1. Introdução
O tema em epígrafe já gerou intensa polêmica nos meios jurídicos, uma vez que tem se insistido numa responsabilização solidária que não encontra nenhum amparo no ordenamento jurídico vigente.
Diante da impossibilidade de cobrança de débitos tributários da pessoa jurídica, certos órgãos fazendários tentam redirecionar a execução fiscal contra a pessoa dos sócios ou administradores, alegando, para tanto, que o Código Tributário Nacional, em seus artigos 134 e 135, permitem a responsabilização solidária do sócio ou administrador da pessoa jurídica inadimplente.
No entanto, esta generalização é fruto de interpretação flagrantemente equivocada que tem sido feita pelos referidos agentes, que agem no óbvio interesse do incremento da arrecadação, e que chegou a confundir alguns julgadores de primeira instância, mas que, felizmente, vem sendo devidamente corrigida por parte das instâncias superiores do Judiciário.
Com efeito, a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça colocou uma pá de cal na polêmica, firmando pacífica jurisprudência em torno do assunto, delimitando de forma muito clara as excepcionalíssimas hipóteses em que o sócio ou administrador pode ser responsabilizado solidariamente pelos débitos da pessoa jurídica.
E quando se faz referência à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é importante frisar que esta Corte, por determinação contida na Constituição Federal, é quem dá a palavra final em matéria de interpretação da legislação federal, vez que assume a função de uniformizadora do direito federal no país (Art. 105, III, Constituição Federal).
No tópico seguinte, portanto, procederemos à análise do direito aplicável ao caso, atualmente calcada na referida jurisprudência superior.
2. Do Direito aplicável
Antes de tudo, é importante frisar que em matéria de direito tributário há que se observar a estrita reserva da lei, consoante dispõe o art. 150, I, da Constituição Federal. Vale dizer, qualquer exigência tributária deve encontrar respaldo expresso em lei, sob pena de inconstitucionalidade.
Com efeito, ao mesmo tempo em que a sociedade conferiu ao Estado os poderes para cobrar tributos, sem os quais não se atingiriam os fins sociais, a mesma sociedade estabeleceu limites para a atuação estatal. Um destes limites é que toda a exigência tributária seja feita de conformidade com a Lei.
Sabe-se que a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador descrito em lei. Assim, por exemplo, se a lei estipula que a saída de mercadoria de estabelecimento industrial, comercial ou produtor é fato gerador do ICMS, se o estabelecimento pratica tal fato (saída de mercadoria), nascerá a obrigação de se pagar o ICMS.
O fato gerador é, portanto, o primeiro dos elementos da obrigação tributária.
Na definição de qualquer obrigação tributária a lei ainda deve que prescrever quem é o respectivo sujeito ativo (a quem se paga o tributo) e quem é o sujeito passivo (quem deve pagar o tributo).
O Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 121, parágrafo único, classifica a figura do sujeito passivo da obrigação tributária em duas modalidades: o contribuinte e o responsável.
Vejamos:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Como se vê, a lei define como contribuinte (inciso I) aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador. Ou seja, pode-se dizer que contribuinte é aquele que pratica pessoal e diretamente o fato gerador. Por exemplo, contribuinte do ICMS será o estabelecimento que praticou a venda da mercadoria.
Já o responsável (inciso II) será aquele que, embora não praticando direta e pessoalmente o fato gerador, tem sobre si a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária em decorrência de expressa disposição em lei. É o caso, por exemplo, do substituto tributário.
À luz dessa teoria, é de se ver que, em princípio, a responsabilidade tributária pode ser transferida para terceiras pessoas, ou, como preleciona IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, pode surgir diretamente quanto a estes terceiros, desde que a lei assim determine.
No art. 128, o CTN faz nova referência à possibilidade de atribuição da responsabilidade a terceiro, desde que prevista em lei e desde que a terceira pessoa esteja de alguma forma “vinculada ao fato gerador”:
Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Interessa-nos, neste estudo, a responsabilidade de terceiros que se apresenta como uma espécie de “responsabilidade por transferência”, ou seja, a obrigação de pagar o tributo nasce contra o contribuinte (aquele que praticou direta e pessoalmente o fato gerador), mas a responsabilidade pelo respectivo pagamento se transfere a terceira pessoa ou, até mesmo, surge originariamente contra essa terceira pessoa.
