País precisa de controle para garantir direitos autorais de artistas

Por Marcia Sguizzardi Bittar
A música é uma das mais difundidas manifestações culturais no Brasil e no mundo. Ancestral e democrática, faz parte do dia-a-dia de todos os povos e nações, acompanha a vida como verdadeira trilha sonora e reflete as raízes antropológicas e sociológicas das quais extrai sua própria inspiração.

O Brasil é um país musical por excelência, repleto de artistas capazes de compor e interpretar os mais variados ritmos e melodias. É facílimo ouvir música em qualquer lugar que se vá, lojas, restaurantes, consultórios médicos, hotéis…

Poucos são os que, entretanto, têm conhecimento do fato de que na grande maioria dos casos, a execução de música em ambientes de freqüência pública como os acima referidos, constitui ilícito civil e crime. Apesar da regra segundo a qual o desconhecimento da legislação não desonera o praticante do ilícito (civil ou penal), verdade é que a população não tem amplo acesso à miríade de normas que compõem o Direito pátrio, muito menos quando se trata da pouco difundida lei que disciplina os direitos autorais em nosso país.

Específica e bastante hermética, a Lei nº 9.610/98, atual diploma regulador dos direitos autorais, procura resguardar os direitos autorais e seus conexos ao dispor, em seu artigo 68, que sem prévia e expressa autorização do autor ou titular (dos direitos patrimoniais de autor e de direitos conexos aos de autor), não podem ser utilizados quaisquer composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas em execuções públicas.

Complementarmente, a teor do parágrafo 2º da Lei nº 9.610/98, considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica. Aliás, é idêntico o teor do artigo 29, caput, combinado com o seu inciso VIII, alíneas b, e, e f, o qual determina que depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por execução musical, captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva e sonorização ambiental.

Ora, o fonograma, a teor do artigo 5º, IX, da referida lei, é toda fixação de sons de uma execução ou interpretação musical sobre uma base ou suporte mecânico, incluídas todas as formas até então conhecidas e utilizadas, tais como o já vetusto disco tipo long play, as fitas tipo cassete, o compact disc… Assim, podemos concluir que a utilização das gravações contidas nesses suportes para a sonorização ambiental não é permitida sem a autorização respectiva, bem como não é permitida a apresentação de artistas executando qualquer música em espaços de presença coletiva sem a mesma autorização. A lei, bastante abrangente, veda igualmente a sonorização ambiental através da utilização da radiodifusão, ou seja, é igualmente proibida a prática, bastante comum, da utilização de aparelhos de rádio e TV ligados (a obra audiovisual é igualmente protegida), transmitindo, nos referidos espaços coletivos.

Para efeitos da lei, são considerados locais de freqüência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais ou industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestres, marítimos, fluviais ou aéreos, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

O objetivo da lei é louvável. A norma vigente busca proteger o patrimônio cultural consubstanciado nas obras musicais e lítero-musicais, patrimônio esse que possui uma quantificação valorativo-monetária, uma expressão econômica que não pode ser vilipendiada pela utilização livre das obras. Ademais, a execução de obras musicais (e audiovisuais, igualmente) em espaços de freqüência coletiva acrescenta um plus ao próprio local, ou seja, incorpora algo de imaterial que se vem a mesclar indelevelmente ao cabedal desse espaço, que é o prazer sensorial proporcionado pela obra em si. É inegável o acréscimo que é então adicionado, gratuitamente, ao patrimônio de outrem, e com isso a lei autoral não pode compactuar, vez que é ela que deve proteger os interesses dos autores e intérpretes e executantes.

A obra musical, aqui compreendida lato sensu, e assim também a obra audiovisual constitui esforço criativo humano, inspiração positivada sobre suportes físicos que se destinam a proporcionar puro prazer, entretenimento e enlevo ao espírito. Dessa forma, possui patente valor cultural intrínseco e grande valor financeiro, pois os autores e os artistas intérpretes e executantes efetivamente vivem dos frutos econômicos defluentes da utilização de suas obras.

