Os riscos para a cidadania
A advocacia, em muitos aspectos, assemelha-se ao sacerdócio, pois exige uma dedicação sem reservas ao exercício de seu mister. Uma vez entregue o interesse de um cliente ao seu advogado, inicia-se um compromisso intenso, diuturno, na obtenção da aplicação do ideal de Justiça ao caso.
Ao advogado cabe resolver as situações do cidadão, de questões de filiação e sucessão ao direito de família. Ou impedir a vingança da sociedade contra os que se afastam da regra de conduta predeterminada, garantindo a reparação do dano à proporção da ofensa. Ou resolver questões de patrimônio que assegurem a preservação das conquistas materiais da vida das pessoas.
É ele quem defende o contribuinte contra a fúria de arrecadação do Estado. É também responsabilidade do advogado construir estruturas que garantam o cumprimento de obrigações recíprocas por largos períodos de tempo, como acontece nos contratos.
As suas funções são tão relevantes que fazem parte da Constituição. Diz o artigo 133 de nossa Carta Magna: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais, este profissional desenvolve a técnica para o manejo das regras operacionais do Direito. Por isto, junto com juízes e promotores, os advogados são também chamados de “operadores do direito”.
Eles precisam atuar com visão ampla e ter sensibilidade para reconhecer limites e possibilidades. Não raro o advogado atua mais no aconselhamento de clientes —com sugestão de condutas, perdões, superações— do que leva à apreciação judicial pretensões descabidas. Isto não quer dizer que os advogados pertençam a uma classe de superdotados, ou com qualidades acima da média.
Quero demonstrar apenas que a profissão exige do praticante qualificações que só podem ser obtidas através do estudo sério, dedicado e permanente. Não conheço um só advogado que ao longo de sua carreira não tenha realizado inúmeros cursos de atualização. Ou que não mantenha permanente e alto volume de leitura técnica, e interesse pela evolução da política e da economia. Só assim ele estará apto a atender no campo do Direito e das Ciências Sociais que compõem o seu título de bacharelado.
Fiz esta introdução sobre a relevância da atividade do advogado para discorrer sobre um assunto que causa enorme preocupação. Trata-se do recente noticiário sobre o baixíssimo volume de aprovações de bacharéis nos exames promovidos pela Ordem dos Advogados do Brasil, através suas secções estaduais.
Criado para avaliar a capacidade mínima dos estudantes que concluem o curso, o exame da OAB vem a cada ano revelando números agravantes. Culminaram, este ano, com a reprovação acachapante da maioria dos candidatos, em nível nacional. A prova foi aplicada conjuntamente em 17 estados da federação. Como resultado, houve apenas 19.09 % de aprovações. Vale dizer: mais de 80 por cento dos candidatos não foram aprovados! No Estado do Amapá, por exemplo, apenas 2 candidatos conseguiram transformar-se em advogados. No Estado de São Paulo, que não fez parte da prova integrada, o nível de aprovação mal superou os 30%.
A causa deste descalabro é facilmente identificável. As faculdades de Direito constituem-se no curso superior de menor custo de instalação e funcionamento. Por sua procura, garantem aos maus empresários do ensino ganhos enormes e injustificados.
Assim, há no Brasil excesso de faculdades de Direito. Enquanto nos Estados Unidos, chamado “o país dos advogados”, há 180 faculdades de direito, no Brasil já chegamos a 2.000 instituições.
Apesar das declarações do Ministério da Educação, que, em nota oficial disse “não abrir mão de seu protagonismo (sic) nem tampouco de sua competência decisória nesses processos”, a verdade é que não há qualquer controle efetivo sobre o excessivo número de escolas de Direito. Elas se abrem a cada momento, sem o mínimo de capacitação técnica para a formação profissional.
Desta situação não escapam nem juízes e promotores, cujas instituições também enfrentam dificuldades para preencher o número de vagas oferecidas, dado o baixo nível dos candidatos que se apresentam aos concursos públicos. Até mesmo os escritórios de advocacia só admitem profissionais advindos de faculdades de melhor qualidade.
O resultado é que milhares de bacharéis mal preparados não conseguem sucesso, apesar do esforço para a obtenção do título. E que, quase sempre, foi obtido depois de pagar mensalidades escorchantes em troca de uma formação insuficiente.
O resultado é que a maioria dos profissionais, mesmo os aprovados no exame da OAB, revela, em geral, baixo grau de formação profissional. E, ao cidadão que necessita o serviço técnico jurídico, indispensável à administração da Justiça, resta valer-se de maus advogados, porque são os que o sistema oferece. Se não é possível confiar nos responsáveis pela operação do Estado de Direito, o que você acha? A cidadania está ou não ameaçada?
Reportagem produzida pelo jornal DCI e reproduzida por Última Instância com autorização concedida por contrato de licenciamento de conteúdo
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Luiz Eduardo Lopes da Silva é advogado, pós-graduado em direito da empresa, sócio de Lopes da Silva e Guimarães Advogados e consultor jurídico de entidades de classe