O valor das perguntas em audiência

As perguntas formuladas em audiência são como pontas de icebergs, que, apesar de seu reduzido diâmetro, fazem emergir uma porção maior, as respostas, que consubstanciarão as provas, base do julgamento das causas.

É a menor parte textual, mas nem por isto de menor importância, porque exercem força atrativa das respostas.

Apesar de sua relevância, curiosamente, não é obrigatório o registro das perguntas formuladas às partes, peritos ou testemunhas, quanto aos fatos, com exceção das perguntas que o juiz indeferir, se houver requerimento da parte, no processo civil, e quando o acusado opta por não responder o que lhe é inquirido, no processo penal.

O parágrafo 2º do artigo 416 do Código de Processo Civil, dispõe que: “As perguntas
que o juiz indeferir serão obrigatoriamente transcritas no termo se a parte o requerer”. Já o artigo 191 do Código de Processo Penal: “Consignar-se-ão as perguntas que o réu deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo”.

Como nem todas as perguntas são registradas nos termos de audiência, com as respectivas respostas, na prática, ocorre que as respostas vão sendo amontoadas num texto contínuo, apesar das perguntas formuladas, mas que não aparecem, secioná-las.

Soma-se a isto, que, em geral, a narração de um fato pelos depoentes nem sempre obedece a cronologia dos acontecimentos, e a descrição ocorre de maneira desordenada. Começa-se a relatar do fim para o início, de uma parte, salta-se a outra, por esquecimento, ou dificuldade de coordenação da seqüência dos assuntos recordados.

É natural, já que, a maioria das pessoas não está habituada a falar num ambiente solene de audiência, não raro tenso, sob olhares inquisidores de advogados, juízes e promotores.

Haja daí, contradições, confusões, dos depoimentos transcritos, em prejuízo da clareza e verdade dos fatos, dificultando, ou até inviabilizando depois, eventual interesse da parte em recorrer, por inconformismo com o julgamento, no que tange à apreciação das provas.

O registro de todas as perguntas, permitiria avaliar com maior precisão, a causa de cada resposta, sua essência, evitando-se, assim, erro nos julgamentos pois como expressa o axioma, “quod non est in actis, non est in mundo”.

Uma maior atenção à qualidade das perguntas e seu registro também favoreceria na melhor organização dos fatos transcritos, ao evitar perguntas repetidas, desnecessárias ou impertinentes.

Neste diapasão, causa estranheza, na seara penal, uma pergunta costumeira aos acusados se têm religião, e a última vez que compareceu a cerimônia religiosa.

Nota-se o anacronismo desta pergunta, diante da leitura das garantias constitucionais, que incluem a liberdade de credo e é típica de uma época em que a indulgência era um negócio, e a não submissão ao clero, uma heresia passível de condenação.

De observar na história, homens de cultura e sensibilidade, espiritualistas, que deixaram grandes contribuições para humanidade e que não foram filiados a quaisquer entidades; alguns deles, imolados na fogueira pela intolerância à expressão da liberdade.

Neste caso, a pergunta poderia quiçá, ser substituída por critério científico, de estudo médico-psicológico do acusado, a par da feitura de outras, por exemplo, os últimos livros lidos, cursos, estudos ou trabalhos profissionais realizados.

Regressando ao ponto central do tema, entendemos que tornar obrigatório o registro de todas as perguntas, em processos de qualquer natureza, cíveis, penais e trabalhistas etc, além de primar pela clareza, transparência, atenderia ao princípio constitucional da amplitude de defesa.

Expressamos esta opinião no auspício que, caso os estudiosos do direito vislumbrem fundamentos de sua cogência, haja sugestão para criação de lei que assim disponha.

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Ricardo Calil Fonseca é advogado em Itaberaí (Goiás)

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