Eliziongerber de Freitas
A pena,como sanção, desde a sua origem até o surgimento da Escola da Defesa Social, de Adolfo Prins e Fillipo Grammatica teve a finalidade meramente retributiva, que no dizer de Kant era um “imperativo categórico, conseqüência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impõe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta igualdade traz a justiça”. Com o advento da Escola da Defesa Social e, posteriormente, com a Nova Defesa Social, de Marc Ancel instituiu-se uma nova ordem de política criminal, onde se tinha a idéia de que a sociedade só é defendida à medida que proporciona a adaptação do condenado ao meio social, foi o que se chamou de teoria ressocializadora, ou seja a pena, a partir do surgimento destes movimentos, teria como finalidade ressocializar o preso.
Voltando os nossos olhos sobre o sistema penitenciário brasileiro indagamos: As nossas prisões e penitenciárias objetivam ressocializar os presos? Infelizmente a resposta é negativa. O modelo em que está posto nosso sistema penitenciário, como diz José Carlos Salvine, “serve ao Estado como instrumento de exclusão social contra as camadas mais pobres e como seu amedrontador”.
As prisões e penitenciárias brasileiras são verdadeiros depósitos humanos, onde homens e mulheres são deixados aos montes sem o mínimo de dignidade como seres humanos que são.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso XLIX assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, afirmando, ainda, no inciso XLVIII, do mesmo artigo 5º, que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
O preso, na forma como está dividido o sistema penitenciário brasileiro, deveria seguir a seguinte rota: preso ou autuado em flagrante seria levado a uma delegacia para registro da ocorrência e detenção inicial, caso não seja libertado seria encaminhado a um presídio ou casa de detenção, posteriormente, ao ser julgado e ocorrer o trânsito em julgado da sentença ser remetido a uma penitenciária, para cumprir a sentença.No entanto, o que se vê, é um verdadeiro desrespeito as normas legais e garantias constitucionais. Presos condenados juntos com aqueles que aguardam julgamento, presos primários juntos com reincidentes, contrariando, o que dispõe o artigo 84 e seu § 1º da Lei 7210//84; outras vezes homicidas, latrocidas, traficantes, todos juntos com pessoas que não são dadas ao crime e ali estão por uma circunstância da vida, que não souberam resolver de maneira diferente, senão praticando um delito, quando deveriam ser separadas conforme o crime praticado.
Os estabelecimentos prisionais brasileiros, salvo, algumas poucas exceções, causam a degeneração da saúde física e mental dos reclusos, que são colocados em ambientes degradantes onde muitas vezes não tem ventilação adequada, onde impera a falta de higiene, onde falta espaço para se
dormir, como se tem notícias que em muitos presídios há revezamento para se poder dormir, por falta de espaço.
É consenso geral que a cadeia não recupera, pois é ela, opressora, humilhante, degrada a personalidade do detento, é uma verdadeira universidade do crime, como dizia Nélson Hungria. Porém, não apresentando a cadeia condições mínimas, para sobrevivência, piora, ainda mais, a situação do encarcerado.
Além dos fatos já citados outros, outros aspectos contribuem para agravar o sistema penitenciário.
Existe dentro dos presídios e penitenciárias um verdadeiro sistema normativo que regulamenta, extra oficialmente, a conduta do presos. Essas normas definem as relações sociais e hierárquicas, a forma como devem ser mantidas as relações sexuais nos dias de encontros conjugais, regulamenta, até, o comportamento dos presos nos dias de visitas. Podemos citar como exemplo o presídio Aníbal Bruno, localizado em Recife, onde os detentos nos dias de visitas não podem ficar sem camisa, não podem desrespeitar os familiares dos outros detentos, não podem provocar rebeliões em dia de visitas para não colocar em risco a vida dos familiares. Assim, aqueles que descumprirem estas normas, cridas pelos próprios detentos, estão sujeitos a severas punições, muitos sendo punidos até com a morte.
O excesso de lotação dos presídios, penitenciárias e até mesmo distritos policiais também contribuem para agravar a questão do sistema penitenciário. Locais que foram projetados para comportar 250 presos estão, atualmente, com 600 ou mais presos, acarretando, essa super lotação, o aparecimento de doenças graves e outras mazelas, no meio dos detentos.
Temos, ainda, a questão da segurança, que fora dos presídios está difícil, imaginemos lá dentro. Sabe-se que existem presídios e penitenciárias onde há apenas um agente penitenciário para tomar conta de 100 a 200 detentos, cada detento mais perigoso que o outro, ociosos, que vivem maquinando um modo fugir, que muitas vezes subornam os agentes penitenciários para terem maiores regalias. Há penitenciárias onde os próprios presos são responsáveis pelas chaves das celas e contagem dos presos, o que comumente é chamado de chaveiro.
Outro fator de grande influência para o mau funcionamento do sistema penitenciário é a falta de estrutura física. Deveria ele está, assim distribuído: penitenciária, colônia agrícola, industrial ou similar, casa de albergado, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e as cadeias públicas ou presídios. Contudo, o que se observa, em determinados Estados da Federação é a falta de um ou de alguns dos estabelecimentos prisionais, conforme acima descrito. Há Estado em que não existe casa de albergado, que não existe hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, onde os presos que necessitam de atendimento desta ordem são misturados aos preso comuns agravando, ainda mais, sua situação mental. Encontramos, ainda, as colônias agrícolas que em nenhum momento funcionaram com a finalidade para qual foram criadas, deixando assim, seus detentos o dia inteiro ociosos e muitas vezes facilitando a sua fuga.
