Autor: Lizandro Garcia Gomes Filho (*)
O cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa ou a execução fundada em título executivo extrajudicial contra a Fazenda Pública sempre causou enorme problemática aos envolvidos por conta do sistema diferenciado, com sede constitucional, que envolve os bens públicos afetados pelo manto da inalienabilidade e impenhorabilidade.
Da sistemática constitucional resulta ser o crédito do demandante quitado por meio do precatório judicial que, singelamente, constitui requisição de pagamento cujo adimplemento ocorrerá na ordem de inserção no orçamento público.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até hoje, o sistema sofreu algumas alterações, das quais a maior é a EC 62, de 9 de dezembro de 2009.
O tema nunca foi pacífico em virtude de algumas reformas constitucionais que o trataram com certa leniência e acabaram tumultuando a justa realização material do Direito.
Hodiernamente, tramita no Congresso Nacional a PEC 159/2015, que pretende incorporar ao texto constitucional as normas oriundas do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 assim como a histórica deliberação da chamada Questão de Ordem nessas ações diretas, ocorrida em 25 de março de 2015.
Duas situações chamam a atenção nesse assunto, uma positiva e outra nem tanto.
A primeira é que, de forma inédita, o Poder Legislativo parece estar comprometido com a resolução desse grave e incômodo problema: as dívidas dos precatórios judiciais.
De fato, parece existir uma conscientização parlamentar de que não há espaço — se quisermos realmente ser tratados como uma República — para o descumprimento de uma ordem judicial trânsita em julgado.
Ora, desde 2008, venho dedicando trabalho e energia, diariamente, a fim de encontrar solução para tamanha dívida que, segundo estudos não conclusivos, gravita em torno de R$ 100 bilhões. Para tanto, mantenho contatos com profissionais do Direito, como magistrados, membros do Ministério Público, advogados, procuradores da União, de Estado e da Fazenda Nacional, e catedráticos do Direito e de outros ramos científicos. Todas as opiniões convergem para a seguinte premissa: a solução só pode estar no império da lei e no repúdio à tergiversação sobre o integral pagamento da dívida.
É certo que o adimplemento da dívida poderá ser feito com valores de depósitos judiciais e administrativos em dinheiro, tributários e não tributários, o que é de enorme temeridade. Mas, pelo menos, mantém-se a cronologia imposta pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações diretas mencionadas, ou seja, assegura-se a quitação, até 31 de dezembro de 2020, de todos os precatórios dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que estavam em mora em 25 de março de 2015, dia daquele histórico julgamento. Desse modo, garante-se um ponto final à mora dos precatórios.
Outra aparente vitória dos credores foi a discussão parlamentar sobre o percentual máximo de deságio na quitação dos precatórios por meio do chamado “acordo direto”.
O debate sobre esse percentual tem enorme valor para a magistratura, pois muitos juízes consideravam os 40%, impostos pelo STF na modulação de efeitos das ADIs, como exagerados e densamente injustos para o credor. Com o texto em debate no Parlamento, o deságio ganha importância constitucional, haja vista a necessária vinculação do negócio jurídico aos Juízos Auxiliares de Conciliação de Precatórios.
Nesse ponto, espera-se que os atos regulamentadores dos entes federados levem em conta a natureza do precatório, se comum ou alimentar, assim como a temporalidade de sua inscrição, ao normatizarem essa redução no crédito do precatório.
A segunda situação é que, conforme meu modesto entendimento, sem prejuízo da nobreza da atuação legislativa, boa parte da solução já tinha sido proferida pelo STF nos julgamentos acima mencionados. O Supremo Tribunal, inclusive, naquela oportunidade, discutiu, à exaustão, o congestionamento dos precatórios e impôs um regime especial com termo final profetizado para a mesma data de 31 de dezembro de 2020.
A partir do julgamento das ADIs, caberia aos tribunais iniciar os pagamentos sob esse regime especial, com todas as consequências oriundas do julgamento pelo Supremo. Contudo, para meu desalento, houve a interposição de embargos de declaração, com a posterior conversão do julgamento em diligência para oitiva de todos os interessados na causa, sem previsão de julgamento final.
Até aí, tudo bem, se o cronograma imposto pelo STF já não tivesse sido iniciado. Eis o paradoxo: o Plenário do STF, em 25 de março de 2015, impôs um regime especial de pagamento de precatórios com eficácia a partir de 1º de janeiro de 2016, mas, como não ocorreu o trânsito em julgado por conta da interposição dos embargos de declaração, a decisão ficou, de certa forma, à mercê dos embargantes.
Esclareço não haver crítica alguma aos recorrentes, pois cultivo a controvérsia e reconheço as posições conflitantes em debate, sobretudo em tempos de recessão econômica; entretanto, como julgador, não posso me divorciar de minhas concepções de mundo, da visão da ciência jurídica e de minha consciência de procurar “dar a cada um o que é seu”.
Assim, cabe salientar que a Fazenda Pública não ficou desprotegida pela modulação de efeitos realizada pelo Supremo. É que o Pretório acabou tolerando um índice de correção monetária (TR) por quase 5 anos, reconhecendo-o como inconstitucional apenas a partir do julgamento em 25 de março de 2015. Esse efeito ex nunc de declaração de inconstitucionalidade, por si só, foi capaz de reduzir a dívida em mais de R$ 30 bilhões.
A nova PEC, pelo menos, já realizou a proeza de devolver esperança aos milhares de credores que aguardam, perplexos e desorientados, na fila de pagamentos.
Por fim, o texto legislativo foi aprovado pelo Senado Federal em segundo turno, na última terça-feira (7/6), com retorno para a Câmara dos Deputados no dia seguinte, onde, oxalá, será mantida a tramitação prioritária.
Autor: Lizandro Garcia Gomes Filho é juiz titular da 1ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal e juiz assistente da 1ª Vice-Presidência. Membro do Fórum Nacional de Precatório (Fonaprec)