não se cogitando do crime autônomo), para os que acham que o brinquedo não é arma, será aplicado apenas o roubo simples, também não se aplicando o delito autônomo.
Conclui-se, portanto, que apesar da intenção do legislador ser a de exasperar a pena, não foi utilizada uma técnica legislativa adequada e, assim, por conseqüência, as interpretações acabarão sendo idênticas àquelas já existentes no passado.
Para evitar tanto dilema e querendo o legislador solucionar a discussão existente quanto à arma de brinquedo e simulação do porte, poderiam simplesmente ter alterado a redação do art. 157, § 2º, inc. I, para inserir expressamente no texto do Código Penal, as expressões “arma de brinquedo ou simulacro de arma capaz de atemorizar outrem”.