Por Pedro do Canto Freitas e Ricardo Xavier Furtado
1 Histórico
1.1 Do porquê da origem dos Estados-Membros e de sua manutenção
A denominação Estados-Membros somente surgiu, aqui no Brasil, quando da proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889. No entanto isto não nos diz do não concedimento de poderes às províncias (ou capitanias). Em verdade, os cuidados do Brasil para consigo próprio começaram, não de um governo centralizador mas sim de um sistema de “províncias” autônomas (ou capitanias) a quem só deviam esclarecimentos à Metrópole Portuguesa.
O excesso de autonomia das capitanias logo foi motivo de mudanças; afinal, estas estavam criando Câmaras Legislativas para regularem suas condições interiores.
A “União Indissolúvel” e a “Organização que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios…” somente teve sua semente lançada quando da implantação dos Governos Gerais aqui, na terra brazilis. Ele não extinguiu as capitanias porém às subordinou ao Governador-Geral.
A não extinção das capitanias não teve outro motivo senão facilitar o povoamento da colônia, mesmo que rusticamente, no objetivo de evitar o constante uti possidetis que nos rodeava, especialmente pelos holandeses e franceses.
Por outro lado, as invasões estrangeiras, no final das contas, mais contribuíram com o povoamento do que qualquer outra coisa. Por estas e tantas outras, explica-se a nossa imensa variedade cultural.
Assim, se houve uma relação causa-efeito, ela está na implantação de um pseudo-federalismo aqui, na intenção de impedir os rumos que as capitanias tomavam. Estudiosos nos falam que, apesar de termos vivido uma colonização de exploração, a implantação dos Governos-Gerais, foi um freio para a possível fragmentação dos Brasil em pequenos estados (num futuro próximo).
Em contraponto, é errôneo afirmarmos que as capitanias foram criadas para auxiliar a estrutura de exploração: ela em si foi a própria estrutura – anterior às medidas centralistas. Em momento nenhum, “eles olharam” para nós e pensaram que nos dividindo, provocariam um estrago cultural menor. Não começamos como uma colônia – mas sim como várias.
Uma vez provada que a divisão do território brasileiro não foi uma medida de auxiliação mas sim de governo dos “vários países”, qual o motivo de sua manutenção? A repartição foi em si, o nosso próprio modelo de exploração, mas é por causa dela que o Brasil, hoje é como é. Por este modelo, fomos melhor povoados fisicamente ou territorialmente. Com certeza nossa diversidade cultural não seria a mesma se começássemos em um único ponto. É certo que sofremos repressões sim (nossos índios foram arrancados de suas tradições; os negros foram perseguidos por seus costumes). Mas haja vista tudo isto, nossas perdas seriam ainda maiores se, ao invés de “federalistas descentralizados” fôssemos um único estado, como a República Popular da China.
Mas não é só o cuidado com a questão cultural brasileira que justifica a manutenção dos Estados. A grande extensão territorial, a variedade de climas e tipos distintos de vegetação e terra e diferentes populações tornam necessário um governo que enxergue as peculiaridades de cada canto do país, afim de que possa melhor utilizá-los em seu próprio benefício.
Se o Brasil, com seus 26 estados, cada um com suas dezenas de municípios e diferentes constituições, já é difícil governar, imagine sem eles…
1.2 Da evolução na distribuição de competências entre a União, Estados-Membros e Municípios
Recuaremos ao tempo de quando estas expressões ainda não haviam sequer aparecido no Brasil.
O primeiro sistema a que o Brasil foi submetido e que implicava na divisão de competências, foi o pacto colonial. Aqui dentro, os poderes ficaram nesta ordem: em primeiro lugar o Governador-Geral, que subjugava os Ouvidores-mor, Provedores-mor e os Capitães-mor. Estes eram responsáveis num mesmo grau hierárquico porém em diferentes ramos pelas capitanias, pelos Municípios (Vilas e Cidades) e Câmaras Municipais. Todos estes no entanto estavam submetidos à autoridade do rei; chefe do executivo, legislativo, judiciário, e qualquer outro poder que pudesse existir.
Inicialmente, o rei concedia ao donatário a Carta de Doação e o Foral: a primeira concedia a terra (a posse), e a segunda era o código tributário do rei para com o donatário. Os donatários possuíam poderes judiciários, políticos e administrativos que se resumiam nestes: cobrar impostos livremente, conceder sesmarias, explorar riquezas (as autorizadas pelo Rei).
