PEC que cria janela para troca-troca partidário gera dúvidas

Autores: Murillo de Aragão e Ângela Cignachi Baeta Neves (*)

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 113/2015, já aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro passado, permitirá uma janela para o troca-troca partidário durante 30 dias, a partir de sua promulgação. A redação da Emenda é a seguinte: “É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.”

Recentemente, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou que a PEC será promulgada na próxima quinta-feira (19/2), em sessão conjunta do Congresso. Com a promulgação, ocorrerá uma espécie de “liberou geral” para a mudança de partido. A emenda recebeu o apoio da ampla maioria dos parlamentares, até mesmo de partidos como o Rede Sustentabilidade. Afinal,  as legendas “emergentes”podem se beneficiar com a degradação da imagem dos “partidões” e engordar suas bancadas.

Por um lado, a medida é boa, já que pode dar a todos a oportunidade de se rearranjar no confuso e fragmentado quadro partidário brasileiro. No entanto, a sociedade deve atentar para a possibilidade de essa janela de mudanças, a contar de 19 de fevereiro, ser utilizada para inflar artificialmente as bancadas dos partidos tendo em vista, por exemplo, a eleição de líderes partidários ou a distribuição de vagas nas comissões técnicas e nas CPIs.

Não é um risco impensado, uma vez que na recente disputa pela liderança do PMDB houve uma movimentação partidária visando unicamente eleger um determinado líder. Alguns temiam que a bancada do partido fosse inflada apenas para a escolha de seu líder. Isso não deve acontecer, já que o PMDB fará a escolha na quarta-feira (17/2) — um dia antes da abertura da janela — e deverá, na sequência, estabelecer um prazo de cerca de 30 dias para confirmar eventuais adesões ao partido na janela de mudanças.

Mas ficam aqui algumas indagações: os deputados poderão se desfiliar e se filiar quantas vezes quiserem durante a janela de 30 dias? Ou só será admitida uma troca no período? Uma vez desfiliado do partido que o elegeu, poderá o parlamentar, após esses trinta dias, mudar de legenda quantas vezes quiser?

A redação dada ao dispositivo fala da possibilidade de o parlamentar “desligar-se do partido pelo qual foi eleito”, o que, a princípio, não engloba uma segunda nova filiação durante a janela de 30 dias, nem mesmo depois, já que a lei não contempla palavras inúteis. Caso o interesse fosse “liberar geral” o troca-troca no prazo estabelecido, talvez a redação da norma devesse ser outra.

Vale lembrar que, desde antes da aprovação da PEC 113/2015, o Tribunal Superior Eleitoral já havia fixado entendimento no sentido de que o parlamentar poderia sair do partido pelo qual foi eleito para se filiar a uma nova agremiação recém-criada (antiga justa causa para desfiliação, não contemplada na Lei 13.165/2015).

E, ainda,  que, caso esse parlamentar posteriormente se desligasse do partido novo para ingressar em uma terceira agremiação, não caberia nem ao partido pelo qual o mesmo foi eleito nem ao novo partido questionar a nova e última filiação por suposta ocorrência de infidelidade partidária (conforme CTA 937-21, Relatado pelo ministro Gilmar Mendes). O primeiro, por ser justa a causa da desfiliação. O segundo, por não possuir nenhum suplente para substituir o trânsfuga no mandato (já que o novo partido não teria participado do pleito).

No entanto, no caso da nova PEC, parece-nos que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não tem como ser aplicada. Seja porque não se trata de hipótese de justa causa para a desfiliação, e, sim, de um prazo certo e determinado para a transferência de partido autorizado pela Carta; seja porque o partido que, em tese, recebe o parlamentar eleito por outra agremiação, mas, posteriormente, perde esse mesmo parlamentar para outro partido, pode não ser um partido novo e pode, sim, ter suplentes para substituir o suposto infiel.

Enfim, considerando a confusão do sistema partidário, o mais fragmentado do mundo entre as principais nações, a questão poderá ter sérios desdobramentos. E, mais uma vez, a Justiça Eleitoral poderá ser provocada para decidir demanda para esclarecer situação caso haja mais de uma nova filiação pelo mesmo parlamentar no período estabelecido na nova Emenda Constitucional, ou mesmo após tal prazo.

 

 

Autores: Murillo de Aragão  é advogado e cientista político.

 Ângela Cignachi Baeta Neves  é advogada especialista em Direito Eleitoral.


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