Os aspectos das sociedades em conta de participação

Marcia Maria de Sousa Lima Gatti*

Abordaremos na presente matéria alguns dos principais aspectos das Sociedades em Conta de Participação. São várias as aplicações práticas desse tipo de sociedade onde pessoas físicas e pessoas jurídicas, sem perder suas identidades, associam-se livremente e realizam os mais diversos empreendimentos.

O assunto é disciplinado nos artigos 325 a 328 do Código Comercial, sendo constituída para a exploração de um determinado negócio, também conhecida como sociedade acidental, momentânea ou anônima.

Diz-se acidental ou momentânea pois sua constituição é por tempo limitado, efetivando-se para a realização de um determinado negócio, como por exemplo na exploração de artigos para o natal e carnaval; na construção de um prédio, etc… No entanto denomina-se anônima uma vez que os sócios são ocultos. Aparece apenas o sócio que exerce o comércio.

A definição encontra-se no artigo 325 do Código Comercial, assim vejamos:

– “Art. 325. Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum. Em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo gênero de provas admitidas nos contratos comerciais (art. 122).”

A Sociedade em Conta de Participação possui duas espécies de sócios:

A – sócio ostensivo
B – sócio oculto

O sócio ostensivo realiza todas as operações sociais em seu nome ou denominação social, obrigando-se perante terceiros, ou seja, exerce a atividade mercantil respondendo ilimitadamente pelas obrigações que em nome próprio assumirem para o desenvolvimento do empreendimento. Enquanto que o sócio oculto obriga-se somente perante o sócio ostensivo, nos termos do contrato de constituição da sociedade, não mantendo qualquer relação jurídica com os credores por obrigações assumidas em decorrência do negócio.

Questão que se afigura relevante, causadora de discussões, trata da natureza do contrato. Para alguns doutrinadores, referida sociedade teria natureza meramente contratual, e não societária, uma vez que a utilização de recursos e a “affectio societatis” são puramente eventuais, não ultrapassando o simples acerto de participação nos lucros de determinados negócios, sendo entendido como um contrato de investimento, por faltar-lhe personalidade jurídica.

A Sociedade em Conta de Participação não possui denominação social própria, muito menos sede social e capital social definidos, uma vez que aparece sob a denominação social do sócio ostensivo, sendo o único que se obriga perante terceiros. Seus sócios podem convencionar um local para servir de sede e também foro nas ações judiciais.

Sua constituição não está sujeita as formalidades legais exigidas no caso de formação de outras sociedades, como por exemplo o Registro na Junta Comercial; podendo ser provada sua existência por todo o gênero de provas admitidas nos contratos comerciais, assim vejamos:

– “Art. 122 do Código Comercial. Os Contratos Comerciais podem provar-se:

1- por escrituras públicas;

2- por escritos particulares;

3- pelas notas dos corretores, e por certidões extraídas dos seus protocolos;

4- por correspondência epistolar;

5- pelos livros dos comerciantes;

6- por testemunhas.”

“Artigo 136 do Código Civil. Os atos jurídicos, a que se não impõe forma especial, poderão provar-se mediante:

I) Confissão.

II) Atos processados em juízo.

III) Documentos públicos ou particulares.

IV) Testemunhas.

V) Presunção.

VI) Exames e vistorias.

VIII) Arbitramento.”

A prova de existência da Sociedade em Conta de Participação é muito importante para que a mesma não seja confundida com sociedades irregulares ou mesmo de fato. Isso ocorrendo, a falência poderá ser declarada e a responsabilidade dos sócios será solidária e ilimitada.

Esse tipo de sociedade não pode ser declarada falida e nem pleitear concordata. Se isso ocorrer, recairá exclusivamente sobre o sócio ostensivo. Deve-se atentar para o fato que o contrato entre o sócio ostensivo e o sócio oculto não pode ser levado ao registro. Uma vez o fazendo, ela tornar-se-á sociedade em nome coletivo resultando em responsabilidade solitária e ilimitada entre todos os sócios, inclusive os ocultos.

A sua dissolução dar-se-á, normalmente, quando do término do negócio empreendido, através de uma prestação de contas do sócio ostensivo aos demais sócios.

Passaremos a abordar alguns dos aspectos fiscais relacionados a esse tipo de sociedade. As Sociedades em Conta de Participação são equiparadas às pessoas jurídicas, para os efeitos do Imposto de Renda, sendo que na apuração dos resultados, assim como na tributação dos lucros apurados e dos distribuídos, serão observadas as normas atinentes às pessoas jurídicas em geral (Arts. 148 e 149 do Decreto nº 3.000, de 26/03/1999).

