Os hackers e os tribunais

Renato Opice Blum*
Juliana Canha Abrusio**

O Brasil atravessa uma fase difícil quanto à prática de crimes eletrônicos. Por algumas vezes consecutivas lideramos o ranking dos países com o maior número de crackers (um tipo de hacker) do mundo. Recentemente, uma decisão judicial nacional inédita condenou um jovem a seis anos e cinco meses de reclusão por estelionato, cumulado com formação de quadrilha e crime contra sigilo de dados bancários. O primeiro decreto condenatório por crime eletrônico no Brasil foi proferido pela juíza da 3ª. Vara da Justiça Federal de Campo Grande (MS), Janete Lima Miguel.

Uma decisão desta natureza e com este ineditismo é por demais importante eis que desperta discussão sobre o direito penal eletrônico e contribui para o enriquecimento e crescimento desta área do direito.

Tudo isso apenas vem confirmar que nossa legislação vigente pode ser aplicada aos crimes cibernéticos. O trâmite processual em si permanece o mesmo. Da mesma forma, permanecem os elementos que a Justiça buscará demonstrar ao longo da instrução penal: a certeza da autoria e elementos probatórios que comprovem que o ilícito efetivamente ocorreu, o que chamamos de materialidade delitiva. Uma vez demonstradas, portanto, a autoria e a materialidade, será possível processar o réu pelo crime cometido, seja este praticado por intermédio dos meios eletrônicos ou não.
Não obstante, é bom lembrar que há um importante Projeto de Lei em tramite no Congresso Nacional, o conhecido PL nº 84/99, que recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados e recebido pelo Senado Federal com nova numeração (PL nº 89/03). Esse projeto visa acrescentar nova redação para tipos penais já existentes em nosso sistema criminal. O PL nº 89/03 trará a previsão de condutas hoje não presentes em lei, tais como a disseminação de vírus, a invasão de sistemas e outros delitos relacionados aos meios eletrônicos.

Destaque-se, além disso, a lei 9.983 de 14.07.2000, a qual introduziu no Código Penal Brasileiro a figura qualificada do crime de divulgação de segredo (art. 153, §1º-A), cujo tipo prevê pena de detenção de um a quatro anos e multa
para aquele que divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública.

A lei 9.983/2000 introduziu, ainda, o que podemos chamar de “peculato eletrônico”, ao acrescentar no Código Penal os artigos 313-A e 313-B. A partir de então poderá ser punido o funcionário público que praticar a inserção de dados falsos em sistemas de informações (art. 313-A), para o qual a pena prevista é de reclusão de dois a doze anos emulta, bem como será punido o funcionário público que modificar ou alterar sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente (art. 313-B), sendo neste caso a pena de detenção de três meses a dois anos e multa.

Mais recentemente, pela lei nº 10.764 de 12.11.2003, alterou-se a redação do artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de ampliar a conduta delitiva conhecida como pedofilia também para a Internet. Agora, aquele que apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou Internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente pode ser condenado a pena de reclusão de dois a seis anos, além de multa.

Não há dúvidas de que essa alteração na legislação brasileira, bem como a entrada em vigor do Projeto de Lei nº 89/03, fará com que a sociedade em geral, por intermédio de profissionais especializados, amplie o número de processos relacionados aos crimes pela Internet. A inédita decisão mencionada neste artigo abre as portas do direito eletrônico em sua aplicação prática. São os bits e bytes no “banco dos réus”!

*advogado e economista, professor da Fundação Getúlio Vargas e Presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da Federação de Comércio de São Paulo.

**advogada e professora da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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