Autor: Magno de Aguiar Maranhão Junior (*)
Conforme vem sendo veiculado nas mídias sociais, diversos jogadores brasileiros de futebol vêm obtendo êxito em ações judiciais em face de produtoras de games com fundamento na violação aos seus direitos de imagem que vêm sendo explorada para fins eminentemente comerciais sem autorização. Esses jogadores que atuam no Brasil têm como ex adversoas gigantes EA Sports (Electronic Arts), da série de jogos Fifa, bem como a Konami, responsável pelo jogo Pro Evolution Soccer.
Ressalte-se que os atletas Magrão (Sport), Reinaldo (ex-Flamengo, São Paulo e Santos), Fierro (ex-Flamengo), Wilson (Coritiba) e Wellington Paulista (Chapecoense) já obtiveram sucesso no embate judicial em 2ª instância contra a EA Sports.
A questão jurídica principal tratada neste artigo paira sobre o direito ao nome e os direitos de imagem, haja vista que os jogadores os quais aparecem em jogos eletrônicos altamente populares que visam obter altos lucros financeiros, devem receber uma quantia pecuniária em razão do uso do seu nome e imagem diante desse cenário de exploração econômica das imagens sem autorização.
O direito à imagem constitui direito fundamental de envergadura constitucional, previsto no artigo 5º, incisos V e X. Ademais a matéria é tratada, basicamente, pelos artigos 11 e 20 do CC/2002, alçando o direito à imagem como direito inalienável e permitindo a utilização não autorizada da imagem da pessoa apenas se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Mas não para fins econômicos. Sem olvidar o teor da Súmula 430 do STJ, segundo a qual “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Paralelamente a isso, na maioria dos países, esse pagamento é feito diretamente à FIFPro (Fédération Internationale des Associations de Footballeurs Professionnels) , que é na verdade uma associação de jogadores que negocia um acordo coletivo com os fabricantes de jogos eletrônicos e; por conseguinte, faz o repasse das quantias respectivas para as associações nacionais dos jogadores para que então estas realizem o pagamento aos jogadores em seus países de origem.
Diante disto, as fabricantes dos jogos eletrônicos alegam que a FIFPro teria obtido tal autorização da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) e esta, por sua vez, dos sindicatos estaduais dos jogadores. Porém, a jurisprudência pátria vem adotando a posição de que os sindicatos no Brasil não têm poderes para ceder a imagem dos atletas sem expressa autorização destes, inclusive para fins de exploração econômica dessas imagens, pois se trata de um direito personalíssimo e demanda autorização inequívoca da parte interessada.
No tocante à proteção dada ao nome, segundo Caio Mário o direito ao nome tem merecido a atenção dos juristas em todos os tempos. O nome constitui a forma de se designar a pessoa, o modo de se identificar na sociedade. O Livro dos Números, na Bíblia, com o caráter de recenseamento, menciona por denominação própria os “nobilíssimos príncipes do povo”, com referência ao indivíduo e sua origem familiar; já os gregos nos deixaram a individuação das pessoas por um nome simples (Péricles, Sófocles, Aristóteles). Hodiernamente até o apelido desportivo do atleta também tem salvaguarda legal, conforme artigo 87 da Lei 9.615/2008. Sendo certo que o artigo 87-A lei permite o uso de imagem do atleta, desde que haja previsão específica em contrato, com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.
Em questão similar que trata de uso indevido de imagem de atletas, o STJ já se manifestou nos autos do Resp. 67.292 em 03/12/1998, em um caso em que havia exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com o intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas. Para o STJ esse fato constituiu ilícito civil apto a ensejar a devida reparação do dano.
Certo é que, consoante o enunciado 279 da IV Jornada de Direito Civil CJF, a proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.
Contudo, não há outro direito fundamental amparado pelas produtoras de jogos eletrônicos que justifiquem tal lesão ao direito à imagem. Frise-se, ainda, que o poder judiciário paulista não tem admitido a mitigação da proteção desse direito personalíssimo de imagem em função do interesse público, eis que se trata de situação na qual o uso da imagem se deu para fins comerciais com finalidade de lucro: entretenimento de consumidores mediante contraprestação. Tal assertiva pode ser corroborada nos autos dos processos 1010550-72.2016.8.26.0100 e 1131180-60.2016.8.26.0100.
Nesse diapasão, caso a FIFPro não consiga resolver a questão de maneira diplomática com a devida autorização dos jogadores de futebol, haverá uma grande possibilidade das majors anteriormente citadas que vêm figurando como rés na justiça brasileira passem a retirar os nomes e as reais características dos jogadores de futebol atuantes em clubes brasileiros cuja relação jurídica seja regida pelas leis do Brasil.
Atualmente já podemos perceber que já existem muitos personagens virtuais de clubes nacionais representados por figuras genéricas. Entretanto, caso essa questão não seja resolvida pela esfera extrajudicial com a devida proteção à órbita dos direitos da personalidade dos jogadores envolvidos, esse número de jogadores “genéricos” poderá aumentar exponencialmente e, quem sabe. poderemos ver a volta de um dos maiores nomes do futebol virtual, o grande goleador Allejo e seus companheiros Cícero, Paco, Gomez e Beranco.
Autor: Magno de Aguiar Maranhão Junior é advogado, professor de Direito Público e Privado e especialista em regulação da Agência Nacional do Cinema (Ancine).