Segundo as Instruções Normativas da Secretaria da Receita Federal nºs. 179/87 e 31/2001, na tributação das Sociedades em Conta de Participação, devem ser observadas as seguintes normas:

_”a)compete ao sócio ostensivo a responsabilidade pela apuração dos resultados, apresentação da declaração de rendimentos e recolhimento do imposto devido pela Sociedade em Conta de Participação.

b) não será exigida a inscrição da SCP no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica CNPJ;

c) o lucro real da SCP será informado e tributado na mesma declaração de rendimentos do sócio;

d) o recolhimento de tributos e contribuições devidos pela SCP será efetuado mediante a utilização de DARF específico, em nome do sócio ostensivo;

e) a opção para aplicação do imposto em investimentos regionais e setoriais incentivados, correspondente à SCP será efetuada pelo sócio ostensivo, em sua própria declaração de rendimentos;

f) os certificados de investimento – CI correspondentes à SCP serão emitidos em nome do sócio ostensivo;

g) os valores entregues ou aplicados na SCP, pelos sócios pessoas jurídicas, deverão ser por eles classificados em conta do ativo permanente, estando sujeitos aos critérios de avaliação previstos na Lei nº 6.404/76 e no RIR;

h) os valores entregues pelos sócios, pessoas jurídicas, somados aos valores entregues pelos sócios, pessoas físicas, constituirão o capital da SCP que será registrado em conta que represente o patrimônio líquido desta;

i) os lucros recebidos de investimento em SCP, avaliado pelo custo de aquisição, ou a contrapartida do ajuste do investimento no valor de patrimônio liquido da SCP no caso de investimento avaliado por esse método, não serão computados na determinação do lucro real dos sócios, pessoas jurídicas, das referidas sociedades;

j) os rendimentos pagos pela SCP bem como os lucros por ela distribuídos serão tributados nos termos da legislação aplicável às demais pessoas jurídicas;

l) o imposto incidente na fonte, na forma da letra “j”, terá, nos beneficiários dos rendimentos, o mesmo tratamento dado ao imposto retido na fonte pelas demais pessoas jurídicas;

m) o ganho ou perda de capital na alienação de participação em SCP será apurado segundo os mesmos critérios aplicáveis à alienação de participação societária em outras pessoas jurídicas;

n) a partir de 01.01.2001, respeitadas as hipóteses de obrigatoriedade de observância do regime de tributação com base no lucro real previstas no art.246, as SCP podem optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido, notando-se que:

n1) a opção da SCP pelo regime de tributação com base no lucro presumido não implica a simultânea opção do sócio ostensivo nem a opção efetuada por este implica a opção daquela;

N2) o recolhimento de tributos e contribuições devidos pela SCP será efetuado mediante a utilização de DARF específico, em nome do sócio ostensivo;

N3) as SCP que exerçam as atividades de compra e venda, loteamento,incorporação e construção de imóveis não poderão optar pelo lucro presumido enquanto não concluídas as operações imobiliárias para as quais haja registro de custo orçado;

N4) as disposições desta letra não prejudicam a observância das demais normas relativas ao regime de tributação com base no lucro presumido previstas na legislação tributária, inclusive quanto à adoção do regime de caixa.”

Relativamente a documentação emitida, esta deve ocorrer em nome do sócio ostensivo, uma vez que a sociedade não possui personalidade jurídica, entretanto, faz-se necessário que conste nestes documentos indicações que permita a vinculação com as operações realizadas. Sendo a responsabilidade da sociedade por conta do sócio ostensivo, este também é responsável pela apuração e declaração dos resultados e pelo pagamento dos tributos e contribuições devidos.

Segundo o disposto no artigo 254 do Decreto nº 3.000/99 a escrituração das operações de sociedade em conta de participação poderá, à opção do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros deste ou em livros próprios, observando-se o seguinte:

-“I – quando forem utilizados os livros do sócio ostensivo, os registros contábeis deverão ser feitos de forma a evidenciar os lançamentos referentes à sociedade em conta de participação;

II- os resultados e o lucro real correspondentes à sociedade em conta de participação deverão ser apurados e demonstrados destacadamente dos resultados e do lucro real do sócio ostensivo, ainda que a escrituração seja feita nos mesmos livros;

III- nos documentos relacionados com a atividade da sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo deverá fazer constar indicação de modo a permitir identificar sua vinculação com a referida sociedade.”

Vale ressaltar que o prejuízo fiscal apurado por Sociedade em Conta de Participação – SCP somente poderá ser compensado com o lucro real decorrente da mesma SCP; sendo vedada a compensação de prejuízos fiscais e lucros entre duas ou mais SCP ou entre estas e o sócio ostensivo (Art. 515 do Decreto nº 3.000/99).

Ao tratar das sociedades, o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2.002, que vigorará a partir de 11 de Janeiro de 2.003), classifica as sociedades em conta de participação como sociedade não personificada, artigos 991 a 996, adotando a corrente doutrinária que considera o contrato em conta de participação como uma sociedade, regulamentando-a nos mesmos moldes do Código Comercial em vigor. Como já mencionado anteriormente, esta questão agasalha muita discussão, uma vez que muitos doutrinadores não a consideram como uma sociedade e sim, contrato de investimento.

Esta forma societária merece destaque, uma vez que viabiliza as composições entre as partes com objetivo em negócio determinado, não sacrificando os interesses dos sócios, deixando-os livres e independentes para outras empreitadas.

Marcia Maria de Sousa Lima Gatti é advogada de AF Seabra Advocacia Empresarial

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