Por: Ádria Saviano Fabricio da Silva.
Acadêmica do 10º semestre do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Realiza pesquisa científica nas áreas de Direito Internacional Humanitário e de Direito Internacional dos Refugiados.
Desde muito jovens, nos é imposto toda a carga do mundo. Somos a esperança de um futuro promissor, jovens como somos, e um investimento lotado de esperanças cegas depositadas sob a promessa da construção do amanhã. Tornamo-nos, desde cedo, o centro de tudo; para os tutores e responsáveis pela nossa criação, é simples, seremos os próximos grandes gênios e líderes da humanidade, aqueles que irão guiar os demais mortais rumo à prosperidade.
À medida que crescemos, sonhamos em mudar tudo o que odiamos, tudo o que, proveniente do mundo, enfraquece os valores sob os quais está estruturado o nosso caráter e personalidade. A realidade com a qual nos deparamos é cada vez mais sombria e mesquinha, mas nós possuímos o encorajamento para enfrentar os desafios postos, encorajamento este que incendeia dentro de nós.
Passamos, então, a conhecer as possibilidades de carreira e nos permitimos sonhar, momento em que divagamos entre astronautas, cientistas, bombeiros e bombeiras, atores e atrizes, professores e professoras, policiais, médicos e médicas, mas nada disso, felizmente, encaixa em nossas almas justiceiras de pensadores natos. Somos os seres dispostos, não através da técnica aprendida e imitada repetidamente, ano após ano, mas sim por meio da reflexão e do estudo constante, a desenvolver a eterna tentativa de explorar novas soluções, na busca pela estratégia correta. Não demoramos a perceber, portanto, que nossa arma é outra.
Somos seres munidos da palavra escrita e falada, somos os cientistas, observadores, estudiosos e experimentadores da lógica humana de dissertar e debater em busca do aprimoramento e da concretização da justiça. Somos os teóricos, os desenvolvedores e aplicadores da arte de fazer o certo e de regular as relações sociais conflituosas. Somos os detentores do conhecimento que rege todas as coisas, desde o nascimento até a morte. Não, um jurista não é simplesmente o advogado, mas o é também. Somos divididos em uma infinidade de faces da justiça e da construção de uma sociedade mais igualitária e empática. Somos ao mesmo tempo todas estas faces do direito e cada uma delas, em especial.
O mundo nos conhece e pode nos encontrar, portanto, em muitas formas, seja o delegado, o escrivão, o promotor de justiça, o juiz, o procurador, o estagiário, o funcionário público, o detentor de função ou cargo público, que executa a lei, que auxilia na construção da lei ou mesmo na efetivação da sua eficácia, que tanto nos falta. Todos nós somos juristas, todos aqueles que lutam pelo bem-estar comum, desde a administração pública até as maiores complexidades do judiciário. Todos aqueles que possuem o mínimo contato com a poderosa ferramenta da palavra utilizada para mudar as regras maléficas do jogo são juristas; são os detentores do poder da palavra e possuem, por consequência, a responsabilidade de fazer valer os princípios aprendidos desde a sua criação, materializando em boas ações as expectativas depositadas por ocorrência de nossa formação de caráter, transformando a realidade que nos cerca.
O filósofo John Rawls, em sua teoria sobre o véu da ignorância, nos conduz a refletir sobre as desigualdades, a empatia e a justiça, temas essenciais aos juristas. O véu da ignorância trata-se de abandonar o interesse próprio e não se corromper, a fim de pensar os princípios e regras que regerão o novo mundo, construído por nós. Os indivíduos sob o véu da ignorância não presumem quem são, não possuem uma simples informação sobre quais sejam as suas habilidades, sua idade, sua etnia ou mesmo o seu gênero.
Sem saber suas posições, características físicas e estruturas econômicas e sociais às quais pertencem, estes indivíduos seriam capazes de trazer à luz a verdadeira justiça, de modo a transformar uma sociedade corrompida pelos interesses próprios em uma sociedade mais igualitária e justa. É simples perceber, nesse contexto, que a ideia de Rawls questiona a corrupção do ser humano em detrimento da busca verdadeira pela justiça e pela igualdade e, assim, indigna-se diante do fato de o interesse privado do indivíduo corrompido constar à frente do bem-estar coletivo.
O filósofo não nos traz somente uma nova concepção de justiça, mas sim nos faz refletir sobre a empatia e a compaixão. Rawls nos coloca no lugar do outro para que aprendamos a solidariedade como princípio de justiça, fundamentando assim diversos outros ideais essenciais a qualquer sociedade justa. A reflexão ainda cobre outros aspectos de nossas vidas, como, por exemplo, o que gostaríamos de mudar no mundo através do exemplo do véu da ignorância?
Por fim, é necessário refletirmos: quem são os destinados a construir um novo mundo fundamentado nos saberes de direito, justiça e igualdade sob o véu onde não há corrupção? É realmente necessário esquecer quem nós somos para transformarmos o mundo? Se o véu da ignorância é o princípio de empatia e compaixão para com os outros a nossa volta destinado a reger as nossas vidas, quem somos nós, juristas, senão os construtores do amanhã?