Os direitos humanos e a evolução da sociedade na Democracia

A Democracia é o terreno fecundo para ligar, de forma harmônica, o desejo do mundo da essência com os anseios do mundo da sociedade; aliando a legalidade à legitimidade de forma a não haver leis que não correspondam ao interesse legítimo da história.

Cariny Baleeiro

Norberto Bobbio – Mestre que dispensa apresentações – dizia: “Os direitos não nascem quando querem, mas quando podem ou quando devem”. A conclusão que se toma é a de que se pode falar em dois mundos distintos: o da essência e o da sociedade. No primeiro, há leis naturais permanentes, eternas, imutáveis; no segundo, imperam as mudanças, as diferenciações, o desenvolvimento e a luta. No mundo da essência há conservação, certeza, uniformidade, repetição. No mundo da sociedade há diversidade, desenvolvimento, dúvidas.

Os Direitos Humanos, no mundo da essência sempre existiram mas encontram-se latentes aguardando seu ingresso no mundo da sociedade. No mundo da sociedade, no entanto, os Direitos Humanos surgem conforme a necessidade, conforme a evolução, conforme a batalha.

Se, no mundo da essência, os direitos sempre existiram e sempre existirão mesmo que adormecidos, é tarefa do “homem social” traze-lo para o mundo da sociedade e positivá-lo, legitimá-lo, legalizá-lo.

Deve-se concluir também que a democracia que se tem hoje, com todas as suas mazelas, ainda é o meio mais propício de positivação dos direitos e o campo mais favorável para explosão das nova idéias e dos anseios que até então hibernavam do mundo da essência.

O mundo da sociedade é corrompido e vigora o poder e a manipulação das massas, o mundo da essência é legítimo. Quando esse interesse legítimo, esse anseio originário força a passagem para o mundo da sociedade, ele encontra resistência. Esta resistência fatalmente transforma-se em batalha e está firmada aqui a luta.

A frase “Direito é luta mas seu objetivo é a paz” pode claramente demonstrar essa realidade. Pois, ainda que deseje a paz e a persiga, o direito não deixa de travar luta contra a resistência do poder e, felizmente, a história tem demonstrado que quem vence é o direito.
Ainda que se verifique muitas positivações (leis, medidas provisórias, etc.) claramente contrárias ao mundo da essência, ou seja, contrárias à justiça, à legalidade, e até ao razoável, é preciso que se tenha em mente que se trata de um atalho disforme, de um equívoco, de uma exceção. Jamais deve-se aceitar uma lei contrária à Justiça como regra pois isto não representa o que quer a sociedade, mas sim o que quer o poder.

Apesar de, no mundo da essência, todos os direitos já existirem pois nasceram juntamente com o próprio homem, no mundo da sociedade eles surgem, nos dizeres do Mestre Norberto Bobbio “quando podem ou devem”. Claro, porque no mundo da sociedade ele depende de graus de evolução para ser invocado.
Quem poderia falar em direito ao meio ambiente, por exemplo, na Idade Média, quando a luta pela sobrevivência própria é que era a palavra de ordem? Ou falar em direito à saúde e à integridade física com tão forte dogma religioso que atribuía tudo a uma vontade sobrenatural? Como falar que todos os homens são iguais, pela sua própria natureza humana, se era tão lucrativo o trabalho escravo dos negros no séc. XIX?
Cabe analisar que há países que se dizem evoluídos mas guardam positivações medievais. Um exemplo: os EUA, que até hoje praticam assassinatos legalizados prevendo a pena de morte sob o argumento (já comprovadamente falho) de coibir o crime, ao passo que todos os maiores juristas, pensadores, filósofos e estudiosos já trabalham em cima da idéia de acabar com os presídios, pois a realidade demonstra que não cumprem com sua missão de ressocializar e reintegrar à sociedade, o preso. Percebemos aqui claramente uma distorção. O pensamento caminhando para uma evolução, dado à força do mundo da essência mostrando um outro rumo a ser tomado, e focos de ignorância e atraso orgulhosamente legalizados e assumidos.
Por que tantas pessoas custam acreditar que o mundo ainda se submete a guerras por ideologias de raças e religião? Porque são pessoas que já foram tocadas pela essência, pela legitimidade, pela paz.
E, por que para tantas outras o preconceito ainda é razão maior de suas vidas? Porque estão embrutecidas e envoltas na opressão e no poder. Nada mais são do que instrumentos do poder, marionetes agindo em prol de interesses perversos maiores.
A democracia é o terreno fecundo para ligar, de forma harmônica, o desejo do mundo da essência com os anseios do mundo da sociedade; aliar a legalidade à legitimidade de forma a haver cada vez menos leis que não correspondam ao interesse legítimo da história; para unir a legalidade à legitimidade de forma a haver cada vez menos leis ilegítimas, imorais ou leis manipuladas e com destinatários certos.

Ela dispõe dos instrumentos: o plebiscito, o referendo, a consulta popular, para esta difícil tarefa; e é o uso destes mecanismos que demonstrará o grau de evolução da democracia.
Assim, esta luta faz parte da contínua evolução humana e da história. Cabe-nos manter vivo o desejo altruísta de Justiça, o desejo de fazer do mundo da sociedade um espelho do mundo da essência pois o homem não pode viver sem a sociedade; e, sem o homem, não há sociedade. Nos dizeres da doutrina aristotélica: “a natureza fez do homem um ser político, que não pode viver fora da Sociedade. Para viver à margem dos laços de sociabilidade, o homem precisaria ser um Deus ou um bruto.”

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