Por André Luis Melo
No Brasil tem prevalecido atualmente a cultura da pena mínima, embora os veículos de comunicação gostem de divulgar a pena máxima. Na prática, a aplicação da pena é algo complexo, logo é mais fácil fixar a condenação no mínimo legal, pois evita a análise profunda das três fases (circunstâncias judiciais, agravantes e causa de aumento de pena) para se aplicar a pena.
Aos mais leigos no assunto, ressalta-se que a pena mínima e a máxima para um crime vêm expressas no artigo da lei penal, mas o Juiz não começa os cálculos pela pena máxima como se imagina. E sim, a partir da pena mínima. E a fundamentação para se aumentar a pena exige um esforço maior.
Alguns vêem na mídia condenações com penas maiores, mas isso decorre da somatória de vários crimes e não de um único crime, logo é importante que haja uma leitura da sentença em si, e não apenas do resumo.
Nem precisam imaginar que alguém condenado a uma pena de seis anos vai cumprir esta quantidade. Pois já começa no regime semi-aberto (em regra) e cumprindo apenas 1/6 (se não for hediondo), ou seja, 20% que é um ano, já progride para o regime aberto, o qual na maioria das cidades é cumprido em casa sem fiscalização alguma. Além disso, se trabalhar e estudar a cada três dias abate dois na pena, ou seja, a quantidade de um ano de pena vira quatro meses.
Outra questão da matemática da pena é que vários crimes podem se transformar em apenas um com a interpretação legal de concurso formal ou crime continuado, com um simples aumento de 20%. Ou seja, dez furtos podem virar apenas um furto na aplicação da pena.
Os critérios para se aumentar uma pena são bem restritos e não podem ser ampliados pelo juiz, mas os para reduzir a pena podem ser ampliados, como as atenuantes.
Por outro lado, a responsabilidade para aplicação da pena não é apenas do Juiz o que tem prevalecido como mito, pois o Ministério Público também deve nas alegações finais fazer um esboço da pena pretendida e dos cálculos, inclusive para a Defesa poder se defender, mas a praxe é apenas pedir condenação no artigo do código penal, sem indicar a pena e a dosimetria.
Os Promotores que fazem um esboço da dosimetria na alegação final, minoria, conseguem uma pena um pouco maior, mas não muito, pois os critérios para definir o aumento para as circunstâncias judiciais e agravantes não é previsto em lei, o que precisa ser melhorado no novo Código Penal. Outro fator que obtém o Promotor ao fazer um esboço da dosimetria pretendida é que agiliza o trabalho do juiz e assegura ao réu maior ampla defesa, o que efetiva a previsão constitucional de “duração razoável do processo”.
Quanto à aplicação de pena máxima é algo que praticamente inexiste na realidade. Estima-se que haja uma pena máxima para cada milhão de penas aplicadas no mínimo legal ou próximo deste. Em suma, a regra é pena mínima.
Dessa forma, quando os deputados quiserem realmente agravar a pena a um crime não basta aumentar a pena máxima, mas devem aumentar é a pena mínima.
Ademais, quem está no tribunal tende a pertencer a uma geração que tem uma visão de que o criminoso é vítima da sociedade, pois é algo muito propagado nas Escolas de Direito e em obras clássicas. E que a vítima do crime é praticamente culpada pelo crime que sofreu, isto é conhecido como Teoria da Defesa Social. Isto é reforçado pelo fato de que como estão distante do crime e não é comum filmarem as audiências, isto prevalece, afinal, nos tribunais julgam apenas papéis e não vêm criminosos, nem vítimas.
O desafio do novo Código Penal é diferenciar criminoso eventual do criminoso profissional (o qual não gosta mesmo de trabalhar), além de estabelecer penas altas para os crimes mais inteligentes, pois atualmente a dosimetria no Código Penal é totalmente desajusta e desproporcional e pune os crimes inteligentes com pena muito benevolente e exagera em crimes de atavismo (crimes cometidos por necessidade de inteligência)
Dessa forma tendem a fixar pena no mínimo legal quando há recurso, mesmo quando o crime é gravíssimo, pois afirmam que isto é da natureza do crime previsto na lei. Diante disso, os juízes tendem a fixar no mínimo legal a pena para que não seja diminuída no recurso, pois aumentar pena em recurso é algo possível, porém mais raro.
Nesse sentido, é paradoxal a atitude do STJ de publicar súmula proibindo a prescrição antecipada, a qual consiste em aplicar a prescrição com base na previsão de pena mínima e que normalmente demanda uma concordância entre juiz e Ministério Público, pois se houver divergência é preciso instruir o processo (dar seguimento) para ver a pena final. Portanto, ou o Judiciário deixa de aplicar a pena mínima, ou não faz sentido que não aplique a prescrição antecipada sabendo que haverá prescrição futuramente.
Raramente uma condenação por crime único será acima de seis anos. Em geral as penas ficam abaixo de quatro anos, independente da pena máxima estabelecida. Afinal, o que prevalece é a pena mínima. Ocorre que alguns gostam de cometer vários crimes e as penas somadas ficam maiores.
No modelo atual a arbitrariedade pode ser grande, pois crimes iguais podem ter penas muito diferentes se julgados em varas diferentes. Isto pode acontecer até no mesmo fato se o feito for desmembrado por alguma questão processual, como no caso do art. 366 do CPP e distribuído para Varas diferentes. O excesso de discricionariedade judicial para fixar a pena viola o princípio constitucional da ampla defesa e até do processo penal de partes.
Na Inglaterra não existe prescrição (“morte”, fim, do processo por excesso de prazo), mas no Brasil a defesa tem a estratégia de buscar meios para atrasar o processo, pois acaba em prescrição. Ao final a mesma será recalculada com base na pena final e muitas vezes obtém-se a prescrição e a condenação é anulada.
Para sairmos da cultura da pena mínima é preciso que na Reforma do Código Penal sejam estabelecidos critérios mais objetivos para se calcular a pena nas duas primeiras fases, ou seja, circunstância judicial e agravante, e ainda prever expressamente a proporcionalidade na conversão em pena alternativa ou de multa, bem como considerar a prescrição pelo total da pena aplicada e não para cada crime isoladamente, além de extinguir com a figura do crime continuado, pois tem servido apenas para beneficiar quadrilhas perigosas e organizadas que têm a pena reduzida mesmo que tenham cometido vários crimes e são profissionais do crime.
André Luis Melo é promotor de Justiça em Minas Gerais, professor universitário e mestre em Direito.