O debate sobre a Emenda 3 entrará para a história como mais uma polêmica amplamente divulgada (pela mídia), mas com entendimento restrito ao topo da pirâmide social; contudo, com implicações diretas em todas as camadas sociais (como sempre).
E o debate, obviamente, não é feito de forma clara (claro!) e cria uma grande celeuma: patrões de pessoas físicas não querem que estes empregados sejam pessoas físicas (PFs), preferem “fantasiá-los” de pessoas jurídicas (PJs), para pagar menos imposto.
Na verdade, a Emenda 3 trata de exigir decisão judicial para que as fiscalizações tributária, previdenciária e trabalhista possam desconsiderar qualquer ato, negócio ou personalidade jurídica que implique o reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício.
É uma tentativa de inviabilizar a regular atuação do Estado em defesa do trabalhador, quando houver, por exemplo, a tentativa de mascarar relações de trabalho sob a forma de contratos que precarizam os direitos consagrados na CLT.
Os auditores fiscais da Receita Federal não lavram qualquer ato “descricionariamente”, pois são autoridades administrativas e têm a atuação vinculada à lei. Cada infração apurada deve ser provada pelo Estado, dentro dos princípios constitucionais que regem a relação deste com os cidadãos.
Por que as entidades que lutam pela aprovação da Emenda 3, não lutam também, com a mesma ênfase, pela redução da carga tributária sobre as pessoas físicas? Naturalmente, porque este ônus retirado dos trabalhadores precisaria ser redistribuído com a parcela da sociedade que detém capacidade contributiva. Mas aí não se aceita também…
Isso posto, a Emenda 3 —se aprovada— criará uma série de situações dissimuladas em vez de resolvê-las, pois o cerne da questão não é a luta entre governo, empresas e trabalhadores, mas sim o modelo tributário desigual escolhido pelo país, que tem um perfil de tributação perverso sobre a pessoa física, a produção e serviços.
Quem está ganhando e quem está perdendo? Qual a cobertura social que devemos dar à sociedade? O desenvolvimento humano pode caminhar junto com o poder econômico?
Este deveria ser o verdadeiro debate, em vez de se ficar emendando a Constituição a cada nova investida do capital para gerar mais lucros, mesmo que esse resultado seja o surgimento de novas situações de risco e descontrole social.
Debate que não pode ser feito sem a premissa de que cabe ao Estado, e a todos os seus habitantes, o combate ao contrabando, à corrupção e à sonegação.
É preciso empenho redobrado em defesa do papel histórico das instituições de Estado e de suas respectivas carreiras. Defesa que deve envolver toda a sociedade. E o sindicalismo tem um papel fundamental nesse enfrentamento.
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Carmen Cecilia Bressane é presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, delegacia sindical de São Paulo