Navegando pelos sites de jornalismo eletrônico da internet, deparei-me com uma notícia inquietante. Tratava-se de uma matéria cujo título, “Câmara aprova pensão vitalícia ao 1º ex-prefeito de Jateí”, despertou em mim uma profunda exasperação. A notícia de caráter informativo descrevia a iniciativa dos vereadores daquela cidade, na última sessão ordinária do dia 6 de novembro, com certa pecha de solidariedade. Relatava o site que os vereadores de Jateí aprovaram uma pensão vitalícia para o primeiro ex-prefeito do município, baseados no fato de o beneficiário estar em idade avançada, e se encontrar em situação precária, fazendo jus ao recebimento de dinheiro público para seu provimento.
De imediato me veio à mente a proposta de emenda à Constituição Estadual de autoria do deputado Ary Rigo, que enseja estabelecer uma pensão vitalícia para os ex-governadores de Mato Grosso do Sul. Incrível, o projeto de Emenda Constitucional sequer foi à votação na Assembléia Legislativa, e já produz reprovável inspiração sobre parlamentares de outras esferas de poder.
Eu já esperava por isso, e você não? Com toda certeza, pois, se o ex-governador faz jus a uma pensão vitalícia ao deixar o exercício do mandato para o qual foi eleito, por que o ex-prefeito não faria? E o que dizer dos demais detentores de mandato eletivo, que ao término da delegação retornam aos seus afazeres normais, restabelecendo suas atividades profissionais anteriores à incumbência pública. Na lógica da farra com o dinheiro público todos são merecedores desse benefício. Entretanto, à luz da moralidade no trato da coisa pública, temos um bom exemplo de conduta condenável.
A imprensa local veiculou trechos dos debates que ocorreram na sessão de quarta-feira passada, na Assembléia Legislativa, retratando a pífia argumentação em favor do privilégio. Os seus defensores, segundo a mídia, apregoaram que todos os ex-governadores de Mato Grosso do Sul recebem, e, portanto, não seria justo os próximos perderem essa doce regalia. Insistem, também, ser uma prática comum no Brasil, e que não tem como o ex-governador sair por aí procurando emprego, afinal, ao exercer o cargo certamente ele contraria muitos interesses, e pode ser prejudicado por isso.
São essas as premissas dos que intentam aprovar esse descalabro. Veja que a fundamentação é irrelevante. Se havia esse equívoco no passado, por que deveríamos mantê-lo? O advento da atual Constituição Federal de 1988 eliminou a possibilidade de benefícios dessa natureza, e fez justiça à República ao proclamar em seu art. 201 que “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória…”. Portanto, o raciocínio é elementar. Para merecer uma pensão ou aposentadoria é necessário que todos contribuam por um determinado período de tempo, e somente após esse intervalo passem a receber o benefício. Se no passado a regra era outra, cabe ensejar sua correção, questionando a tese do direito adquirido quando se trata de objeto flagrantemente imoral, ferindo desse modo o princípio da moralidade na administração pública, insculpido no art. 37 da Constituição Federal.
Dizer que em muitos Estados esse privilégio é concedido, e, por esse motivo, deveríamos concedê-lo, é de uma desfaçatez sem tamanho. Vivemos em um Estado federativo justamente porque existem diferenças históricas, culturais e sociais entre nós, e aquilo que é importante para a população de determinado Estado pode não ser para outro. Por fim, é verdade que o exercício do governo contraria muitos interesses, todavia também é fato que por outro lado favorece muitos interesses, estando, portanto, a balança perfeitamente equilibrada. E afinal, por que um ex-governador não pode sair por aí procurando emprego, se a maioria esmagadora do povo brasileiro cumpre essa tarefa com a maior dignidade?
Não há uma justificativa convincente. O que ocorre é a velha cultura reinante em nosso país, que imagina o Estado como propriedade privada daqueles que estão no exercício do poder, e por isso passível de ser utilizado de maneira particular, atendendo a interesses pessoais e não coletivos. Assim pensaram os vereadores de Jateí, influenciados pelo mau exemplo da Assembléia Legislativa, ao aprovar uma absurda pensão vitalícia ao primeiro ex-prefeito do município, e assim pensam os favoráveis a conceder esse privilégio aos ex-governadores.
Projetos de Lei como esse, aprovado pela Câmara Municipal de Jateí, serão os principais resultados do efeito provocado pela proposta de emenda à Constituição que tramita na Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, caso ela venha a ser aprovada. Essa iniciativa deflagrará uma avalanche de proposições dessa natureza, oportunistas e de caráter despótico, demonstrando total desrespeito à coisa pública e ao povo de nosso Estado.
Para que essa aberração não aconteça, cabe à população de Jateí, quanto a toda a sociedade de Mato Grosso do Sul, se mobilizar contrariamente a esse retrocesso, demonstrando que se encontra presente e atenta, e mais, que não permitirá passivamente a expropriação do dinheiro público para beneficiar interesses particulares.
MARCELO BLUMA, VEREADOR DO PV EM CAMPO GRANDE/ MS