por Marcos de Lima Porta
O contexto no qual o Direito pátrio está construído, na esteira do pensamento do professor Luís Roberto Barroso (aula magna proferida no 2º Curso de Especialização em Direito Público da Escola Paulista da Magistratura, módulo Direito Constitucional, primeiro semestre de 2003) é formado por três marcos fundamentais: o histórico, o teórico e o filosófico.
No primeiro deles vemos que o Direito é o resultado de um árduo processo histórico que tem como símbolo a Constituição Federal, seu principal diploma jurídico. No segundo, vemos os elementos teóricos fundadores do Direito: a imperatividade, a coercibilidade e a efetividade. Finalmente, em relação ao marco filosófico vemos a visão dos emissores do Direito e também a visão dos receptores deste Direito. Os operadores do Direito fazem parte da segunda vertente e devem proceder segundo as competências da linguagem culta, do seu repertório jurídico e da sua intenção.
Neste último caso, por exemplo, vemos os diferentes papéis desses operadores, pois, ao juiz cabe-lhe o “animus” de operar o Direito com justiça, ao estudioso do Direito, o “animus” de buscar o saber jurídico. Sobre todas essas balizas fundamentais permeia a ideologia do Direito que, grosso modo, significa a positivação de valores sociais e que devem ser sempre levadas em consideração. Esta situação adverte-se: não se confunde com a ideologia do intérprete que deve buscar a neutralidade axiológica ao tratar sobre o sistema jurídico.
No plano dos “textos” do Direito vê-se que ao seu receptor interessa interpretá-lo para melhor descrevê-lo. Ao assim proceder será possível compreendê-lo, usá-lo e aplicá-lo. Neste terreno, então, ganha importância a teoria hermenêutica que abrange a hermenêutica propriamente dita e a interpretação jurídica. Aquela são as “chaves” que potencialmente são aptas para abrirem uma determinada porta.
A interpretação jurídica é mais concreta e tem como objeto a norma jurídica. Ela é, pois, a escolha de uma destas “chaves” para abrir a porta do conhecimento da norma jurídica, segundo determinados critérios. Ou como diz o professor Celso Ribeiro Bastos: “Em síntese, uma coisa é proceder à interpretação, momento em que já se está aplicando determinadas pautas hermenêuticas, e outra é refletir sobre essas pautas. A interpretação tem por objeto as normas, enquanto que a hermenêutica decifra o modo pelo qual poderá se dar a interpretação” (Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 1997, São Paulo: Celso Bastos Editor, pág. 23). A partir da classificação e da hierarquização das normas jurídicas será possível sistematizar o Direito e operá-lo com segurança segundo a intenção do sujeito que irá atuar.
Nesses termos, é possível dizer que o Direito é um conjunto de normas jurídicas em vigor no Brasil e que estas normas jurídicas apresentam-se como normas-princípio e como normas-simples. Aquelas são os alicerces do ordenamento jurídico, são os mandamentos nucleares do sistema jurídico. Já as normas-simples têm um campo de abrangência mais restrito às certas situações específicas.
Para bem compreendê-las é importante utilizar o critério da hierarquização axiológica, um metaprincípio que “[…] encontra correspondência com a categórica necessidade de coerência interna e, portanto, com princípios tais que busquem a garantia da universalização hierarquizada das prescrições jurídicas” (Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 2ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Malheiros Editores, 1998, pág. 196). A norma em si está posta no mundo jurídico, porém, a busca pelo seu real significado e finalidade dentro do sistema é que nos obriga a alojá-la em um determinado catálogo teórico. Esta categorização teórica segundo o metaprincípio da hierarquia axiológica, nos possibilitará compreender o Direito como um todo unitário e indivisível.
O passo seguinte, então, é verificar como se dá esse processo e, sobre isso, trazemos à colação o pensamento do professor Juarez Freitas:
“Daqui seguem algumas relevantíssimas contribuições para a inteligência do processo da interpretação sistemática, convindo recordar, dentre outras, as que seguem: o fundamental para o intérprete sistemático está em saber hierarquizar axiologicamente; num sistema de mínima razoabilidade sempre é possível hierarquizar adequadamente, buscando a solução para eventuais litígios em planos cada vez mais altos do ordenamento jurídico, com o intuito de afugentar, o mais possível, nos limites da própria razoabilidade, as respostas arbitrárias e falhas de fundamentação, tidas como contrárias à coerência interna do Direito, eis que suscitam autocontradições e podem destruir a realidade eficacial pragmática do ordenamento, que pressupõe um minimo de adesão racional intersubjetiva; nenhum tema no Direito, tampouco nenhum ramo ou setor, deve ser compreendido de maneira fragmentária, mas invariavelmente de modo sistemático, de sorte a, em espiral, vislumbrar-se o Direito como unidade teleológica dinâmica, indo além da tópica individualizadora ou particularista e se desenvolvendo a capacidade de vencer as antinomias numa hierarquização, ao mesmo tempo, tópica e sistematizadora ou dito de outro modo universalizadora; para o jurista importa, sobretudo, compreender os fins do Direito e descobrir, na atualidade, quais devem ser os princípios hierarquizados pelo metaprincípio como superiores, na certeza de que a desatenção aos princípios implica ofensa não apenas a um específico e inclusivo mandamento, senão que a todo o sistema geral de comandos; a existência de uma zona indeterminada entre o regulamentado e o não-regulamentado não configura, diversamente do sustentado por Bobbio, uma ausência de condições jurídicas para decidir, já que, como se reitera, o princípio da hierarquização axiológica é também de cunho eminentemente jurídico; o fato de se ter um metacritério jurídico para decidir entre a norma geral inclusiva e a norma geral exclusiva, quando em situação de antinômica, não signifca que o sistema seja – em si mesmo – completo, em face da pacífica constatação da ocorrência de lacunas, mas, neste tipo particular de situação antinômica, clarifica-se a linha aqui defendida de que o metacritério é também formal, haurido o seu conteúdo existencial na exigência de racionalidade (interna ao sistema) e realizando escolhas (que transcendem ao sistema); infere-se, outrossim, que há, diante da antinomia em análise, uma multiplicidade de soluções, sem que tal variedade de opções – gênese de boa parte das antinomias – signifique falta de um critério válido e adequado para decidir qual critério deva ser escolhido para solver os conflitos concretos”. (A Interpretação…, págs. 195 e 196).
Portanto, esses “contextos” e “textos” do Direito brasileiro nos habilita a compreender as normas jurídicas e a atmosfera jurídica na qual elas reinam. Permitem-nos aplicá-las com maior precisão e certeza, segundo a real finalidade e o significado, via de regra, nos casos concretos.
Revista Consultor Jurídico