por Joaquim Manhães Moreira
Até pouco tempo falava-se que a maior dificuldade da prática da arbitragem em nosso país estava na mente dos advogados. Para dirimir um conflito empresarial com as duas partes em boa fé, a arbitragem sempre foi o mecanismo óbvio. Todavia, alguns advogados de empresas não queriam adotar esse procedimento, temendo que os interesses de seus clientes não pudessem ser adequadamente protegidos, pelas mais diversas razões.
As Câmaras Arbitrais venceram os primeiros obstáculos e as primeiras batalhas contra os “retrógrados” graças a escritórios de advocacia com vocação inovadora, que convenceram os seus clientes da conveniência dessa via.
Porém, aqueles que como nós sempre defenderam a arbitragem como o mecanismo mais adequado para a solução de conflitos comerciais têm vivido situações muitas vezes difíceis de explicar aos clientes.
Vez por outra os procedimentos arbitrais incorrem em alguns deslizes que podem comprometer o futuro do mecanismo no nosso país, pelo menos para as arbitragens locais.
Em primeiro lugar, os árbitros geralmente partilham dos mesmos interesses acadêmicos, eventos, ideologias e até gostos turísticos dos advogados dos grandes escritórios que militam no setor. Não se importam de dar a impressão pública de formarem uma verdadeira “confraria”.
Assim sendo, um escritório que “não faça parte da roda” e nem partilhe do circuito turístico daqueles “iniciados”, já começa em notória desvantagem a defesa dos interesses do seu cliente. Árbitros e advogados que já militam no setor confraternizam-se na frente da parte contrária e do seu advogado. Advogadas cumprimentam os árbitros por elas indicados com “beijinhos”.
Toda essa exibição de amizade e espontaneidade faz o cliente pressentir um clima de parcialidade, levando-o a desacreditar no mecanismo. Diante disso, o cliente se pergunta: será a cultura brasileira que impede um relacionamento mais formal nessas situações ou existirá realmente a tal “confraria” entre árbitros e advogados (as) de arbitragem? Afinal, quase todos integrantes das duas categorias são professores de “arbitragem” nas faculdades de Direito.
Além disso, há Câmaras que exercem uma tolerância “intolerável” contra certos eventos que já seriam criticáveis na Justiça, quanto mais no procedimento arbitral. Por exemplo, quando um árbitro tem um problema pessoal, capaz de interferir na lucidez da sua decisão, como doença ou perda de um ente querido, certas instituições atribuem exclusivamente a ele a opção de se fazer substituir pelo suplente. E se tal árbitro desejar, continuará no procedimento, mesmo que notoriamente esteja abalado pelo acontecimento pessoal.
Outro aspecto perigoso é a tolerância da Câmara com os potenciais devedores, permitindo-lhes protelar o processo arbitral tal e qual protelariam o judicial. Simples alegações de necessidade de viagem de executivos, sem nenhuma fundamentação, são utilizadas para adiar audiências cruciais para a resolução dos conflitos.
Por último, há Câmaras que facultam aos árbitros redigir e debater o texto do laudo fora das suas dependências, perdendo, portanto, o controle sobre as influências que sobre eles podem ser exercidas.
Isso tudo sem contar a ideologia do “nacionalismo” praticada por alguns árbitros, o que os leva a decidir sistematicamente contra os estrangeiros.
A arbitragem sempre foi e continua a ser um excelente mecanismo alternativo de resolução de conflitos, mas, no Brasil a cultura e a ideologia locais ameaçam o seu futuro. Cumpre às instituições de arbitragem reparar essa trajetória.
É claro que há exceções. Há depoimentos de colegas militantes no Direito Empresarial Internacional no sentido de que em certas Câmaras esses deslizes não ocorrem.
Felizmente, para os que em boa fé convencem os seus clientes a enveredarem pelo caminho da arbitragem e vêem o ideal de justiça ser superado pelos conchavos das “confrarias”, restará sempre o caminho previsto no artigo 531 do CPC e 30 da Lei 9607: a anulação da decisão. Torçamos para que o Judiciário continue cumprindo o seu papel imparcial e auxiliando a aplicação do direito nesse momento extremamente difícil para o instituto da arbitragem, em que se avolumam os procedimentos judiciais contra laudos ruins, parciais e ideológicos.
Aos colegas leitores, recomendamos que não desacreditem no instituto, mas, que analisem com profundidade a imparcialidade de cada Câmara e dos seus procedimentos.