O trabalho e o benefício da remição

O trabalho penitenciário evoluiu ao longo da história. Inicialmente, ele estava vinculado à idéia de castigo e vingança.

Karla Beatriz N. Pires

Todos nós temos consciência da importância do trabalho para o ser humano. A atividade laboral faz parte da vida em sociedade. É através dela que se consegue o sustento necessário para se viver dignamente além de afastar o ócio e pensamentos nebulosos. O trabalho é importante não só para o homem livre, mas principalmente ao que se encontra encarcerado.
O trabalho penitenciário evoluiu ao longo da história. Inicialmente, ele estava vinculado à idéia de castigo e vingança. Era uma forma de punir o preso, já que a este era aplicado, trabalhos desumanos, tais como: shot- drill (transporte de bolas de ferro, pedras e areia), o tread-mill (moinho de roda), o crank ( voltas de manivela) etc. Hoje, ele não é mais visto como um castigo, ou como trabalho forçado e sim como uma ajuda ao preso tanto no aspecto psicológico, material e educativo.
Na lição de Júlio Fabbrini Mirabete ” o trabalho prisional não constitui, portanto, per se, uma agravação da pena, nem deve ser doloroso e mortificante, mas um mecanismo de complemento do processo de reinserção social para prover a readaptação do preso, prepará-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de trabalho e evitar a ociosidade”. Portanto, o trabalho penitenciário nos dias atuais tem caráter ressocializador além de estarem comprovados os benefícios que representa à população carcerária.
Sabemos que a população carcerária envolvida com o trabalho, por estarem ocupando sua mente, não tem muito tempo para maquinar as famosas rebeliões e desordens no presídio, sendo um fator decisivo para que se mantenha a ordem dentro do estabelecimento prisional; permite ao recluso obter algum dinheiro para suas necessidades e para as de sua família; além de capacitá-lo profissionalmente, ampliando as possibilidades de colocação no mercado de trabalho quando em liberdade .
A Lei de Execução Penal , em seu art. 28, dispõe que o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. O trabalho do condenado é um dever e não se compara com o trabalho espontâneo e contratual da vida livre, já que entra no conjunto dos deveres que integram a pena. O homem livre tem a faculdade de trabalhar ou não. Já o condenado que se recusa trabalhar, apesar de não ser coagido pelo Estado para que cumpra a função laboral, estará sujeito a sanções disciplinares, já que a LEP considera falta grave o descumprimento do dever de trabalhar ( art. 50, VI, da LEP).
Agora, se o Estado tem o direito de exigir que o condenado trabalhe, em contrapartida, tem o preso o direito social ao trabalho ( art. 6º, CF), porém, ele não tem a liberdade para contratar e muito menos para procurar um ofício, ficando a cargo do Estado o dever de dar-lhe trabalho.
Mas a realidade carcerária é outra. A maioria dos estabelecimentos prisionais não oferece trabalho aos condenados, e quando o fazem, são trabalhos que em nada contribuem para uma profissionalização do detento. Uma grande maioria dos condenados passam a maior parte de seu tempo na ociosidade ou quando lhe é oferecido algum tipo de trabalho, este em nada contribui para a aprendizagem de um ofício que poderia ser utilizado quando em liberdade.
O Estado está em falta com sua obrigação de proporcionar trabalho digno ao condenado, de proporcionar-lhe na medida do possível um ofício ou profissão, que irá facilitar a colocação do ex-condenado no mercado de trabalho. E para esta desídia do Estado, existe alguma sanção? Todos nós sabemos a resposta: não existe sanção ao Estado por não proporcionar trabalho ao preso.
Por incrível que pareça, quem vai ser penalizado pela falta de trabalho, será o próprio condenado, já que , a Lei de Execução Penal em seu art. 126, instituiu no país uma forma de redenção de parte da pena privativa de liberdade por meio da remição, na qual pelo trabalho, o condenado abrevia parte do tempo de sua condenação.
Art. 126 da LEP: O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.
Desta forma, a remição é um direito do condenado em reduzir pelo trabalho prisional o tempo de duração da pena privativa de liberdade cumprida em regime fechado ou semi-aberto, à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho. É uma forma de extinguir ou abreviar parte da pena.
Este trabalho tanto pode ser o externo ou interno, manual ou intelectual, agrícola ou industrial, não se excluindo o artesanal, desde que autorizado pela administração do estabelecimento penal.
Assim, há uma relação de direitos e deveres entre o Estado e o condenado em virtude da qual a Administração está obrigada a possibilitar o trabalho ao preso e a este compete desempenhar a atividade laborativa.
A determinação do tempo de duração da pena não pode ter um valor absoluto, ela pode ser diminuída durante a fase executiva, desde que os fins de integração ou reintegração social do condenado tenham sido atingidos, sendo que, o trabalho é uma das principais formas através do qual o sentenciado pode ter a sua pena privativa de liberdade diminuída.
O grande problema ocorre quando o condenado quer trabalhar, mas o Estado não lhe oferece a atividade laboral e consequentemente o sentenciado não pode pleitear o benefício da remição. E justificam a não concessão do benefício, por três motivos: a) a concessão do benefício igualaria o preso que trabalha e o que não trabalha; b) a remição só é possível diante do registro mensal dos dias de trabalho de cada condenado; c) a falta ao trabalho já é conhecida como falta grave.
A impossibilidade do trabalho ocorre por deficiência do sistema prisional, e não por vontade do condenado. A legislação ao instituir o benefício da remição, ignorou a nossa atual realidade carcerária, que em sua maioria não oferece trabalho a todos os presos.
Para Rui Carlos Machado Alvim, esse direito à remição, por sua vez, pressupõe que o Estado favoreça-lhe os meios à sua concretização: o favorecido por determinada lei não pode ver-lhe recusado o favorecimento, por não terem sido dados os meios para atingi-lo.
Assim, se o condenado é privado do trabalho, porque o mesmo não lhe é oferecido por quem deveria fornecê-lo, o recluso tem o direito à remição. Cumpre pois, ao Estado propiciar condições de trabalho para todos os condenados, preparando-os para uma vida digna em sociedade quando do cumprimento de suas penas, além de possibilitarem a diminuição da mesma através do labor.

*Karla Beatriz N. Pires é especialista em Direito Penal, Mestranda em Ciências Penais pela Universidade Federal de Goiás.
e-mail: karpires@terra.com.br

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