A crise dos Correios/Mensalão evidenciou um dos principais mecanismos geradores de corrupção. Não, não é o financiamento eleitoral, coisa que não tem absolutamente nada a ver com isso. É a liberdade que os governantes têm de nomear pessoas para ocupar funções de responsabilidade no Estado.
Funciona assim: o presidente da República nomeia (direta ou indiretamente) cerca de 22 mil pessoas. Como precisa angariar apoios parlamentares, usa esse poder de nomear para cooptar parlamentares e partidos. “Se você votar comigo, ganha a diretoria de operações da estatal X”. Quem ocupa a tal diretoria ali agirá seja para promover ações clientelísticas do interesse de seu patrono, seja para enfiar as patas no samburá. Não há outra hipótese, a menos que se acredite que esses partidos mensaleiros alimentem alguma espécie de comprometimento ideológico com a eficiência do Estado.
A contrapartida do negócio entre Executivo e Legislativo é a leniência na fiscalização do que acontece nas áreas loteadas. Evidente: caso se comece a olhar muito de perto as operações conduzidas ali, as próprias bases do negócio se esboroam.
É claro que esse mecanismo não foi inventado pelo presente governo. Vem de longe. Afeta não só a esfera federal mas também Estados e municípios. E afeta os três poderes, como prova a recente movimentação em torno do nepotismo no Judiciário (nepotismo é uma falsa questão; se o sujeito não pudesse nomear com tanta facilidade, se nomeariam muito menos parentes).
Pois bem, por que motivo não se encontra um único jornalista que se dirija aos administradores da crise do Mensalão no governo, no Congresso, nas CPMIs, e lhes faça perguntas relativas a esse assunto? Em vez de perguntar ao deputado Osmar Serraglio, por exemplo, “o que o senhor acha da cassação do Zé Dirceu?”, indagar “o senhor vai mencionar a liberdade de nomeações em seu relatório? Não? Por que não?”
A julgar pelo que se lê nos jornais, se ouve no rádio e se vê na televisão, os repórteres da crise preferem ficar no rame-rame dos eventos superficiais do cotidiano. Bengaladas, cassações, balões de ensaio sobre a sucessão presidencial, isso interessa. Descobrir por que as raízes reais da crise não são expostas, não.
O máximo a que chegam é comprar versões. A mais famosa é a tal história de que a crise teria se originado do modelo de financiamento eleitoral vigorante no Brasil. Isso foi inventado nos laboratórios dos mensaleiros para livrar a cara dos culpados. E pegou. Em pouquíssimo tempo, uma quantidade alarmante de comentaristas e repórteres comprou a lustradinha no caixa 2 promovida em primeiro lugar pelo presidente da República e passou a repetir, com ar grave, a cantilena da “reforma política”. Não lhes ocorre perguntar a quem expõe tal teoria: “Mas, ministro, presidente, deputado, senador, qual é exatamente a relação de causa e efeito que existe entre fraudes em licitações públicas e financiamento de campanhas eleitorais?”.
Tomo então a liberdade de fazer a seguinte sugestão de pauta: entrevistar dez protagonistas da crise e perguntar-lhes: “O senhor apoiaria um projeto de lei que reduzisse drasticamente, nos três poderes, a quantidade de pessoas que podem ser nomeadas para ocupar cargos de confiança?”
Claudio Weber Abramo
Diretor executivo da Transparência Brasil