E aqui começará a se vislumbrar o equívoco de interpretação em que tem incorrido alguns agentes fazendários.
Nos artigos 129 a 133 o CTN regula a transferência da responsabilidade para terceira pessoa que tem vinculação com o fato gerador na condição de “sucessores” do contribuinte originário. É o caso do espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão. É o caso da pessoa jurídica que incorpora outra pessoa jurídica, etc.
No art. 134, o CTN prevê hipóteses de transferência da responsabilidade tributária para terceira pessoa, no entanto na condição de responsável solidário com o contribuinte originário, nos casos em que é impossível exigir do contribuinte principal o cumprimento da obrigação e em cujos atos houve intervenção ou omissão de responsabilidade desta terceira pessoa. É o caso, por exemplo, dos pais em relação aos tributos devidos por filhos menores; dos tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; dos administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; do inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio etc.
Veja-se:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
E, finalmente, no art. 135, o CTN contempla a possibilidade de transferência da responsabilidade tributária para terceiras pessoas que,
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Da figura da responsabilidade de terceira pessoa de que tratam os artigos 134 e 135 supra transcritos é que nos ocuparemos mais especificamente, pois é com base em tais dispositivos que o fisco tem pretendido atribuir aos sócios e administradores a responsabilidade solidária pelos tributos não pagos pela pessoa jurídica.
Pois bem.
Em primeira vista, especialmente se for feita uma leitura apressada do inciso III do art. 134 em conjugação com o inciso III do art. 135, pode parecer que o sócio ou administrador será sempre responsável solidário pelos débitos da pessoa jurídica contribuinte, caso seja impossível exigir desta pessoa jurídica o cumprimento da obrigação tributária.
No entanto, como já dito, esta conclusão decorre de apressada leitura do sentido dos referidos dispositivos legais.
Em primeiro lugar, há que salientar que no direito brasileiro impera o princípio da existência individualizada pessoa jurídica, o que significa dizer que a pessoa jurídica é reconhecida pelo direito como sujeito de direitos e obrigações, tendo existência distinta de seus membros.
Nessa linha, a civilista MARIA HELENA DINIZ conceitua a pessoa jurídica como sendo a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações (Curso de Direito Civil Brasileiro. Saraiva : São Paulo. 1997. Vol. 1. p. 142)
No que diz respeito à individualização da pessoa jurídica em relação a seus membros, MARIA HELENA DINIZ ainda preleciona:
A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem nenhum vínculo, agindo por si só, comprando, vendendo, alugando etc., sem qualquer ligação com a vontade individual das pessoas físicas que dela fazem parte. Realmente, seus componentes somente responderão por seus débitos dentro dos limites do capital social, ficando a saldo o patrimônio individual. Essa limitação da responsabilidade ao patrimônio da pessoa jurídica é uma conseqüência lógica de sua personalidade jurídica, constituindo uma de suas maiores vantagens. (obra citada. p. 170)
O Código Civil anterior era mais explícito quanto a este princípio, quando dispunha em seu artigo 20, caput, em redação mais feliz, que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”.
O Código de 2002 não reproduziu o princípio com as exatas palavras do Código antecessor. No entanto, a regra da personificação e individualização da pessoa jurídica em relação a seus membros está permeada na sistemática dispositiva do novel Código, extraindo-se tal interpretação da leitura dos artigos 43, 45, 47 e, especialmente, do art. 50, que trata da hipótese de despersonalização da pessoa jurídica em hipótese de desvio de finalidade ou abuso patrimonial, que se constitui numa exceção à regra que, evidentemente, somente pode ser a da individualização da pessoa jurídica.
A despeito deste princípio geral, o direito não poderia, obviamente, ficar insensível diante dos casos em que a regra da individualização da personalidade da sociedade e dos seus sócios passa se constituir um mecanismo para prática de fraudes contra credores ou abuso do direito.
Assim é que o legislador previu hipóteses em que, excepcionalmente, poderá o juiz decretar a despersonalização da pessoa jurídica, de tal modo a fazer com que seus membros possam responder por obrigações não cumpridas pela sociedade.
