Os recentes ataques agressivos à magistratura não se sustentam

Autores: Carlos Henrique Abrão e Laercio Laurelli (*)

 

Enquanto a Justiça não fustigava e punia políticos e corruptos, nada existia contra ela. A partir do momento em que a escalada sem tréguas vigorou para o combate incessante da corrupção e o uso desenfreado do dinheiro público, a magistratura nacional passou a ser o foco da imprensa e dos comentários gerais, desde vencimentos, quanto custa um juiz para os cofres públicos, até desmandos pontuais que são invariavelmente generalizados.

No entanto, a produção da Justiça Estadual cresceu cerca de 13%, se comparada com igual período no ano passado. Os magistrados julgaram mais de 31 milhões de processos, restando um estoque de mais de 80 milhões de feitos.

Mas de quem é verdadeira e ineliminavelmente a culpa? As instituições do país precisam se conscientizar de que a ferramenta da Justiça tem má utilização, sob duplo prisma de visão. As ineficientes execuções fiscais são lançadas a rodo pelas municipalidades, evitando prescrição e enquadramento na Lei de Responsabilidade Fiscal, além do fator recursal. Em linhas gerais, o poder público, administração direta e indireta, de tudo recorre, chegando até a última instância, sem falar na confecção do precatório e a demora por mais de uma década até o efetivo pagamento.

Dentro desse quadro, o maior gerador de processos é, induvidosamente, o paquidérmico Estado brasileiro, o primeiro a cobrar e o último a pagar, donde discorre a necessária revisão do modelo para que a Justiça em foco não seja meramente uma máquina de fazer decisões, mas sobre ela incidam investimentos, planejamento e, sobretudo, um monitoramento para descobrir os gargalos e os entraves. Uma espécie de pesquisa científica para minorar os descalabros e descortinar as razões pelas quais alguns feitos ultrapassam a média e não chegam a bom termo.

Todos os órgãos de controle deveriam ter seus cargos preenchidos mediante concurso, não por meio de indicações de natureza política e não técnica. E os desvios praticados por juízes não atingem índices de 2% sobre a totalidade da classe — hoje perto de 18 mil magistrados espalhados Brasil afora.

O ataque agressivo feito à magistratura não se sustenta. Há um movimento que visa, antes de mais nada, a um encanto indisfarçável para jogar em prol da plateia. A quem interessa essa campanha difamatória, orquestrada e produzida com o intuito de menoscabar a magistratura e apequenar seu quadro institucional?

Há, sem sombra de dúvida, um caminhar maldoso de malfeitores, os quais foram pilhados em flagrante e não se conformam com suas punições por intermédio de amplo contraditório ou, no jargão, da colaboração premiada. Querem imputar aos juízes o descalabro econômico, o não crescimento, a recessão, o desemprego e falta de infraestrutura, como se o Judiciário tivesse a caneta para contratar e saber exatamente quais as deficiências do serviço público para preencher suas respectiva lacunas.

Efetivamente há um complexo agir de retaliação e grande incômodo, pois que estão perturbados e insatisfeitos quando a máquina judiciária opera e funciona nos interesses da sociedade.

Grandes peixões políticos foram pegos e presos e, de modo semelhante, empresários acima da lei, que nunca, jamais imaginaram que um dia estariam atrás das grades, ou usando uma tornozeleira para monitoramento à distância.

Querem, mediante atos e fatos, gerar no Parlamento uma ação que abafe o combate à corrupção e colocar em dúvida a honestidade e capacidade dos juízes, os quais, em sua maioria, são inseridos nos seus cargos por intermédio de concurso e somente se aprimoram para fins de promoção se demonstrarem competência e amplo discernimento.

Diariamente na mídia, nos jornais em geral e também na internet, a Justiça passou — a partir da Ação Penal 470, o famoso mensalão — a ser policiada, vivenciada e calibrada pelos olhos desconfiados de muitos em cooperação com a imprensa. Querem retaliar para forçar um desassossego e imprimir um clima de intranquilidade e insegurança.

Qualquer reajuste de vencimentos pela inflação é tido como desvio, e bastaria pagar algum atrasado ou férias não usufruídas para haver estardalhaço. Acusam-nos de ter 60 dias de férias por ano, exceção das Cortes Superiores, as demais não tendo o privilégio de permanecer o tempo em gozo de férias, licença-prêmio ou dias de compensação. As estatísticas demonstram que 80% dos juízes saem de férias apenas 15 dias por ano, além de tantos outros que saem apenas poucos dias, a fim de evitar atolamento e entupimento dos acervos, notadamente nas cortes.

Precisamos ter muito claro e de forma transparente que a Justiça hoje é o foco de todas as manchetes, quer de prisão ou mesmo de soltura. Estão a cada dia mais avalizando e julgando os juízes, mas sempre com o viés de apontar defeitos, ver falhas ou corrigir situações as quais desagradam grupos políticos ou econômicos.

A independência, juntamente com a soberania e autonomia, são os maiores predicamentos da magistratura, a qual nos últimos anos se desvencilhou por completo do Legislativo e do Executivo, passando não só a ter liberdade e opinião própria, mas também punindo exemplarmente maus empresários que se serviram da corrupção para efeito de superfaturamento.

Os dias não são amistosos, mas ferir de morte a magistratura significará romper com sua tradição e abrir um perigoso precedente que poderá abalar o Estado Democrático e o equilíbrio essencial que está a cargo da Justiça, gostem ou desgostem nossos críticos de plantão com interesses até agora pouco revelados.

 

 

 

Autores: Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 Laercio Laurelli é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal e Processo Penal.


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