Autores: Rodrigo Martone e Alice Marinho (*)
O novo Código de Processo Civil, em vigor desde março do ano passado, teve como um de seus principais pilares tornar os processos judiciais mais céleres, reduzindo sua complexidade tanto com relação à interposição de recursos pelas partes, quanto à uniformização do entendimento jurisprudencial e sua aplicação, desde os juízes em primeira instância aos tribunais superiores, introduzindo mecanismos utilizados pelo sistema de common law.
Nesse sentido é que foi introduzido no novo CPC o artigo 927, o qual determina que os juízes e tribunais deverão observar (i) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (ii) os enunciados de súmula vinculante; (iii) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (iv) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e (v) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Como se pode verificar, esse artigo traz duas questões muito importantes com relação às regras para a observância e aplicação dos precedentes.
A primeira questão diz respeito ao fato de que, embora os incisos (i) e (ii) já fossem observados anteriormente por força de determinação constitucional[1], os demais incisos previstos nesse artigo nos parecem atribuir um efeito normativo a determinações ou enunciados proferidos pelos tribunais. Tal dispositivo demonstra, assim, uma tendência de que as decisões judiciais têm se vinculado cada vez mais aos precedentes estabelecidos anteriormente, e não apenas à interpretação da legislação em cada caso concreto, tal como funciona no modelo de common law.
A segunda questão e, a nosso ver, mais desafiadora do ponto de vista prático, diz respeito à observância e aplicação dessas orientações descritas nos incisos do artigo 927 do novo CPC por todos os juízes de primeiro grau e tribunais aos seus respectivos casos concretos. Isso porque os parágrafos 2º a 4º do referido artigo regulamentam a alteração das decisões e orientações firmadas pelos tribunais (previstas nos incisos do artigo 927), permitindo, inclusive, a modulação dos efeitos em casos de alteração da jurisprudência dominante do STF, demais tribunais superiores ou decorrentes do julgamento de demandas repetitivas.
Nesse contexto, cabe destacar que claramente a intenção dessas regras é facilitar a aplicação e uniformização de precedentes, como inclusive prevê o parágrafo 1º do artigo 927 ao dispor que os juízes e tribunais observarão o disposto nos artigos 10 e 489, parágrafo 1º, do novo CPC, os quais preveem que (i) o juiz não pode decidir sobre matéria em relação à qual as partes não tiveram oportunidade de se manifestar; bem como que (ii) as decisões devem ser devidamente fundamentadas, não se assim considerando aquelas que se limitam a citar precedentes sem indicar seus fundamentos determinantes e o motivo pelo qual se ajustam ao caso concreto ou, pelo contrário, as decisões que deixam de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente apresentado pela parte, sem demonstrar os motivos pelos quais referido precedente não se adequa ao julgamento do caso concreto.
Ocorre, contudo, que as previsões trazidas no artigo 927 e, em especial, a previsão contida no parágrafo 3º no sentido de que pode haver modulação de efeitos por parte do juiz de primeiro grau ou tribunal, seja de segunda instância ou superior, quando ocorrer alteração de jurisprudência dominante, podem acabar por violar os princípios da segurança jurídica e da isonomia, trazendo inclusive decisões contraditórias que tratam de maneira distinta pessoas em situação idêntica.
Isso porque, dentro dessas novas diretrizes, um determinado caso concreto pode tratar de um litígio que ocorreu em um determinado momento, quando havia um entendimento jurisprudencial, depois ser julgado com base em súmula ou enunciado que venha a ser revisado por um tribunal, e poderá, ainda, sofrer a modulação de efeitos, em que será aplicado o entendimento jurisprudencial mais recente. Ou seja, a parte que ajuizou uma ação com determinada expectativa sobre a causa poderia ter a sua expectativa frustrada com a aplicação retroativa de uma jurisprudência consolidada posteriormente.
Dessa forma, em que pese a importância dos mecanismos previstos no novo CPC para aprimorar o sistema processual brasileiro, é necessário cuidado e coerência na aplicação dessas normas para que a celeridade processual e a uniformização jurisprudencial não sejam aplicadas de forma indiscriminada, a fim de evitar que direitos e garantias fundamentais das partes sejam violados.
Autores: Rodrigo Martone é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Alice Marinho é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.