por João José Sady
No calor da incandescente crise política que vem galvanizando o país nos últimos meses, vai se avolumando o clamor geral por uma reforma política mediante a qual se venha a proscrever ou, ao menos, minimizar, a influência do poder econômico no processo eleitoral. A Constituição Federal, aliás, estabelece a eliminação desta interferência como um critério garantidor da legitimidade de qualquer eleição (artigo 14, parágrafo 9o) quando atribui à lei complementar a tarefa de proteger a “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”.
Para intentar atingir este objetivo, a legislação infraconstitucional implementou mecanismo de controle basicamente fundado na delimitação de período cerrado para a campanha eleitoral, durante o qual todos os atos (e contas) dos candidatos são regulados por lei. Tal período (de três meses) inicia-se com a formalização da candidatura pelas respectivas convenções partidárias e fora do mesmo incide a vedação rigorosa de qualquer ato de campanha.
No papel, a fixação deste espaço temporal vigiado aparece como a construção de paredes legais que poderiam configurar proteção suficiente contra os abusos. No entanto, o cataclisma político hoje em curso no país vem demonstrando cabalmente a funesta insuficiência destes regramentos. Por conta do cortejo de infâmias que tem chegado à luz do dia, a sociedade civil clama por reforma política que incremente as defesas da democracia contra a presença da força econômica neste território. Apesar de que existem algumas poucas medidas inovadoras já aprovadas no Senado Federal (substitutivo Bonrhausen), a verdade é que dificilmente, serão ratificadas pela Câmara em tempo de que sejam aplicadas nas próximas eleições. Em face do princípio da anualidade, teriam que ser publicadas até o término do mês de setembro e, com o parlamento paralisado com a profusão de escândalos políticos que vem se desencadeando, nada tem sido votado nos tempos mais recentes.
A Ordem dos Advogados do Brasil vem se colocando na linha de frente deste debate, pugnando por reforma que corrija as distorções do processo político brasileiro. No entanto, no que concerne às eleições que ali se realizam internamente, há muito que fazer para que se consiga um pleito com a legitimidade garantida por parâmetros protetores. As regras do jogo hoje em vigor naquela corporação, não proíbem a campanha eleitoral antes de formalizada a candidatura e nem impõem qualquer tipo de controle à influência do poder econômico.
A última eleição na OAB paulista, por exemplo, ilustra com clareza as dificuldades daí resultantes. A imprensa da época 1 avaliava que o custo da campanha eleitoral na entidade, obrigava os disputantes a gastos astronômicos, registrando-se que só os gastos estimados do candidato eventualmente vencedor teriam somado cerca de quatro milhões de reais. A disputa que implica em arcar com este volume de despesa, evidentemente, não concretiza o direito dos cidadãos a disputar os cargos públicos em condições de igualdade. Na medida em que a entidade desfralda a bandeira da Ética na Política, cabe reivindicar que a mesma implemente dentro de seus muros, medidas adequadas para que as eleições sejam legítimas.
O Regulamento Geral da Advocacia estabelece parâmetros bem peculiares: “Art. 128. O Conselho Seccional, até sessenta dias antes do dia 15 de novembro do último ano do mandato, convocará os advogados inscritos para a votação obrigatória, mediante edital resumido, publicado na imprensa oficial, do qual constarão, dentre outros, os seguintes itens: I – dia da eleição, na segunda quinzena de novembro, dentro do prazo contínuo de oito horas, com início fixado pelo Conselho Seccional; II – prazo para o registro das chapas, na Secretaria do Conselho, até trinta dias antes da votação”.
A eleição é convocada com sessenta dias de antecedência para o pleito, abrindo-se prazo de trinta dias para inscrições.
Conseqüentemente, o processo eleitoral termina por abarcar um período enorme e indefinido, durante o qual, somente existem candidaturas formalizadas durante o breve espaço de trinta dias. O resultado da falta de regulamentação é que os interessados estão liberados legalmente para arvorar-se em candidatos a qualquer momento, realizar campanhas por quanto tempo desejarem, gastar quanto lhes aprouver e não prestar contas a ninguém.
O resultado deste território sem lei instalado justamente no território dos homens de lei, é uma terra de ninguém eleitoral na qual corre-se o risco de que a influência do poder econômico seja decisiva. O eleito pode vir a ser o preferido dos doadores e não o preferido dos eleitores. Ao demais, num pleito onde candidatos recebem doações estimadas em muitos milhões de reais cujos números não estão obrigados a revelar e vindas de fontes que não precisam trazer a descoberto, não se saberá, no fim de contas quem ganhou a eleição. Estas eleições em que o poder econômico está liberado para influir desenfreadamente podem trazer para o comando da Ordem, forças que, eventualmente, não tenham qualquer relação com a Advocacia.
A opinião pública brasileira está espantada pelo circo de horrores que vem se revelando os olhos do povo em termos de corrupção eleitoral. O grande ensinamento a extrair deste panorama lamentável, contudo, é que o descalabro é fruto de que são débeis e insuficientes os controles criados pela lei eleitoral. A OAB, contudo, realiza eleições com a participação de centenas de milhares de eleitores e suas regras não impõem controle algum sobre o poder do dinheiro.
Ao desfraldar a bandeira da reforma política, portanto, a entidade deveria, a nosso juízo, iniciar providências para a reforma política doméstica, estabelecendo cuidados para evitar estes problemas. Na última eleição, a OAB paulista, por exemplo, iniciou uma prática salutar que, aliás, é decorrência das imposições do artigo 128 par. 2º do Regulamento: a divulgação pela Seccional, das chapas e respectivos programas, bem como, realização de debate entre os candidatos no programa de televisão da entidade. O acolhimento das nossas propostas de reforma 2 foi parcial, eis que, não foi aceita aquela que sugeria a exigência de prestação de contas 3 mas, ocorreu um modesto avanço que precisaria ser expandido e reproduzido de forma generalizada. O Conselho Federal, aliás, anunciou em começos de 2004 que em junho daquele ano seria votado 4 projeto introduzindo severa regulamentação desta matéria mas até o momento, não chegou ao nosso conhecimento que tenha sido divulgada a edição de provimento neste sentido.
É preciso ir bem mais além destes primeiros passos e aplicar ao processo da entidade as mesmas regras da legislação eleitoral, proibindo qualquer ato ostensivo de campanha antes da formalização da inscrição das chapas. No mais, limitar a propaganda dos candidatos a aquela distribuída pela própria Seccional seria o melhor instrumento para garantir a legitimidade do pleito. As doações aos candidatos devem ser permitidas somente quando oriundas de advogados inscritos, bem como, limitadas a um terço do salário mínimo por doador e devendo ser dadas a público diariamente através da Internet. Por último, mas não o menos importante, todos devem ser obrigados a apresentar contas de suas respectivas campanhas.
No momento em que corre como um rastilho de fogo, a consciência da importância da reforma que proteja a cidadania contra o poder eleitoral do dinheiro, a OAB deveria dar o exemplo neste sentido, caminhando na direção reclamada pela sociedade. Ao clamar pela reforma da sociedade é preciso não esquecer que a reforma mais sincera e conseqüente é aquela que se faz dentro de casa.
Revista Consultor Jurídico