Paridade: como fica o réu?

Por César Peres,
advogado e presidente da Associação dos Criminalistas do RS

A luta que se vem há muito tempo travando para se estabelecer o pleno equilíbrio entre as partes nos processos criminais, reservando-se assento em posições equânimes à acusação e à defesa, tem, principalmente, como escopo garantir os postulados constitucionais que informam o Estado Democrático de Direito. No júri, modo especial, busca-se preservar os princípios da plena defesa e da presunção de inocência. Procura-se, portanto, antes e acima de tudo, salvaguardar as franquias constitucionais do réu, preservando-se a sua dignidade como ser humano.

Por isso, embora sejamos “indispensáveis à administração da justiça”, como preconiza a Constituição Federal, e não haja hierarquia entre juízes, promotores e advogados, como quer a legislação ordinária que regula a matéria, tal reivindicação não pode levar à equivocada conclusão de que estejamos buscando algum tipo de especial destaque ou de privilégio para os advogados e defensores públicos.

Ninguém se engane: a nossa demanda nem de longe se conforma com alguma suposta “concessão” outorgada por um ou outro membro do Poder Judiciário no sentido de permitir que tomemos assento ao seu lado no júri ou nas salas de audiências.

Isto porque, como antes dito, mais importante do que a manutenção das prerrogativas profissionais do defensor encontra-se a proteção à dignidade do cidadão acusado – como ser humano sujeito de direitos (e não mero objeto do processo).

Por isso, entendemos ser ainda mais prejudicial à defesa (do que o modelo costumeiro) a hipótese de assentar-se o defensor ao lado do juiz sem presença do réu a ombreá-lo (e igualmente inconstitucional). É que os signos exarados pela a situação de quedar-se o acusado isolado dos demais atores do processo, simbolicamente abandonado por seu patrono, parecem-nos tendentes à quase certeza de condenação (mesmo em caso de inocência!).

O famigerado “banco dos réus” – prática medieval e que lembra a Inquisição – coloca alguém que é presumidamente inocente em posição de menoscabo frente aos jurados e à própria sociedade, em franco desrespeito ao princípio da presunção de inocência e ao valor da dignidade da pessoa humana. A par disso, a distância entre ele e seu defensor dificulta o exercício da plena defesa, ínsito ao júri popular, porque impede que possa exercer a sua autodefesa, contraditando testemunhas, reperguntando, etc.

No rumoroso julgamento de Doca Street, acusado de matar Ângela Diniz, o então advogado Evandro Lins e Silva, na defesa, lembrou que, certa ocasião, no júri, o grande tribuno Alberto de Carvalho, ao ver o réu sendo injuriado pelo promotor, arrancou a beca e a jogou sobre a cabeça daquele, bradando: reu res sacra est (o réu é coisa sagrada)! Como poderia o advogado ter assim agido se – preocupado apenas em preservar a própria dignidade – estivesse assentado distante de seu cliente?

Lembremos ainda da generosa homenagem que nos foi prestada por Carnelutti: “A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada,
ao lado do acusado, quando todos o apontam. Postar-se ao lado do forte, sob as luzes dos holofotes, é cômodo.” (grifamos)

Se aceitarmos a realocação física da defesa apenas na pessoa do patrono, tal fato aviltará a nossa causa – fará com que sejamos mal compreendidos – e empobrecerá o nosso discurso, além de subvertê-lo no seu principal aspecto: a dignidade do cidadão acusado.

Enfim, como todos sabemos, não existe Estado Democrático de Direito pela metade – e não aceitaremos a democracia em migalhas. Portanto, nunca sem o réu!

cesar@peresegomespereira.adv.br

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