Parcelamento da dívida na fase de cumprimento de sentença

Autor:  Gilberto Andreassa Junior e Laís Bergstein (*)

 

Prescreve o artigo 916, caput, do Código de Processo Civil, que “no prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês”. Já no parágrafo 7º do referido artigo, constata-se que “o disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença”.

No CPC/1973, não havia vedação expressa à aplicação do parcelamento na fase de cumprimento de sentença, o que gerou, inclusive, jurisprudência favorável do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1.620.904/SP; REsp 1.589.757/SP; REsp 1.264.272/RJ; AgRg no AgRg no REsp 1.055.027/RS).

Com a entrada em vigor do CPC/2015, movimentou-se a jurisprudência — consubstanciada na doutrina — no sentido de coibir o parcelamento, uma vez que há previsão legal sobre o tema, cabendo ao legislador eventual alteração (TJ-PR, AI 1.717.561-4; TJ-PR, AI 1.682.918-2).

Hodiernamente, passados alguns meses de vigência da nova lei, tribunais têm concedido o parcelamento durante o cumprimento de sentença, desde que haja concordância, expressa ou tácita, do credor (TJ-SP, AI 2179273-12.2017.8.26.0000; TJ-PR, AI 1.641.807-8; TJ-PR, AI 1.580.095-4). Os fundamentos principais são o princípio da razoável duração do processo e o princípio da cooperação processual.

A 11ª Câmara Cível do TJ-PR afastou a multa sobre as prestações parceladas na forma do artigo 916 do CPC diante da anuência do credor com o fracionamento do pagamento. Em que pese o exequente tenha pleiteado o acréscimo proporcional da multa do artigo 523, parágrafo 2º, do CPC, sobre a fração parcelada do valor objeto do cumprimento de sentença, entendeu-se que o pagamento parcelado constitui modalidade de pagamento espontâneo e total do débito. Assim, tendo o devedor ofertado o pronto pagamento da dívida, ainda que de forma fracionada, dentro do prazo do adimplemento voluntário, não se pode aplicar a multa pelo não pagamento (TJ-PR. 11ª C. Cível. AI 1.580.095-4. Rel. des. Dalla Vecchia. Unânime. Julgamento em 8/2/2017). O mesmo entendimento foi adotado, também por unanimidade, pela 1ª Câmara Cível (TJ-PR. 1ª Câmara Cível. AI 1.641.807-8. Rel. des. Ruy Cunha Sobrinho. Unânime. Julgamento em 9/5/2017).

A 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por sua vez, admitiu aplicação subsidiária do artigo 916 do CPC/2015 em um procedimento de cumprimento de sentença, a despeito da vedação legal. Justificou-se a decisão no entendimento de que se deve “buscar o resultado útil do processo, a efetividade da tutela, não havendo prejuízo para o agravante, que receberá de forma parcelada, mas com as devidas correções, como preceitua o artigo 916 do CPC”. Sopesou-se a ausência de prejuízos para a parte e, ainda, que “embora a execução deva ser feita em benefício do credor, deve-se ponderar tal regramento, com o princípio da menor onerosidade da execução, ou seja, a execução, sempre que possível, deve ser feita de forma menos gravosa também ao devedor” (TJ-PR. 18ª Câmara Cível. AI 1.529.154-6. Rel. Marcelo Gobbo Dalla Dea. Unânime. Julgamento em 3/5/2017).

Em verdade, a aplicação analógica ao cumprimento de sentença da benesse concedida em execuções de título não deveria depender da anuência do credor. É manifesta a necessidade de uma reforma legislativa — até mesmo para que o Judiciário não interprete de formas distintas situações semelhantes, como se verificou nos casos citados — para se admitir o parcelamento da dívida na fase do cumprimento de sentença, especialmente quando se tratar de lide oriunda de uma relação de consumo.

Alterou-se, com a Constituição Federal de 1988, o status da pessoa, que agora ocupa o eixo central do ordenamento jurídico. Os valores expressos no texto constitucional inspiram o construtor do direito a deixar definitivamente o patrimonialismo do século XIX, avançando para um Direito aberto, plural, justo e, principalmente, solidário (artigo 3º, I, CRFB). A defesa do consumidor constitui um direito fundamental dada a expressa previsão no artigo 5º, XXXIII, da CRFB, assim como um princípio orientador da ordem econômica no artigo 170, V, CRFB.

Vale lembrar, ainda, que o próprio CPC delimita, no artigo 805, o princípio da menor onerosidade ao devedor, que se aplica subsidiariamente no cumprimento de sentença (artigo 771, CPC). Ou seja, “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”. Tudo isso a justificar uma necessária supressão legislativa da vedação constante no parágrafo 7º do artigo 916 do Código de Processo Civil.

 

 

 

Autor:  Gilberto Andreassa Junior  é advogado, professor universitário, doutorando (PUC-PR) e mestre (UniBrasil) em Direito e pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo (PUC-PR).

Laís Bergstein é advogada, professora, doutoranda (UFRGS) e mestre (PUC-PR) em Direito e coordenadora acadêmica da Especialização em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais da UFRGS.


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