Os prazos processuais em face da reforma do Judiciário

publicado em: 16/12/2004

José Sebastião Espíndola

Em 30 de junho de 2000 deu entrada no Congresso Nacional, de autoria do Deputado Hélio Bicudo, o Projeto de Emenda Constitucional determinado pelo número 29/2000, que versa sobre a Reforma do Poder Judiciário.

Após as votações necessárias, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, referido Projeto foi aprovado em 17 de novembro de 2004, sendo que em Sessão Solene do Congresso Nacional, realizada em 08 de dezembro, próximo
passado, foi então promulgada a Emenda Constitucional 45/2004.

Ressalte-se que a Emenda Constitucional 45/2004 não traz toda a matéria prevista no Projeto de Emenda Constitucional número 29/2000, contemplando tão somente os textos aprovados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sendo que a parte restante da proposta, já aprovada pelo Senado Federal, foi renumerada como Proposta de Emenda à constituição 29A/2000, a qual ainda deverá ser apreciada pela Câmara dos Deputados para futuramente ser promulgada.

Porém, a Emenda Constitucional 45/2004 traz algumas mudanças que, pela época em que foi promulgada, poderá acarretar alguns dissabores aos operadores do Direito, em especial aos Advogados, posto que na maioria das vezes a rigidez dos prazos processuais afetam sempre mais esse segmento da comunidade jurídica.

Vale ressaltar que a Emenda Constitucional em comento foi promulgada no dia 08 de dezembro próximo passado, não tendo sido ainda publicada. Por esse motivo, produzirá eficácia somente após sua publicação, tendo em vista o disposto no seu artigo10.

Especula-se que sua publicação dar-se-á no dia 31 de dezembro de 2004, período tradicionalmente de recesso forense que, também, tradicionalmente, emenda com as férias forenses.

Eis aí a questão! A emenda constitucional 45/2004, em seu artigo 1º , entre outras modificações, acrescenta o inciso XII e outros ao artigo 93 da Constituição Federal, que assim diz: “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente”.

O inciso supra mencionado estabelece de forma efetiva o fim das chamadas Férias Forenses que aconteciam, ou acontecem, nos meses de janeiro e julho de cada ano.

Pelo fim das férias forenses a Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de suas Seccionais e Conselho Federal, lutou muito, já que vários processos tinham a sua tramitação obstaculizada em razão desse instituto.

É bem verdade que alguns processos têm sua tramitação normal durante as férias, em especial aqueles que por sua natureza exigem providência jurisdicional urgente, porém assiste-se a paralisação dos processos de uma forma quase que generalizada.

As férias forenses sempre foram tidas como elemento complicador dos prazos processuais, pois alguns feitos têm os prazos processuais suspensos, outros não.

Agora, com o fim das férias forenses, parece que tal fator complicador desaparecerá, isto se outros não surgirem, os quais a meu ver já começam a dar o “ar da graça”.

Importante destacar que até a presente data (15/12/04) nenhum efeito produz a Emenda Constitucional 45/2004, pela falta da sua publicação. Porém, assim que for publicada, no que concerne às férias forenses [inciso XII do artigo 93], entendo que se trata de norma preceptiva plena, ou seja, tem sua aplicabilidade imediata.

Norma preceptiva plena, no entendimento do insigne jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em sua obra Constituição e Revisão – Editora Forense, é: “a norma constitucional de preceito completo – de conteúdo integrado e, por isso, dotada de plena exequibilidade”.

Ressalte-se que o artigo 93, caput, estabelece: “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:”. Isso posto, tem-se que o inciso XII é um desses princípios.

Assim sendo, mesmo com a promulgação de nova Lei Complementar dispondo sobre o Estatuto da Magistratura, não poderá esta criar qualquer tipo de férias coletiva ou mesmo recesso, vez que o referido princípio veta tal possibilidade.

Tem-se então que tal princípio, inclusive por ser exauriente em seu conteúdo, é sim norma preceptiva plena, ou seja, possui aplicação imediata, independentemente de norma infraconstitucional.

Por seu turno, as férias forenses são previstas na Lei Orgânica da Magistratura, Lei Complementar 35/79, que em seu artigo 66, parágrafo 1º estabelece: “os membros dos Tribunais, salvo os dos Tribunais Regionais do Trabalho, que terão férias individuais, gozarão de férias coletivas, nos períodos de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho”.

Em razão dessa previsão – férias forenses –, os artigos 173 e 174 do Código de Processo Civil Brasileiro traçam regras sobre os prazos processuais que fluem ou não nos períodos mencionados no § 1º do Artigo 66 da Lei Complementar 35/79.

Ocorre porém que, no meu modesto entendimento, o inciso XII do artigo 93 da Constituição Federal, criado pela emenda constitucional 45/2004, é auto-aplicável, o que significa afirmar que tanto o § 1º do artigo 66 da Lei Complementar 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura – como os artigos 173 e 174, no que pertine às “férias”, estão revogados por não terem sidos recepcionados pela referida Emenda Constitucional.

Por essa razão, entendo que os prazos processuais, destaque-se, após a publicação da referida Emenda Constitucional, independentemente do procedimento e do processo, estarão a fluir normalmente nos meses tradicionalmente tidos como “férias forenses”.

Reconheço a dificuldade prática que tal fato trará aos operadores do Direito, em especial se tal emenda for publicada no dia 31/12/04, porém devemos lembrar que tal emenda tem sua tramitação desde o ano de 2000.

Também não podemos olvidar que, de acordo com o artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, a ninguém é permitida a escusa de cumprir a lei alegando desconhecimento.

Talvez, mais uma vez, o maior prejudicado deverá ser o advogado, em especial aquele que possui escritório sozinho. Este, com certeza, deverá procurar ajuda de um colega para que atenda eventual cumprimento de prazo.

No entanto, não pode a sociedade como um todo, da qual fazemos parte, sofrer com a paralisação de suas demandas por mais de 60 dias anuais.

O presente ensaio não tem o condão de polemizar o assunto, até porque entendemos que a beleza do direito reside, exatamente, nas divergências dos pensamentos. Nossa intenção é a de alertar os operadores do Direito, em especial ao advogado, no sentido de que após a publicação da Emenda Constitucional 45/2004 não mais existirão as chamadas férias forenses. Portanto, todos os prazos processuais, indistintamente, fluirão normalmente nos meses de janeiro e julho.

José Sebastião Espíndola é advogado, professor universitário e secretário-geral-adjunto da Seccional de Mato Grosso do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil.

fonte: José Sebastião Espíndola

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