As drogas e as armas são outros fatores determinantes no problema do sistema penitenciário brasileiro. Temos visto e ouvidos nos noticiários, o grande número de armas e a grande quantidade de drogas que são apreendidos diariamente nos presídios e penitenciárias brasileiras. Vemos, também, como as gangues estão controlando o crime de dentro dos presídios através de aparelhos telefônicos, através de mensagens levadas pelos próprios parentes dos presos.
Impera dentro do sistema penitenciário, entendido aqui como presídios e penitenciárias, a lei do mais fortes, ou seja, quem tem força ou poder subordina os mais fracos. Impera o
abuso sexual entre os presos. Quem já não escutou falar sobre a cultura formada dentro dos presídios acerca daqueles que cometem crime de estupro ou crime contra a liberdade sexual? Os detentos que vão para os presídios acusados da prática de tais delitos passam por verdadeiras curras. Outras vezes os próprios detentos deixam ser abusados sexualmente, até como forma de proteção. O mestre Roberto Lira Filho em seu livro Penitência de um Penitenciarista, conta a história de um jovem másculo que ele acusara com ardor no júri que “para regenerar-se e aprender a conter-se na prisão”, tornou-se homossexual, “de cara cínica, precocemente envelhecido”. Onde está o Estado para coibir estes tipos de abusos? Onde está o Estado para garantir a integridade física e moral dos presos, conforme acentua a Constituição Federal? Precisamos acabar com a idéia de que quem comete delito de contra a liberdade sexual deve passar por sofrimento de natureza idêntica, pois, se concordamos com tais atos estamos sendo coniventes com a prática de crime da mesma natureza do delinqüente.
Outra questão de grande influência na falência do sistema penitenciário brasileiro é a não observância dos preceitos estabelecidos na Lei 7210/84, que na letra é eficiente, mas na prática deficiente.
Como exemplo podemos citar o artigo 12 da Lei 7210/84 que diz: “A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação vestuário e instalações higiênicas”, no entanto, o que acontece em diversas unidades prisionais são os presos terem alimentação precária, muitas não disponibilizam vestuários, casos há em que presos chegam a passar até oito dias aguardando saírem das celas de espera para que seus familiares possam trazer alguma vestimenta para eles; as instalações são pouco higiênica, de péssima qualidade, além disso, a quantidade de presos por cela, agrava ainda mais, a questão da higiene.
Outro ponto de fundamental importância é a questão da educação. Diz o artigo 18 da supracitada lei que “o ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa”, no entanto, devemos reconhecer que este dispositivo legal, também não é cumprido, pois, quantos presos analfabetos passam anos e mais anos dentro das penitenciárias e continuam analfabetos.
Temos outros problemas, tais como o trabalho do preso, a assistência material, à saúde, jurídica, social e religiosa. E nestes exemplos podemos destacar a questão da assistência jurídica onde observamos que diversos presos, já cumpriram seu tempo de pena, mas, por falta de assistência jurídica, ainda continuam presos. Outros, em razão do delito praticado, já cumpriram a pena em abstrato determinada na lei sem, no entanto, terem sido julgados, mofam nos presídios.
O sistema penitenciário brasileiro pelas questões expostas em nada tem contribuído para ressocializar o preso, ao contrário, contribui para direcioná-lo a caminhos mais perigosos, tem contribuído para encaminhar aqueles menos afeto aos delitos, pelo convívio nos presídios e penitenciárias, a entrarem no mundo do crime mais organizado, chefiado pelos delinqüentes mais experientes, com os quais conviveram quando estavam reclusos.
É quase que consenso no meio social que a melhor forma de se combater o crime é a privação da liberdade, ou seja, a prisão, entretanto, observamos que pouco tem sido o efeito desta no combate ao crime, outras formas de punição, como as já conhecidas penas alternativas, devem ser empregadas, deixando os cárceres para aqueles reconhecidamente perigosos, ou tornando o sistema penitenciário menos nocivo.
Por fim, deixamos o exemplo dado pelo Marquês de Beccaria, quando trata do tema da prisão em seu livro Dos Delitos e das Penas: “À medida que as penas forem moderadas, que a desolação e a fome forem eliminadas das prisões, que, enfim, a compaixão e a humanidade adentrarem as portas de ferro e prevalecerem sobre os inexoráveis e endurecidos ministros da justiça, as leis poderão contentar-se com indícios sempre mais fracos para a prisão”.
Bibliografia:
Beccaria, Cesare – Dos Delitos e das Penas – 2ª Edição Revista – Tradução de J. Cretella Jr. Agnes Cretella – Editora Revista dos Tribunais.
Lyra, Roberto – Penitência de um Penitenciarista, 1957
Mirabete, Júlio Fabbrine – Manual de Direito Penal. Vol. 1, Editora Atlas
Salvine, José Carlos – Campanha da Fraternidade – Prisão só para infração mais graves, convicção que avença.
Texto produzido em 26.06.2002 – Recife
Elizongerber de Freitas
Bacharel em Direito pela UNICAP
Supervisor da Seção de Processamento dos Feitos Julgados por Despachos da 1ª Turma do TRF 5ª Região
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