O sigilo de correspondência do preso versus a segurança da comunidade

Miguel Lucena

Delegado de Polícia do DF, diretor de Comunicação da pós-graduado pela Escola de Preparação de Magistrados da Bahia e jornalista.

A Carta Magna assegura, em seu art. 5º, XII, a inviolabilidade do sigilo de
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Como cláusula intocável, imutável até mesmo via emenda constitucional, é de perguntar-se se ao preso – provisório ou condenado – pela prática de crime é assegurado esse direito fundamental.

Analisando-se a questão de afogadilho, a resposta mais apressada vem no
sentido positivo, tendo em vista que o caput do referido art. 5º preceitua
que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Além disso, o art. 151 do Código Penal pune, com detenção de um a seis meses, ou multa, quem devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada. Outrossim, o art. 3º, c, da Lei 4.898, de 9.12.65, dispõe que constitui abuso de autoridade qualquer atentado ao sigilo de correspondência. Talvez orientados por advogados ou cientes da existência dessa garantia constitucional, alguns presidiários têm reclamado contra os responsáveis por seções de vigilância de delegacias policiais e agentes penitenciários que recebem de suas respectivas chefias a incumbência de verificar o conteúdo das correspondências destinadas aos presos ou por estes remetidas, inclusive acionando o Ministério Público.

O Parquet, como custos legis, tem exigido explicações dos responsáveis por tal procedimento, até porque há controvérsias acerca da questão. Julio Fabbrini Mirabete observa que “a censura e o impedimento de correspondência efetuados nos presídios e previstos em regulamentos internos põem em foco essa garantia constitucional, já se tendo afirmado a inconstitucionalidade de normas jurídicas que limitam o direito ao sigilo de correspondência”. (em “Execução Penal – Comentários à Lei nº 7.210, de 11 – 7 – 84, p. 125, 7ª Edição, Atlas/SP).

Temos que o procedimento adotado fundamenta-se em razões fáticas, jurídicas e lógicas, eis que a norma constitucional que assegura a inviolabilidade do sigilo epistolar não foi editada para expor os agentes auxiliares da Justiça Criminal e a comunidade à vulnerabilidade resultante de práticas ilícitas, tais como motim e arrebatamento de presos, ajustadas quase sempre por meio de correspondências.

O próprio Mirabete, logo em seguida, cita a processualista Ada Pellegrini Grinover, na obra “Liberdades públicas e processo penal” (São Paulo, Saraiva, 1976, p. 306), para quem “as liberdades públicas não são mais entendidas em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de convivência das liberdades, pelo qual nenhuma delas pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias”.

Conforme Grinover, “nessa ordem de idéias deve ser considerada a inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, com vistas à finalidade ética ou social do exercício do direito que resulta da garantia; tutela desta natureza não pode ser colocada para a proteção de atividades criminosas ou ilícitas”. (ob. cit., p. 306 – 7, apud Mirabete, p. 125).

Ademais, as chefias de Delegacias com carceragem e as direções de presídios agem com fulcro no art. 41, XV, parágrafo único, da Lei 7.210, de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal), o qual dispõe, verbis:

“Art. 41. Constituem direitos do preso:
……………………………………………………..
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da
leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os
bons costumes.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser
suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do
estabelecimento.”

A medida em comento encontra-se inserta na Portaria nº 001, de 11 de janeiro de 1988 (Regimento Interno dos Estabelecimentos Penais da Secretaria de Segurança Pública), da lavra do então Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, em seu art. 125, XVIII, verbis:

“Art. 125 – São direitos específicos do interno:
…………………………………………………………………
XVIII – comunicar-se com o mundo exterior, por via postal, sob a devida
vigilância.”

Nesse mesmo diapasão, o saudoso NELSON HUNGRIA, festejado como príncipe dos penalistas brasileiros, em “Comentários ao Código Penal”, vol. VI, Forense, 1958, p. 234, ensina: “Há casos vários em que a lei autoriza, explícita ou implicitamente, a abertura da correspondência alheia, para conhecer-lhe o conteúdo. Assim, no caso de censura oficial, quando suspensa a garantia constitucional da inviolabilidade de correspondência; no caso da correspondência do falido, que deve ser aberta e lida pelo síndico, em defesa dos interesses da massa (art. 63, II, da Lei de Falências); no caso da correspondência dos condenados presos, a qual deve ser aberta e lida pelo Diretor da prisão; no caso da correspondência do acusado de crime, conforme dispositivo do CPP (art. 240, f) – grifo nosso; no caso da correspondência de menores ou totalmente incapazes, pode ser devassada por seus representantes legais ou pessoas a cuja guarda estejam confiados.” Outrossim, o eminente Ministro CELSO DE MELLO, ex-presiden e do Egrégio STF, relatando pedido de habeas corpus, assinalou que “a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei nº 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”.

Carlos Maximiliano, autor de Hermenêutica Constitucional, citado por Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas, em “Abuso de autoridade”, Editora RT, 5ª edição, p. 36, diz que “os publicistas e a jurisprudência concordam em permitir o que o Código Penal de 1890 proíbe: a leitura das missivas escritas ou recebidas pelo acusado, autorizada por ordem escrita do juiz formador da culpa. Entretanto, esta disposição rigorosa do Código não se observa na prática, sobretudo nas prisões, onde as cartas têm levado a Polícia a descobrir cúmplices dos detidos e provas esmagadoras de crimes algo misteriosos”.

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