Encontraremos uma das destas hipóteses na legislação de defesa do consumidor. O vigente Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28 permite a desconsideração da personalidade jurídica, por decisão judicial, quando, “em detrimento do consumidor”, forem praticados atos que configurem abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, atos de má administração que levem à insolvência, etc. Observa-se que nessa hipótese há que se caracterizar o prejuízo ao consumidor.
Outra circunstância admitida pelo direito é no caso de crimes de natureza ambiental.
Por fim, no campo do direito tributário, a hipótese de desconsideração está prevista nos artigos 134, III, e 135, III, do Código Tributário Nacional, já referidos.
De fato, da leitura dos referidos dispositivos pode se chegar à conclusão que os sócios e os administradores podem ser responsabilizados pelos débitos impagos da pessoa jurídica.
No entanto, como já dito, é equivocado se concluir que os sócios e administradores poderão ser responsabilizados sempre que a pessoa jurídica deixar de pagar seus débitos.
Se tomarmos os artigos 134, III, e 135, III, do CTN nesse sentido amplo, estaríamos reconhecendo que o princípio da individualização da pessoa jurídica não tem aplicação e nenhuma validade no campo das obrigações tributárias.
No entanto, obviamente que este raciocínio está incorreto.
Ora, em primeiro lugar, se o princípio da individualização da pessoa jurídica não tivesse efeito no campo das obrigações tributárias não teria sentido a existência dos próprios artigos 134, III, e 135, III, no Código Tributário Nacional, pois, à toda evidência, tais dispositivos consubstanciam uma exceção à regra geral inserta no próprio Código. Ou seja, a regra geral é a de que o contribuinte é o primeiro responsável pelo pagamento do tributo gerado por alguma ação que este praticou. A exceção é que tal responsabilidade pode ser transferida para terceiro, no caso o sócio e/ou administrador.
Se a regra geral fosse a da despersonalização da pessoa jurídica, bastaria, assim, o Código Tributário dizer, absurdamente, que “são contribuintes tanto a pessoa jurídica que praticar o fato gerador quanto seus sócios e administradores”.
Mas não é assim. O Código Tributário prevê a possibilidade de transferência da responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária para o sócio ou administrador como uma hipótese excepcional.
Com efeito, a redação do art. 135 é clara quando diz que esta transferência de responsabilização somente terá lugar quando as obrigações tributárias devidas pela pessoa jurídica tiverem sido geradas a partir de atos praticados pelo administrador “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto”.
Veja-se, novamente:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
…..
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (grifamos)
Nota-se que podemos subdividir em duas hipóteses a conduta do administrador que pode gerar responsabilidade pessoal tributária:
a) atos praticados com excesso ou abuso de poderes, se infringido o contrato social ou estatutos;
b) atos praticados com infração de lei
No primeiro caso, encontramos a hipótese em que o tributo foi gerado na pessoa jurídica por ato praticado com excesso de poderes ou abuso de poder. Por exemplo, a pessoa não detinha poderes para prática de determinado ato que gerou a obrigação tributária. Nesse caso, responde pessoalmente pelo débito tributário gerado.
No segundo caso, que o tributo foi gerado na pessoa jurídica por ato praticado com violação de lei. Por exemplo, determinada operação comercial realizada pelo administrador é proibida por lei (a importação de algum produto, poderíamos citar), mas, contudo, gera uma obrigação tributária, inclusive multas. O administrador responsável pela operação torna-se pessoalmente obrigado ao pagamento do tributo.
E é justamente esta hipótese (infração de lei) que vem sendo invocada por alguns agentes do fisco para tentar transferir, de forma generalizada e indiscriminada, a responsabilidade tributária aos sócios e administradores da pessoa jurídica que, por alguma razão, torna-se inadimplente quanto as suas obrigações tributárias.
No entanto, primeiramente, como está se falando em responsabilidade por conduta, é imprescindível se atentar que somente se poderia aventar de responsabilização pessoal contra a pessoa que efetivamente praticou o ato considerado como infração da lei (o mesmo vale para a hipótese de abuso de poderes). O dolo pessoal é requisito primário para a responsabilização.
