PEC sobre cessão de servidores deve ser analisada com cautela

por Levy Pinto de Castro Filho

A requisição e conseqüente cessão ou disposição de servidores é prática legal e usual adotada anos a fio no Brasil com a finalidade de suprir as necessidades funcionais imediatas não somente do Poder Legislativo, como também de todos os Poderes e nos diversos níveis da federação.

A Proposta de Emenda à Constituição 02-A, de 25/02/2003 (PEC 02/03), de autoria do deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE), visa a acrescentar o artigo 95 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, lançando mão de um permissivo constitucional para que os servidores públicos concursados que estejam cedidos há mais de três anos para outros órgãos possam optar pela efetivação no órgão cessionário, em cargo de atribuições semelhantes e do mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional do cargo efetivo ocupado no órgão de origem.

Vale lembrar, dentre outros casos, que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio do artigo 4º da Resolução 02/92, viabilizou durante quase sete anos seguidos o enquadramento de servidores celetistas e estatutários que se encontravam cedidos ao Poder Judiciário, em cargos idênticos ou assemelhados, tendo sido o referido artigo revogado pela Resolução 01/99.

De acordo com a redação do texto apresentado, o prazo previsto para o exercício da opção será de 90 dias após a publicação da respectiva Emenda Constitucional e, em 05/11/2003, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados acolheu voto vencedor favorável à referida proposta, tendo como relator o deputado Roberto Magalhães (PFL-PE).

Em 13/04/2005, a PEC 02/03 foi submetida ao exame da Comissão Especial destinada a proferir parecer conclusivo sobre a referida proposta, não tendo sido acrescentada nenhuma emenda pelos demais deputados, após o decurso do prazo de 15 dias.

No dia 11/05/2005, o relator da referida comissão, deputado Philemon Rodrigues (PTB-PB) apresentou substitutivo à proposta original, delimitando de forma mais específica a transferência de servidores, utilizando critérios objetivos e condizentes com os princípios inscritos na Carta Magna.

Apesar da polêmica gerada sobre o tema em foco, tendo alguns se referido a um novo “trem da alegria”, a futura Emenda Constitucional não promoveria, como se teme, qualquer tipo de ascensão funcional, fato este expressamente proibido pelo texto máximo.

Também não haveria nenhuma espécie de burla à exigência constitucional do concurso público, prevista no artigo 37, II da Lei Maior, uma vez que os servidores devem ser previamente concursados ou terem sido investidos no cargo original, com a observância das normas constitucionais e ordinárias anteriores a 05/10/1988.

Em verdade ocorreria, isto sim, uma exceção prevista na própria Carta Magna, com o intuito de flexibilizar a movimentação nos quadros da administração pública federal, estadual e municipal, tornando mais ágil o aproveitamento das pessoas previamente concursadas e trazendo dupla economia aos cofres públicos, uma vez que o órgão cedente ficaria desonerado de continuar arcando com os vencimentos do servidor público cedido, como ocorre, por exemplo, na denominada “cessão com ônus”, além do que restaria desnecessária a realização de novo certame, cujos custos são inegavelmente elevados.

Ademais, além de conveniente para a administração pública, tal medida proporcionaria tranqüilidade a milhares de servidores públicos cedidos, há anos, pois, como bem observa o relator da Comissão Especial, os mesmos, efetivamente, se encontram em situação precária, que pode ser revertida a qualquer momento.

Todavia, para conferir legitimidade à proposta, além dos requisitos previstos no substitutivo, a opção pela alteração da lotação funcional somente deveria ocorrer nos órgãos do mesmo ente da federação, sob pena de se violar o princípio do pacto federativo insculpido no artigo 1º da Constituição da República, tendo em vista que o artigo 18 da mesma assegura a autonomia de cada ente federado na organização político-administrativa brasileira.

Na forma em que se encontra redigida quanto a este específico ponto, a PEC 02/03 estará tratando de assunto pertencente ao núcleo irreformável da Constituição, em especial, à cláusula pétrea prevista no artigo 60, § 4º, I da Lei Maior, ou seja, àquela que impede, de modo absoluto, a discussão e votação da proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa de Estado.

Entretanto, se todas as cautelas forem tomadas, evitar-se-ão novas ações diretas de inconstitucionalidade contra leis ou atos normativos que tentam disciplinar a transferência sem respaldo constitucional, a exemplo do ocorrido recentemente com as leis 2681/01, 2890/02 e 2989/02 de autoria no Governo do Distrito Federal, que garantiam a transferência de servidores de empresas estatais em processo de extinção para secretarias do governo.

Os Congressistas, no exercício regular do poder reformador, devem observar tais ponderações, pois, caso contrário, a PEC em comento, sequer, poderá continuar sendo objeto de deliberação.

Revista Consultor Jurídico

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