Posteriormente, os donatários ficaram subordinados aos governadores gerais e aos seus Auxiliares Administrativos:
Os Capitães-mor: ficaram responsáveis pela segurança interna e externa das capitanias (cada capitania tinha seu capitão).
Os Ouvidores-mor: a eles foram entregues a competência dos julgamentos nas capitanias e da fiscalização das Câmaras Municipais.
Os Provedores-mor: eram os tesoureiros da capitania a serviço do Governador-Geral, para administrar o dinheiro das capitanias, cobrar e fiscalizar os impostos.
Na verdade, toda essa organização político-administrativa era formal. O poder político na colônia estava descentralizado, situado nas unidades produtoras que iam surgindo. Era a classe dominante local.
Muito mais do que somente nas fazendas, o prestígio desses homens extravasavam as cidades. Seus poderes apareciam nas Câmaras Municipais dos Homens Bons. Estas decidiam sobre a administração dos municípios, sobre as missões de guerra e paz com os índios, sobre o abastecimento, a fixação de salários, os impostos etc. Neles estava o verdadeiro poder político colonial, disperso, local, mas sempre em acordo com a força mais determinante da vida social, a Metrópole.
Em 1824, pela primeira vez, o Brasil tem sua própria Constituição. Bem diferente do que os rumos tomados no início de nossa existência, esta Constituição centraliza o poder (afinal é um império, sem falar do poder moderador – coisas que só acontecem no Brasil).
Para a União, ficava o Poder Legislativo e grande parte do Poder Executivo.
Diferentemente de nossa Constituição atual, a de 1824 em muito subordinava as províncias. A elas não era permitido deliberar projetos sobre “interesses gerais da nação; quaisquer ajustes de uma com outras províncias; imposições da competência particular das Câmaras dos Deputados, como consta Art. 36 desta Carta. Somente era atribuída a competência de “… propor, discutir e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas províncias” – (Art.81, Constituição de 1824)
A autonomia era bastante restrita visto que todas as resoluções tinham de ser remetidas ao Poder Executivo. Para serem propostas como lei, deveriam passar pela Assembléia Geral. As províncias não possuíam uma Constituição, e sim uma lei administrativa.
Nos municípios havia as câmaras que tinham como atribuições o governo econômico e municipal. As funções municipais somente foram melhor regulamentadas na Lei de 1º de Outubro de 1828.
Muita coisa mudou com o Ato Adicional de 1824. Ele deu aos antigos Conselhos Gerais o direito de terem seu próprio legislativo. Somente os municípios permaneceram sem autonomia.
Já na Carta de 1891, a primeira da República, o termo Estado-Membro é utilizado pela primeira vez. Assim como, a eles, foram também permitidas a promulgação de suas próprias Constituições. Também lhes foi entregue uma autonomia, própria de um federalismo. As competências de cada um foram praticamente estabelecidas na Carta Magna: o decreto de impostos pelos Estados foi permitido assim como a eleição de seus governadores, e também a possibilidade de realizar empréstimos autonomamente no exterior. Além disso, a União também admitia a criação de suas próprias forças militares.
O último grande passo para o que temos hoje de Constituição, foi feito a dois séculos atrás – com algumas mudanças, poucas porém significativas. Não nos interessa, ou não cabe nesta, tratar da evolução da distribuição de competências em cada quesito, pois, cada vez mais ela vem se tornando complexa. No entanto, interessante nos seria expor da maneira como as competências são repartidas.
Costuma-se dividir em exclusiva, concorrente, supletiva ou complementar. A competência exclusiva é a capacidade jurídica de exercer unicamente certas atribuições em um determinado campo. Concorrente, também é uma capacidade porém compartilhada, ou atribuída a outras entidades, em uma certa atividade. A Supletiva, trata-se de assuntos os quais a União somente integrará as normas gerais. Aos Estados, fica a competência legislativa plena – a fim de atender às suas peculiaridades.
Nosso método de distribuição consiste em atribuir aos Estados-Membros todas as competências que não lhes são recusadas diretamente ou pela atribuição aos órgãos federais. (CF/1946).
Bibliografia
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BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil – Promulgada em 5 de Outubro de 1988. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.
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SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª edição revista e Atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.