E, assim sendo, somente se pode aventar em responsabilização de quem efetivamente detinha a condição de administrador na época dos fatos, não se podendo esquecer que esta transferência de responsabilidade assume contornos de penalização. É consabido que, constitucionalmente, nenhuma pena pode passar da pessoa que praticou o ato (Art. 5º, XLV, Constituição Federal).
De outro lado, a conduta dolosa de quem se pretende responsabilizar deverá ser apurada em prévio processo, em que deverá ser assegurado ao agente o contraditório e o exercício da ampla defesa, nos termos do que exige o art. 5º, LV, da Constituição Federal.
Somente após o regular processo de apuração da prática do ato doloso a que se refere o Código Tributário é que poderá se aventar em responsabilização pessoal do administrador da pessoa jurídica.
Nesse ponto da discussão, surge um questionamento:
– A simples omissão (simples inadimplemento) no recolhimento de tributos gerados pela pessoa jurídica em suas operações regulares e legais constitui-se em “infração à lei” por parte do administrador que era ou é responsável pelo recolhimento dos referidos tributos?
Em face de tudo que até aqui foi exposto resta evidente que a resposta somente pode ser negativa. A simples omissão no recolhimento de tributos gerados pela pessoa jurídica em suas operações normais regulares e legais não se constitui em hipótese de “infração à lei”, para efeitos de se atribuir ao administrador a responsabilidade pessoal de que trata, tanto o art. 135 quanto o art. 134.
É evidente que o não pagamento do tributo no prazo se constitui numa violação à norma legal que estipula o prazo para pagamento de tributos. Mas contra o inadimplemento puro e simples as normas tributárias adequadas já estipulam respectivas sanções.
O que não se pode pretender é erigir o próprio inadimplemento do tributo como razão para aplicação da transferência da responsabilização tributária ao administrador, pretensão que se constituiria numa subversão do sentido da hipótese – excepcional – dos artigos 134 e 135 e, portanto, sempre haveria a responsabilização, como já se chamou a atenção.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão judiciário que, por disposição constitucional (art. 105, III), e como já dito, é quem dá a palavra final no país em matéria de interpretação de legislação federal, como pode se conferir da ementa do julgado abaixo:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 2. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76). 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. 4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. 5. Precedentes desta Corte Superior. 6. Embargos de Divergência rejeitados.
(STJ – 1a SEÇÃO – EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL ERESP 174532/PR – Decisão de 18/06/2001 – Relator Min. José Delgado – Publicada no DJ 20/08/2001 – RT 797:216)
Note-se que o precedente supra citado foi expedido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, órgão que reúne as duas Turmas que, naquela Corte, têm a competência para julgar questões tributárias. Assim, trata-s de jurisprudência pacífica e unificada.
Portanto, a partir deste posicionamento jurisprudencial, não há mais espaço para nenhuma iniciativa fiscal em pretender responsabilizar os administradores (atuais e da época dos fatos) e, menos ainda, sócios não-administradores, por simples inadimplemento de tributos que foram gerados pela pessoa jurídica em suas operações regulares e legais.
Qualquer iniciativa nesse sentido deverá ser repelida de pronto pelos juízes e, mesmo que algum juiz, inadvertidamente, atenda a pretensão do fisco e defira o redirecionamento da cobrança fiscal para a pessoa do administrador, certamente a instância judicial superior, mediante o recurso próprio, de imediato sustará tal decisão judicial.
Para finalizar este estudo, não podemos deixar de examinar a hipótese de possibilidade de responsabilização pessoal do sócio decorrente da “liquidação” da sociedade, prevista no inciso VII, do art. 134, do CTN.
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
…
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Ao contrário da situação acima examinada, este dispositivo prevê uma hipótese em que o “sócio”, independentemente de ser ou não administrador, pode ser responsabilizado pessoalmente por débitos da pessoa jurídica.
No entanto, a hipótese de que trata o inciso VII do art. 134 diz respeito à dissolução irregular da pessoa jurídica, ou seja, não cuida a espécie do caso em que a empresa é liquidada sem que haja recursos para quitar todas as suas obrigações fiscais.
A dissolução irregular somente terá lugar quando os sócios encerram as atividades da empresa e partilham entre si patrimônio que serviria para liquidar débitos tributários. Neste caso, o sócio beneficiado pela partilha evidentemente será responsável pelo tributo não pago. Este é o sentido do inciso VII do art. 134.
