Autor: Maurício Zockun (*)
Todo agir do Estado tem uma única e exclusiva finalidade: a satisfação do bem comum. As licitações e contratações públicas não poderiam, obviamente, se desgarrar deste propósito.
Nesse sentido, os negócios governamentais entabulados após regular licitação pública podem curar múltiplos aspectos protetivos do interesse público: proteção das microempresas e empresas de pequeno porte, aquisição de bens e serviços produzidos e prestados em território nacional por empresa brasileira etc. Interessa-nos aqui abordar a razão de ser da contratação de seguros neste contexto.
Desde a edição da Lei de licitações e contratos administrativos, há explícita previsão da existência de cautelas e garantias dispostas a assegurar a execução e conclusão do objeto avençado entre o Poder público e o particular, aí se incluindo os seguros.
São indiscutíveis as virtudes deste modelo de fixação de garantias. Afinal, com ele não apenas se protege a própria Administração das mazelas decorrentes do descumprimento contratual, mas igualmente se acautelam os interesses patrimoniais da população eventualmente atingida pelos flagelos impostos pela execução anormal do contrato administrativo.
Seguros contratados com este propósito se prestaram, por exemplo, à reparação dos danos materiais causados pelo desmoronamento do canteiro de obras da Linha 4-amarela do Metrô, ocorrido em São Paulo em 2007, de lamentável memória.
Entretanto, estas garantias se exaurem no exato momento em que o bem, produto, serviço ou a obra pública são recebidos definitivamente pelo Estado contratante. Daí a redação do artigo 56, §4º, da Lei federal 8.666, segundo a qual “a garantia prestada pelo contratado será liberada ou restituída após a execução do contrato e, quando em dinheiro, atualizada monetariamente”. Traçou-se com isto uma inapropriada e indevida fronteira no modo de preservar o interesse público decorrentes destes negócios governamentais.
Afinal, habitualmente não se exige dos contratados o oferecimento de garantias que viabilizem a pronta reparação, recuperação ou substituição do bem, serviço ou obra pública acometida por vícios constatados após sua definitiva recepção pelo Estado. Sem ingressar no mérito do amplamente divulgado desabamento de parte da Ciclovia Tim Maia, na Cidade do Rio de Janeiro, a ocorrência deste infortúnio revela a incompleta solução que a Administração usualmente adota na previsão das garantias a serem oferecidas pelos particulares nas contratações públicas.
Com efeito, apesar de se ter cominado ao particular o dever de prestar garantia que assegurasse financeiramente o cumprimento das obrigações contratadas e das penalidades eventualmente aplicáveis, não se faz semelhante exigência destinada, todavia, a acautelar o adequado desfrute do bem, serviço ou obra entregue pelo contratado. Dito de modo mais simples e escorreito: exige-se do particular interessado a prestação de uma garantia — como o seguro — para participar da licitação e executar o contrato administrativo travado; sem embargo, não se prevê idêntica providência acauteladora após o objeto contratado ser entregue.
No caso específico das obras e serviços de engenharia, a despeito de a responsabilidade civil ser geralmente imputável aos projetistas e executores, ainda não se adotou no sistema brasileiro um modelo protetivo da qualidade das obras entregues, por meio de apólices de seguros, o que já ocorre em outras Nações.
Em vista disto, quais seriam os resultados benéficos decorrentes da exigência do oferecimento de garantias em favor da incolumidade dos bens, serviços e obras entregues definitivamente ao Poder público em razão da derradeira execução do contrato administrativo? Apressamo-nos em responder: a eficiência da Administração pública na tutela do interesse público.
Primeiro porque a importância paga pelo particular para prestação desta garantia estaria incorporada no preço pago pelo Poder público para execução do objeto contratado. Afinal, sendo a garantia parte integrante do preço ofertado pelo particular, certamente ela será incorporada pela menor expressão econômica possível. Segundo porque, ocorrido o sinistro, o Poder público poderia prontamente executar a apólice ou garantia, aí se incluindo a possibilidade de abastecimento do erário com os recursos necessários para substituição ou reparação do bem ou serviço entregue de modo defeituoso pelo particular ou, eventualmente, a possibilidade de tais afazeres ficarem a cargo da própria empresa seguradora. Terceiro porque a contratação de seguros e outras garantias para estes casos dificultaria o surgimento de uma contenda judicial entre o Poder público e o contratado faltoso, situação que certamente se prolongaria por anos a fio, em prejuízo à efetiva tutela do interesse público. Com efeito, pago o prêmio pela ocorrência do sinistro, eventuais discussões seriam precipuamente resolvidas entre a seguradora e o contratado. Quarto porque as empresas seguradoras ou que prestarem a garantia certamente colaborarão com o Poder público para atestar a integridade do produto, serviço ou obra entregue ao Estado. Afinal, a inocorrência de sinistros lhes aproveitará economicamente.
E como não existe qualquer espécie de óbice legal que impeça as autoridades administrativas de prontamente exigir o oferecimento de garantias ou seguro nestes casos, é chegada a hora de propor mudanças no comportamento estatal. Afinal, não basta acautelar a boa execução do objeto contratado por meio de licitação. A satisfativa tutela do bem comum exige que o particular também se veja obrigado a oferecer seguro ou garantia viabilizadores do adequado desfrute do bem, serviço ou obra entregue pelo contratado, caso, no futuro, sejam constatados vícios que exijam sua recuperação, substituição ou refazimento.
Autor: Maurício Zockun é advogado sócio da Zockun Advogados, professor da PUC-SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) e diretor científico do Instituto de Direito Administrativo Paulista (IDAP). Presidente da Comissão especial de Direito Administrativo do Conselho Federal da OAB.