Apesar da intenção da lei ser clara e nobre, a violação desse dispositivo protetivo é flagrante no Brasil de hoje. A prática da execução pública de obras musicais ocorre sem qualquer respeito à legislação vigente, ou seja, sem as autorizações respectivas e sem os efetivos recolhimentos dos direitos autorais, os quais devem ser comprovados, de acordo com o texto legal, junto ao escritório central (ECAD), caso os autores e titulares de direitos conexos sejam membros de associação respectiva, a teor do artigo 97 da lei autoral.
Como dar eficácia prática à norma vigente? Como efetivar, o mais possível, a remuneração aos autores e artistas, condigna e compatível com a utilização de suas obras, transformando a letra da lei em realidade fática?

Depois de detida análise sobre o assunto, afiguram-se-nos duas soluções. A primeira solução possui caráter mais imediato e depende tão somente da lisura dos proprietários dos estabelecimentos de freqüência pública já enumerados, que não desejem ser surpreendidos por uma eventual fiscalização e a competente responsabilização pelo uso indevido de obras musicais e mais, que realmente desejem valorizar o patrimônio cultural que a música representa, incentivando e recompensando os que vivem dessa nobre atividade. Trata-se da encomenda de trilhas sonoras específicas para o uso nos locais designados.

O encomendante, proprietário ou responsável pelo local em que a música deva ser utilizada, incumbe determinado autor e/ou determinado intérprete/executante de criar obra musical destinada exclusivamente à utilização naquele estabelecimento (lato sensu), elaborando-se contrato (necessariamente escrito) de cessão total e definitiva dos direitos patrimoniais de autor relativos àquela trilha sonora em benefício do encomendante, que então passa a poder usar livremente as músicas resultantes para a sonorização de seu ambiente.

Com isso, estimula-se a produção musical, resguardam-se os direitos de autor e seus conexos e adiciona-se música ao cotidiano sem violação das normas vigentes.

Outra solução que nos parece viável, mas que depende de boa vontade política, seria a criação de uma espécie de convênio entre o escritório central a que a lei se refere e as prefeituras municipais (ao menos aquelas dos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo), para que no ato do licenciamento anual dos estabelecimentos de freqüência pública (através do pagamento da taxa municipal de licença para localização e funcionamento), fosse cobrado um valor para utilização de música, valor esse a ser repartido entre a prefeitura e o escritório central.

Se não se trata de solução perfeita, ao menos se trata de princípio de solucionamento de questão assaz complicada, de vez que na atualidade, utiliza-se música livremente e sem qualquer contraprestação aos autores e titulares de direitos conexos. Dessa forma, no ato do cadastramento inicial do estabelecimento e das respectivas renovações anuais, o responsável declararia se pretende utilizar música ou não para sonorização ambiental e pagaria o valor a ser determinado para esse fim (valor que haveria de ser proporcional ao tipo e tamanho de estabelecimento), sendo certo que caso o mesmo responsável declare não pretender usar música no estabelecimento, teria de firmar declaração escrita nesse sentido, sujeitando-se então à fiscalização e às sanções compatíveis.

Tal solução poderia arrecadar mais valores do que são recolhidos na atualidade, beneficiando enormemente a classe musical. Esses valores arrecadados poderiam ser revertidos para um fundo em benefício de autores e titulares de direitos conexos associados, uma espécie de caixa de assistência e/ou previdência, separando-se verba para a ampliação e o fortalecimento da estrutura do próprio escritório central ou, ainda, o que fosse decidido pelos próprios usuários do sistema como sendo prioritário. Como corolário natural dessa proposta, aumentaria em muito a tendência associativa, com vistas aos benefícios oferecidos.

O que é preciso fazer, sem demora e sem dúvida, é implementar algum tipo de política de controle da utilização da música, para que sejam resguardados os direitos e interesses da classe artística musical. Música, além de prazer, é negócio do qual muitos dependem, e como tal merece ser encarada, tendo a sua utilização devidamente controlada.

Revista Consultor Jurídico

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