E, logicamente, numa hipótese como essa somente será responsabilizado o sócio que procedeu à dissolução irregular. Em hipótese alguma poderá se pretender a responsabilização em desfavor daquele sócio que, anteriormente à dissolução irregular, já havia se retirado da sociedade. Mesmo que a dívida fiscal tenha sido contraída e apurada no período em que a pessoa ainda fazia parte dos quadros sociais.
Pretender o contrário, mais uma vez, aqui, teríamos a ocorrência da responsabilização objetiva, o que é repudiado pelo direito pátrio.
Neste sentido, também, é a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, unificada pela Primeira Seção daquela Corte, verbis:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 135, III, CTN. DIRETOR. AUSÊNCIA DE PROVA DE INFRAÇÃO À LEI OU ESTATUTO. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. 2. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 3. Não é responsável por dívida tributária, no contexto do art. 135, III, CTN, o sócio que se afasta regularmente da sociedade comercial, sem ocorrer extinção ilegal da empresa, nem ter sido provado que praticou atos com excesso de mandato ou infração à lei, contrato social ou estatutos. 4. Empresa que continuou em atividade após a retirada do sócio. Dívida fiscal, embora contraída no período em que o mesmo participava, de modo comum com os demais sócios, da administração da empresa, porém, só apurada e cobrada posteriormente. 5. Não ficou demonstrado que o embargado, embora sócio-administrado em conjunto com os demais sócios, tenha sido o responsável pelo não pagamento do tributo no vencimento. Não há como, hoje, após não integrar o quadro social da empresa, ser responsabilizado. 6. Embargos de divergência rejeitados.
(STJ – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL 100739/SP – 1a Seção – Min. JOSÉ DELGADO – Decisão de 06/12/1999 – Data 28/02/2000 – DJU 28/02/2000, p. 32 – RT 778:211)
Por fim, vale sempre lembrar que as normas jurídicas não podem ser interpretadas isoladamente, pois o Direito não é estanque, mas um sistema de vasos comunicantes de tal modo que para compreensão de um instituto jurídico não se pode olvidar das demais regras do sistema.
3. Conclusão De todo o exposto, concluímos:
a) O art. 134 e 135 do CTN permite a transferência da responsabilidade pelo pagamento dos tributos da pessoa jurídica para os administradores da época dos fatos apenas no caso em que estes tenham agido com abuso dos poderes ou infração da lei, do contrato ou do estatuto social;
b) A conduta dolosa de quem se pretende responsabilizar deverá ser apurada em prévio processo, em que deverá ser assegurado ao agente o contraditório e o exercício da ampla defesa;
c) A simples omissão no recolhimento de tributos gerados pela pessoa jurídica em suas operações normais regulares e legais não se constitui em hipótese de “infração à lei” para efeitos de se atribuir ao administrador a responsabilidade pessoal de que tratam os art. 134 e 135 do CTN;
d) O art. 134, VII permite a responsabilização do sócio que promover dissolução irregular da sociedade (partilha de patrimônio sem pagar antes os tributos). No entanto, em hipótese alguma poderá se pretender a responsabilização em desfavor daquele sócio que, anteriormente à dissolução irregular, já havia se retirado da sociedade. Mesmo que a dívida fiscal tenha sido contraída e apurada no período em que a pessoa ainda fazia parte dos quadros sociais.
e) Qualquer iniciativa fiscal em contrário aos itens (3) e (4) acima deverá ser repelida de pronto pelos juízes e, mesmo que algum juiz, inadvertidamente, atenda a pretensão do fisco e defira o redirecionamento da cobrança fiscal para a pessoa do administrador, certamente a instância judicial superior, mediante o recurso próprio, de imediato sustará tal decisão judicial.
Miguel Teixeira Filho – Perfil do Autor:
Advogado, graduado em 1987 pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, SP, com atuação em Direito Tributário, Penal-Tributário, Societário e Administrativo, especialmente licitações públicas. Sócio titular da Teixeira Filho Advogados Associados, com sede em Joinville/SC, constituída em 1991. Contato: (47) 3433-4686 ou pelo site www.teixeirafilho.com.br. Consultor Jurídico de sociedade de economia mista. Conselheiro Estadual titular da OAB/SC (2007/2009