Os benefícios dos Funcines para a sociedade brasileira

Por Silvia Costa
A Medida Provisória nº 2.228-1 de setembro de 2001, responsável pela criação da Agência Nacional de Cinema (Ancine), previu, dentre outras coisas, a constituição dos Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (Funcines). Os recursos reunidos pelos Funcines poderão ser utilizados para financiar projetos de investimento em salas de cinema populares, importante ferramenta para a conquista da auto-sustentabilidade da indústria cinematográfica brasileira e para o aumento do contato da população com a produção cultural nacional.

Os Funcines serão constituídos e administrados por instituições financeiras, mediante autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão também competente para disciplinar e fiscalizar essa atividade. As quotas, representativas do patrimônio dos Funcines, serão lançadas no mercado de capitais e os adquirentes, até 2010, poderão abater do imposto de renda devido parcela dos valores assim aplicados e se beneficiar dos rendimentos da eventual valorização das quotas.

Nos termos do art. 43 da MP 2.228-1/01, pelo menos 80% do patrimônio dos Funcines deverão ser aplicados em projetos, previamente aprovados pela Ancine: de obras cinematográficas brasileiras de produção independente; de construção, reforma e recuperação de salas de exibição; na aquisição de ações de empresas nacionais de capital aberto, constituídas para a produção, comercialização, distribuição ou exibição de obras cinematográficas de produção independente; e de obras cinematográficas ou videofonográficas seriadas e telefilmes brasileiros de produção independente.

Até hoje, a ausência de regulamentação não permitiu que tais fundos fossem efetivamente criados. No entanto, provavelmente até o final de julho, estarão vigorando instruções normativas tanto da Ancine, como da CVM, que permitirão a implementação dos Funcines. A possibilidade de aplicação dos recursos captados pelos Funcines em salas de exibição, especialmente em salas populares, representará um benefício para a sociedade sob diversos aspectos.

Atualmente no Brasil, existe um pequeno número de salas de cinema instaladas. Além disso, uma grande faixa da população não freqüenta as salas de cinema por causa do preço do ingresso. A combinação desses fatores não é nada favorável para a conquista da maior sustentabilidade da indústria cinematográfica brasileira que, por sinal, permanece intensamente dependente dos mecanismos de financiamento público, previstos pelas Leis do Audiovisual (8685/93) e Rouanet (8313/91).

Segundo dados da Filme B, o Brasil possui, atualmente, cerca de 1.700 salas de cinema – o que corresponde a uma sala de cinema para cada 106 mil habitantes -, distribuídas em apenas 4% do total de municípios brasileiros. A precária situação do mercado de exibição brasileiro (em termos de número de salas) fica ainda mais evidenciada quando são analisados os casos mexicano e argentino. No México, existe uma sala de cinema para cada 44 mil habitantes e na Argentina uma sala para cada 37 mil habitantes.

Some-se a isso o fato de que o público que realmente freqüenta cinema, concentrado nos grandes centros urbanos, é estimado em cerca de 10 a 12 milhões, com uma freqüência média de 7 ou 8 vezes por ano. Como resultado, em 2002, foram vendidos 90 milhões de ingressos, número evidentemente baixo, mas que nem sempre esteve nesse patamar.

Na década de 70, em plena ditadura militar, chegaram a ser vendidos mais de 250 milhões de ingressos. A resposta para tamanha diferença se encontra – basicamente – na elevação da relação preço do ingresso/poder aquisitivo da população (o preço médio do ingresso, entre 1971 e 1979, era aproximadamente US$ 0,44 contra US$ 1,65 em 2002) e na redução do número de salas instaladas (que chegou a atingir 3.276 salas, em 1975).

É bem verdade que, no mundo todo, a recuperação dos investimentos na produção de filmes tem dependido menos da bilheteria e mais da comercialização do produto audiovisual para o mercado de vídeo doméstico (que inclui venda e locação de fitas VHS e DVD) e para a televisão (incluindo tv aberta, tv por assinatura e pay-per-view). Mas apesar dessa tendência, a bilheteria é importante, porque dá visibilidade ao produto cinematográfico e influencia o seu valor nos outros mercados.

Neste contexto, projetos de investimento em salas de cinema populares permitiriam a ampliação do público do produto cinematográfico nacional. Com efeito, a partir de melhores resultados de bilheteria (maior número de salas instaladas e maior freqüência do público, já que afastada a barreira do elevado custo do ingresso), os filmes nacionais conquistariam maior visibilidade, com impactos positivos nos outros mercados de exibição da obra (vídeo doméstico e televisão).

Entretanto, a construção de salas populares, de forma isolada, não seria capaz de tornar o cinema brasileiro auto-sustentável. Para esse fim seriam necessários esforços adicionais, tais como: uma maior aproximação entre a televisão e o cinema, criação de legislação que possibilitasse o fortalecimento dos produtores independentes e a imposição de quotas de tela (impedindo as grandes distribuidoras estrangeiras de exercer pressões sobre os exibidores para que coloquem em cartaz apenas, ou em sua maior parte, produções estrangeiras).

De todo modo, a implementação de salas populares introduziria uma alternativa viável de entretenimento para o público de baixa renda. Permitiria, como conseqüência, um maior contato da população com a produção cinematográfica, especialmente a brasileira, fator de importância para o fortalecimento da cultura nacional. Além disso, para a indústria cinematográfica, no âmbito da produção, representaria uma ampliação do mercado consumidor e, por conseqüência, maiores chances de incremento da rentabilidade da atividade tanto pelos resultados diretos de maiores bilheterias, como também pela valorização indireta da obra em outros mercados

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