Pagamento através de empresas de marketing de incentivo

Muito se tem discutido hoje em dia sobre a premiação paga pelas empresas de marketing de incentivo, tendo em vista o posicionamento principalmente do INSS em considerar tal verba como de natureza salarial, autuando empresas par que procedam os recolhimentos previdenciários sobre os valores disponibilizados.

Alguns posicionamentos chegam a considerar que a legislação aplicável para afastar a natureza salarial, seria a cível, especificamente o artigo 854 do Código Civil, que estabelece: aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido

Na realidade, não se aplica a lei civil no presente caso, pois que se trata de uma verba —de natureza salarial ou não— contratada no âmbito da relação de trabalho, e a lei trabalhista trata desse tipo de remuneração, mantendo ou afastando a natureza salarial segundos seus próprios critérios.

A premiação através do marketing de incentivo por si só não gera, nem pode gerar, uma presunção de fraude como se fosse uma tentativa de afastar uma remuneração salarial, com tal pagamento. Mas, também, tal pagamento não pode ser usado com esse fim.

A lei trabalhista trata dos pagamentos além do salário base, em seu artigo 457 (CLT), com base neles os critérios de determinação salarial ou não podem ser encontrados para segurança juídica de tal pagamento.

Pela legislação trabalhista, prêmios são vantagens pagas aos empregados que preencham determinadas condições impostas pelo empregador. O recebimento da vantagem vincula-se à conduta individual do empregado que, para ser beneficiado, deve atingir as metas preestabelecidas pelo empregador.

As metas não podem ser de natureza a gerarem o pagamento com certeza, ou seja, mister é a inexistência da certeza na consecução das metas, pois de outra forma poder-se-ia caracterizar remuneração velada. A eventualidade do prêmio é que lhe retira a possibilidade de caracterização da natureza salarial, já que a habitualidade é um dos elementos a caracterizar tal verba.

Assim, havendo habitualidade no programa —uma vez por ano por exemplo— o que afastaria a caracterização da natureza salarial seria a existência de um programa com metas que podem ou não ser atingidas, o que gera incerteza no recebimento e conseqüentemente afastaria a caracterização como remuneração, não gerando incidências em verbas contratuais e encargos sociais.

É que se vê das decisões de nossos tribunais: 30025369 — Prêmio-Desempenho — Natureza Jurídica – Tratando-se de verba aleatória, com caráter de recompensa, não se amolda ao conceito de salário, tomado na exata acepção de contraprestação do trabalho realizado. Recurso de revista provido. (TST — RR 406791/1997 — 5ª T. — Relator ministro Armando de Brito — DJU 22 de maio de 1998 — p. 00377)

O pagamento através de sistemas outros, como os organizados pelas empresas do chamado marketing de incentivo por si só não afastam o risco da caracterização como verba salarial, mas sim a correção do programa de instituição de prêmio e a existência de metas passíveis de avaliação objetiva. O prêmio tem que se caracterizar como um incentivo a que uma determinada meta seja atingida e não como verba paga independentemente do atingimento.

Assim, a empresa deverá manter documentado e em arquivo todo o procedimento de instalação do programa de premiação, e mesmo os documentos de medições e avaliação das metas atingidas, evitando metas que sejam facilmente alcançadas o que geraria descaracterização da natureza de incentivo.

A periodicidade do pagamento não deve ser menor do que anual, no máximo com adiantamento semestral, para utilização de analogia com a lei da PLR, e evitando-se habitualidade que gera natureza salarial.

A habitualidade é um dos elementos essenciais para caracterização da natureza salarial: 37027447 — Integração da parcela “prêmio produção” na apuração das horas extras — A parcela “prêmio produção”, paga com habitualidade, tem natureza salarial, integrando a remuneração do empregado para todos os efeitos legais, inclusive para efeito de apuração das horas extras, a teor do artigo 457 da CLT. (TRT 17ª R. — AP 00865.1999.131.17.00.3 — Rel. Juiz Gerson Fernando da Sylveira Novais — J. 10 de fevereiro de 2004) JCLT. 457

Os tribunais têm acatado a natureza de prêmio justamente quando os requisitos acima estão presentes, mesmo nos casos de marketing de incentivo:

TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20030645250 DECISÃO: 18 11 2003 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4ª EMENTA SUPRESSÃO DO PRÊMIO. o empregador, pelo seu poder diretivo, possui os amplos poderes de fixação de metas e dos respectivos prêmios. Em determinadas épocas, de acordo com os interesses do empregador, o mesmo pode e deve alterar a sistemática dos prêmios. O prêmio “top Premium”, quando fixado e pago pelo empregador, não se transforma em uma cláusula perene do contrato de trabalho. Se assim o fosse, qualquer sistemática de prêmio, a qual é, pela natureza desse título, um incentivo para as vendas, transformar-se-ia em um ônus para o empregador, representando, assim, uma verdadeira ingerência ao seu poder diretivo. Não há nos autos de que a reclamada teria assumido o compromisso de pagar esse prêmio para toda a vigência do contrato de trabalho. O prêmio, de fato, possui natureza salarial, quando se tem o seu pagamento de forma habitual, contudo, o seu implemento não é fator integrativo ao salário, como se fosse um direito adquirido do trabalhador. Rejeito o apelo da reclamante.
Dessa forma não há necessidade de se valer da lei civil para afastar a natureza salarial de um prêmio pago através de marketing de incentivo, basta que o programa fixe as metas com antecedência, tenha meios seguros e objetivos de aferição e só seja pago quando tais metas forem atingidas, evitando-se ainda periodicidade de distribuição inferiro a um semestre civil.

Também a documentação dos programas cujas metas não foram atingidas deve ser mantida em arquivo justamente para comprovar que o prêmio só é pago no seu atingimento De outra maneira, o risco de se ter caracterizada a natureza salarial com todas as incidências é grande.

De qualquer maneira, ainda que pago através de marketing de incentivo, o valor recebido pelo empregado participante deve ser tributado na fonte, pois insere-se, independentemente da forma de pagamento, pois todo rendimento auferido é tributado pela legislação fiscal.

O regulamento do imposto de renda em seu artigo 639 estabelece: artigo 639. Estão sujeitos à incidência do imposto na fonte, calculado na forma do artigo 620, quaisquer outros rendimentos pagos por pessoa jurídica a pessoa física, para os quais não haja incidência específica e não estejam incluídos entre aqueles tributados exclusivamente na fonte (Lei 7.713, de 1988, artigos 3º, parágrafo 4º, e 7º, inciso II).

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Maria Lucia Benhame é advogada formada pela Faculdade de Direto da USP, com pós-graduação latu-sensu em direito do trabalho, pela mesma Faculdade. Atua na área de assessoria jurídica empresarial como advogada desde 1988. Em 1998 fundou, com Maria Inês de Três Rios, o escritório Benhame e Três Rios Advogados Associados, que atua em assessoria empresarial contenciosa, consultiva e contratual nas áreas do direito civil, do trabalho e recursos Humanos, onde é sócia responsável pela área de direito do trabalho (contenciosos e contratual) e recursos humanos.

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